7/16/2013

Análise do Conto da Ilha Desconhecida





                                                                SOBRE JOSÉ SARAMAGO
 
José Saramago nasceu na vila de Azinhaga, no ano de 1922. Grande parte de sua vida ele passou em Lisboa, para onde a família se mudou em 1924. Dificuldades econômicas o impediram de cursar uma universidade. Demonstrava desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura. Formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros, visitava, à noite, com grande frequência, a Biblioteca Municipal Central. Faleceu no ano de 2010.

SOBRE A OBRA

O conto A Ilha desconhecida, de José Saramago, conta a história de um homem que sai em busca de conhecimento e da compreensão de si mesmo por meio de muita luta em um espaço social em que existem certos códigos que vão na contramão de tudo aquilo em que ele acredita. A realização de seus anseios mais profundos só será possível pela própria ação do personagem.
O conto A Ilha Desconhecida lembra de, certa forma, às fabulas de La Fontaine que procurava de alguma maneira dar algum ensinamento a quem os lesse. Trata-se, pois, de um canto de otimismo em que a ambição ou a obstinação fazem o sonho aportar em um lugar seguro onde a fantasia pode vir a se tornar realidade. Mais do que qualquer outra coisa, A ilha desconhecida é um cântico de exaltação da vida e da vontade de por ela lutar.
O Narrador deste conto relata a história de um rei que se distância de seus súditos através de uma máquina burocrática que revela uma sociedade estratificada e desigual. Este rei sente-se desconfortável ao aproximar-se do homem que faz a petição de um barco. 

O rei duvidou por um instante, na verdade não gostava muito de se expor aos ares da rua, mas depois reflexionou que pareceria mal, além de ser indigno da sua majestade, falar com um súdito através de uma nesga, como se tivesse medo dele, mormente estando a assistir ao colóquio a mulher da limpeza, que logo iria dizer por aí sabe Deus o quê, De par em par, ordenou. O homem que queria um barco levantou-se do degrau da porta quando começou a ouvir correr os ferrolhos, enrolou a manta e pôs-se à espera. Estes sinais de que finalmente alguém vinha atender (...) O inopinado aparecimento do rei (nunca uma tal coisa havia sucedido desde que ele andava de coroa na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos ditos candidatos mas também à vizinhança que, atraída pelo repentino alvoroço, assomara às janelas das casas, no outro lado da rua. (pag.3)

Como nos demais contos de José Saramago, neste os personagens são simples e vivem grandes aventuras após a ocorrência de um determinado evento em suas vidas, algo que aos olhos do leitor comum seria improvável de se acontecer. Como é característico de Saramago as personagens são mencionadas, não pelos seus nomes, mas por suas funções sociais, este é o caso da moça da limpeza, do homem que vai pedir um barco ao rei, do rei, do primeiro secretário, do segundo secretário, do capitão e etc.

e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança(...), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, (...) Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. (pag. 01)


                O conto A ilha desconhecida pode ser entendida como uma alegoria que pode ser representada de diversas maneiras, como o encontro entre a mulher da limpeza e o homem que pedia o barco; o desejo daquele homem em ter um barco ou mesmo a coragem da mulher em querer mudar de vida ea audácia destes dois personagens.
Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma. (pag. 19)

                Em O Conto da Ilha Desconhecida, o narrador descreve a necessidade de se buscar aquilo que não se pode ver, de construir o novo a partir do lugar onde nos encontramos, a partir dos sonhos e das utopias que podem estimular as ações humanas e impedir a sua completa paralisação impulsionando os indivíduos a manterem a esperança de se alcançar o novo. Essa esperança é personificada na mulher da limpeza, que decidiu sair do lugar-comum onde estava, ou seja, o castelo onde trabalhava para fazer parte da tripulação na busca da ilha desconhecida.
O que é conhecido, também é atraente, pois é cômodo, já o novo, muitas vezes, pode parecer aterrorizante e esse terror personifica na figura do grande mar tenebroso, mas o conto faz com que o leitor chegue a conclusão de que é preciso ousadia para enfrentar o desconhecido e por vezes esse desconhecido somos nós mesmos.

ANÁLISE DO LIVRO MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS, DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA.



ANÁLISE DO LIVRO MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS, DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA.


