9/09/2020

Os Tupinambás e a França Equinocial


Esse discurso foi registrado pelo missionário Claude d’Abbeville, em sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão. Proferido diante de um grupo de franceses que, em missão diplomática, tratavam de estabelecer a aliança com os povos indígenas da região, teve um grande impacto sobre os presentes. A resposta que lhe deu o intérprete- embaixador dos franceses, Des Vaux, eventualmente permitiu que a aliança fosse selada e que os franceses instalassem, no Maranhão, a sua França Equinocial. A colônia foi conquistada pelos portugueses dois anos mais tarde. Sob o domínio dos peró, os Tupis da região tiveram o mesmo destino que os de Pernambuco, tal como o descreveu Momboré-uaçu. Alguns anos mais tarde, já não havia registro de nenhuma aldeia Tupi livre na costa da colônia do Brasil.

“Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos”

Registro do discurso de um chefe Tupinambá no século XVII Chefe Momboré-uaçu - Aldeia de Essauap, Maranhão - 1612

Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso.

Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificarem cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [padres]. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los.

Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram os nossos constrangidos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região.

Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época, não faláveis em aqui vos fixar. Apenas vos contentáveis com visitar-nos uma vez por ano, permanecendo entre nós somente quatro ou cinco luas. Regressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com aquilo de que carecíamos. Agora já nos falais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas para defender-vos contra os vossos inimigos. Para isso, trouxestes um Morubixaba e vários paí. Em verdade, estamos satisfeitos, mas os peró fizeram o mesmo.

Depois da chegada dos paí, plantastes cruzes como os peró. Começais agora a instruir e batizar tal qual eles fizeram; dizeis que não podeis tomar nossas filhas senão por esposas e após terem sido batizadas. O mesmo diziam os peró. Como estes, vós não queríeis escravos, a princípio; agora os pedis e quereis como eles no fim. Não creio, entretanto, que tenhais o mesmo fito que os peró; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou nada mais temo. Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos. 

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