ENREDO

Numa viagem, rumo à colônia, Leonardo-Pataca conhece Maria das Hortaliças.Os dois se apaixonam e ao chegarem ao Brasil estabelecem matrimônio. Desse matrimônio resulta um fruto, a saber: Leonardo.
Um dia Leonardo-Patacaflagra Maria das Hortaliças com outro homem, uma briga acontece e ele resolve sair de casa, mas quando retorna descobre que a mulher fugiu com um de seus amantes. Com o fim do matrimônio, Leonardo-Pataca decide mudar de vida e abandona o filho sob os cuidados de seu padrinho, que era barbeiro e cuja barbearia ficava ao lado de sua casa.
 O padrinho almejava para Leonardo um futuro eclesiástico, porém o garotonão apresentava a mínimainclinação para o sacerdócio, ao contrário, mostrava-se bastante traquinas e avesso as coisas da Igreja. Leonardo crescia e não fazia questão de estudar e nem de trabalhar, tornando-se assim um típico malandro dos subúrbios carioca, mas as coisas mudaram quando ele conhece Luizinha, sobrinha de D. Maria, uma antiga amiga do padrinho.
Leonardo se enamora por Luizinha, cujo afeto ele tem que disputar com José Manuel, que por sua vez, está interessado na herança que Luizinha herdara de sua tia, Dona Maria. Com a ajuda de sua deseu padrinho e de sua comadreLeonardo consegue afasta José Manuel de Luizinha.
Por esse período, o padrinho de Leonardo falece, e ele se vê forçado a morar, novamente, com o pai, Leonardo Pataca, por quem foi abandonado. Certo dia,Leonardo teve uma discussão com a atual mulher de seu pai e este tomando as dores daquela, afugenta Leonardo de sua casa ameaçando mata-lo com uma espada.
Na noite em que foi expulso de casa, Leonardo reencontrou um antigo amigo com quem aprontava muitas traquinagens na Igreja, nessa ocasião, este amigo o convidou para ir morar em sua casa ao que Leonardo não demorou a aceitar.Estando na casa de seu amigo, Leonardo conhece e se apaixonapor Vidinha, todavia esse afeto com Vidinha não agradou a dois primos que tinham pretensões de com ela se casar.



Juntos, os dois primos armam uma cilada para Leonardo, eles o acusam de vadiagem e provocam uma emboscada para que Vidigal o prendesse. Vidigal prende Leonardo quando este, Vidinha e seus primos saiam para uma patuscada,porém Leonardo consegue se desvencilhar e fugir de Vidigal e seus Granadeiros quando estavam a caminho da casa da guarda.
 Depois deste incidente, Leonardoconseguiu um emprego na Ucharia Real. Por essa razão, Vidigal não pôde prendê-lo, mas ele se envolveu com a mulher do "toma-largura" epor esse motivo ele foi preso pelochefe Vidigal.
Nesse meio tempo, Luizinha casou-se com José Manuel que a tratava muito mal. Vidinha que ficou muito enciumadadecidiu tomar satisfações com a esposa do "toma-largura", porém o que acabou acontecendo é que o "toma-largura" se apaixonou por Vidinha. Enquanto isso, Leonardo se tornava policial, já que conhecia bastante da vida marginal.
Leonardo, por sua inclinação para traquinagens acabavapor ajudar os bandidos, por essa razão, foi ele preso e punido com chibatadas por Vidigal. Para conseguir a libertação de Leonardo, a comadre se uniu a Maria-Regalada, antigo amor de Vidigal, e Juntas conseguem a libertação de Leonardo e para, além disso,alcançam que ele seja promovido a sargento. Com a morte de José Manuel, Leonardo teve livre acesso para reconquistar seu primeiro amor, Luizinha e então todos viveram felizes para sempre.

PERSONAGENS


Em memórias de um sargento de milícias, os personagens são, basicamente, planos, isto quer dizer que eles não mudam seu comportamento com desenrolar dos fatos. Pode-se dizer queOs personagens deste romance se destacam por traços mais comuns ao grupo em que pertencem. As personagens, em sua grande maioria, não são mencionadas por seus nomes, e sim por seu tipo, ou profissão: toma-largura, comadre, parteira, barbeiro, primo. Neste trecho ele descreve a comadre e em nenhum momento do livro o autor fala o seu nome
Os personagens centraisda trama são: Leonardo, Luizinha, o Padrinho, a Madrinha, mas há também os secundários, e são eles: Leonardo-Pataca, Maria das Hortaliças, o major Vidigal, José Manuel, Vidinha, D. Maria.

PERSONAGENS

Leonardo

Desde criança Leonardo mostrava-se ser um perfeito vadio, pois não queria nada com os estudos e nem com trabalho. Apesar de todos os apelos do padrinho que, queria fazer dele um padre, no final das contas o garoto seguiu a sua sina de malandro, como retrata o trecho a seguir:

Digamos unicamente que durante todo esse tempo o menino não desmentiu aquilo que anunciara desde que nasceu: atormentava a vizinhança sempre com um choro em oitava alta; era colérico; tinha ojeriza particular à madrinha, a quem não podia encarar, e era estranhão até não poder mais. (pag. 17)

Luizinha

Se tratava do grande amor de Leonardo. Luizinha era órfã de pai e mãe e foi adotada pela tia, D. Maria, que conseguiu se tornar a tutora da menina após uma briga na justiça com o tio paterno dela:

Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça; era alta, magra, pálida; andava com queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos como uma viseira. (pag. 85)

O Padrinho

Era o barbeiro, cuja barbearia, ficava ao lado da casa de Leonardo-Pataca. Depois que Pataca foi abandonado por Maria das Hortaliças entregou aos cuidados do Padrinho o menino Leonardo. O padrinho era um homem bom, mas que conseguiu constituir algum patrimônio graças a um golpe que deu em um moribundo.

O capitão chamou à parte, e em segredo lhe fez entrega de uma cinta de couro e uma caixa de pau pejadas de um bom par de dobraras em ouro e prata, pedindo que finalmente as fosse entregar, apenas chegasse à terra, a uma filha sua, cuja morada lhe indicou. Além deste dinheiro, encarregou também de receber a soldada e lhe dar o mesmo destino (...). O compadre decidiu instituir-se herdeiro do capitão, e assim o fez. Eis aqui como se explica o arranjei-me (grifo do autor), e como se explicam muitos outros que vão aí pelo mundo. (pag. 46)

A Madrinha

A Madrinha era uma mulher extremamente religiosa que muito gostava de seu afilhado, Leonardo, pois por causa dele, ela fez muitas coisas, inclusive levantar uma injúria contra José Manuel para afastá-lo de Luizinha e deixar o caminho livre para Leonardo:

Era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do oficio de parteira, que adotara por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade.(pag. 38)

Leonardo-Pataca

Era o pai de Leonardo. Após ter flagrado a mulher em adultério dentro de sua própria casa, teve ainda de passar pela humilhação de saber que a esposa fugira com outro homem para Portugal. Pataca era extremamente passional e por essa razão passou por diversas provações em todos os relacionamentos.Primeiro com Maria das Hortaliças, depois com a cigana e por fim com Chiquinha.

(...) depois da fuga de Maria, e das cinzas ainda quentes de um amor mal pago nascera outro que também não foi a este respeito melhor aquinhoado; mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo, não podia passar sem uma paixãozinha. (pag.28)

Maria das Hortaliças

Era a esposa de Leonardo-Pataca, mãe de Leonardo, o protagonista da história. Maria das Hortaliças aparece nos primeiros capítulos. Foi pega pelo marido com outro homem e depois fugiu para Portugal com seu amante, abandonado seu filho sob os cuidados do padrinho dele.

O Major Vidigal

            O Major Vidigal era o chefe de policia, uma espécie de Xerife muito temido por causa de seus métodos empregados, que eram extremamente rigorosos e ele não fazia nenhum tipo de concessão, pois fosse quem fosse ele prenderia.

O major Vidigal era o rei absoluto, o arbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas de sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça (grifo do autor) era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquisição policial. (pag. 30)

José Manuel

            José Manuel era o pretendente de Luizinha e principal oponente de Leonardo para conquistar o amor da moça. Ele era conhecido por ser demasiado maledicente e mentiroso. Casou-se com Luizinha somente por interesse em sua herança.

Um homenzinho nascido em dias de maio, de pouco mais ou menos 35 anos de idade, magro, narigudo, de olhar vivo e penetrante, vestido de calção e meias pretas, sapatos de fivela, capote e chapéu armado (...) José Manuel era uma crônica viva, porém crônica escandalosa, (...) debaixo do mais fútil pretexto tomava a palavra, e enfiava um discurso de duas horas sobre a vida de fulano ou de beltrano. (pag. 93)

Vidinha

            Vidinha era a prima do melhor amigo de Leonardo, aquela por quem ele se apaixonou. Vidinha era de caráter sempre muito alegre, pois vivia sempre sorridente. Ela sabia cantar e tocar viola.

Vidinha era uma mulatinha de 18 a 20 anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muitos vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. (pag. 128)

D. Maria

            D. Maria era a tia de Luizinha e amiga do padrinho de Leonardo. Era uma mulher rica e de coração muito bom, pois ajudava aos pobres e era benfazeja, todavia ela tinha um vício considerado terrível para aqueles tempos: se tratava da mania das demandas.

D. Maria tinha bom coração, era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porém em compensação dessas virtudes tinha um dos piores vícios daqueles tempos e daqueles costumes: era a mania das demandas. Como era rica, D. Maria alimentava este vicio largamente; as suas demandas eram o alimento da sua vida; acordada pensava nelas, dormindo sonhava com elas, raras vezes conversava em outra coisa, e apenas achava um tangente caía no assunto predileto; pelo hábito que tinha da matéria; entendia do riscado a palmo, e não havia procurador que a enganasse, sabia todos aqueles termos jurídicos e toda a marcha de modo tal que ninguém lhe levava nisso a palma. (pag.79)

TEMPO E ESPAÇO

TEMPO

Cronologicamente, a história descrita no Romance acontece no inicio do século XIX, período em que a corte portuguesa chega ao Brasil. Para tanto, basta verificar a expressão com a qual o narrador inicia a narrativa: “Era no tempo do rei” (pag. 13), numa alusão direta aorei Dom João VI. Essaexpressão é, também, uma forma que o autor encontrou para fazer lembrar, de maneira irônica,a famosa expressão utilizada para introduzir os contos de fadas, Era uma vez...

ESPAÇO

O espaço físico em que se situa a narrativa é o meio urbano brasileiro.A história se passa no Rio de Janeiro, e faz referência a seus principais pontos como igrejas, as ruas mais importantes, bem como o subúrbio carioca e para, além disso, descreve também lugares como acampamentos de ciganos. O autor faz uma descrição de um acampamento cigano.

“Moravam ordinariamente um pouco arredados das ruas populares, e viviam em plena liberdade. As mulheres trajavam com certo luxo relativo aos seus haveres: usavam muito de rendas e fitas; davam preferência a tudo quanto era encarnado, e nenhuma delas dispensava pelo menos um cordão de ouro ao pescoço; os homens não tinham outra distinção mais do que alguns traços fisionômicos particulares que os faziam conhecidos”. (pag.35)

FOCO NARRATIVO

A narraçãoda história é feita de maneira cronológica e linear, por um narrador que fala na 3º pessoa e que tem conhecimento de todas as ações dos personagens e que pode ponderar sobre o que lhes vem à mente. Em determinados momentos o narrador lança mão do discurso direto para evidenciar a maneira como falam as personagens.

Já... já... senhora intrometida com a vida alheia... já sabe o padre-nosso, e eu o faço rezar todas as noites um pelo seu defunto marido que está a esta hora dando coices no inferno!...(pag. 34)

O narrador usa de ironias para achincalhar alguns costumes da época em que é contada a história:

Ser valentão foi em algum tempo ofício no Rio de Janeiro; havia homens que viviam disso: davam pancada por dinheiro, e iam a qualquer parte armar de propósito uma desordem, contanto que se lhes pagasse, fosse qual fosse o resultado.Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam(grifo meu), havia, na época desta história, um certo Chico-Juca, afamadíssimo e temível. (pag. 70)

Na contramão dos demais autores românticos, Manuel Antônio de Almeida retira o foco narrativo dos grandes salões aristocráticose direciona para as massas desfavorecidas, para o subúrbio, para a gente simples da cidade do Rio de Janeiro. A seguir se verá um trecho em que o narrador faz uma descrição do Fado, típica dança das classes baixas:

Todos sabem o que é Fado, essa dança tão voluptuosa, tão variada, que parece filha do mais apurado estudo da arte. Uma simples viola serve melhor do que instrumento algum para o efeito. O Fado tem diversas formas, cada qual mais original. Ora, uma só pessoa, homem ou mulher, dança no meio da casa por algum tempo, fazendo passos os mais dificultosos, tomando as mais airosas posições, acompanhando tudo isso com estalos que dá com os dedos, e vai depois, pouco a pouco, aproximando-lhe de qualquer que lhe agrada; faz-lhe diante algumas negaças e viravoltas, e finalmente bate palmas, o que quer dizer que a escolheu para substituir o seu lugar. (pag. 36)

Um aspecto importante na obra de Manuel Antônio de Almeida é a exaltação de personagens típicos dos subúrbios fluminenses, como o barbeiro, a parteira, o major e dessa forma eleva a história mais próxima do leitor comum. Como a obra “Memórias de um sargento de Milícias” foi escrita em capítulos, e esses capítulos foram publicados um de cada vez (folhetim) no final de alguns capítulos o autor coloca um ponto de suspense fazendo com que o leitor tenha vontade de ler o próximo capítulo, essa característica é utilizada atualmente em novelas, com a finalidade de fazer o telespectador esperar o próximo capítulo.
Apesar de ser uma obra romântica, o autor mostra uma perspectiva bem próxima da realidade e bem menos idealizada do que aquela que a maioria dos romancistasromânticos adotaram. Os problemas sociais, as atitudes dos personagens e uma visão menos idealizada do amor mostram a obra com Realismo.

CONCLUSÃO

O Romance Memórias de um sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida é uma obra ligada a escola Romântica que, todavia, apresenta características diversas como visão subjetiva da mulher anada e a vitória do primeiro amor, o amor verdadeiro, sobre as  demais paixões mundanas.
Esta obra é um romance urbano que desenvolveu temas ligados à vida social. Apesar de possuir características fundamentais do movimento romântico, a história não apresenta os exageros sentimentais comuns a esta escola, ao contrário o narrador parecer ironizar alguns procedimentos românticos, como é possível verificar:

Portanto não foram de modo algum mal recebidas as primeiras finezas as primeiras finezas de Leonardo, que desta vez se tornou muito mais desembaraçado, quer por que já o negócio com Luisinha tivesse desasnado, quer por que agora fosse a paixão mais forte, embora esta última hipótese vá de encontro a opinião dos ultrarromânticos, que põe todos os bofes pela boca pelo tal primeiro amor: no exemplo que nos dá o Leonardo, aprendam o que ele tem de duradouro. (pag. 141)

Começa-se a perceber que no livro Memórias de um Sargento de milícias existe uma forte inclinação para as temáticas realistas, pois o autor abandona a linguagem hiperbólica e a mulher e o amor já não são tão idealizados como nos demais romancesRomânticos, porém a vitória do primeiro amor, o final feliz de Luisinha e Leonardo mostra que o texto apesar de ter características realistas, ainda tem predominância o romantismo.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Antônio Manuel de. Memórias de um sargento de milícias. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2007.
ANDRADE, Mário de. "Introdução", in Memórias de um sargento de milícias.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 41ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

A POESIA DE RICARDO REIS – HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA



O MODERNISMO PORTUGUÊS


O Modernismo português, assim como os demais movimentos literários que o antecederam, foi influenciado pelo contexto histórico e político pelo qual passava este país. Portugal testemunhava os estragos causados pela Primeira Guerra Mundial em toda Europa, a Revolução Industrial e o clima de nostalgia que tomava conta dos Lusitanos por perceberem que suas glórias de tempos passados haviam caído no esquecimento.
Como alternativa para a literatura produzida por aquela época surge a revista Orpheu, que apresentaria as inovações de ordem literária e estética pela qual a arte portuguesa estava passando, o que acabou culminando no Modernismo português em 1915.
Já na sua primeira edição a revista Orpheu trazia um artigo em que enfatizava as inovações estéticas trazidas pelos movimentos de vanguarda, sobretudo a corrente Futurista que pregava a valorização das máquinas e da velocidade em um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa e este juntamente com Mário de Sá-Carneiro, Luís Montalvor e José de Almada-Negreiros, compunha um grupo de artistas com bastante expressividade no cenário do Modernismo português.
Diante desse contexto, deve-se destacar Fernando Pessoa, poeta que com o seu gênio criativo inventou diversos “eus”. Fernando Pessoa deu vida a vários heterônimos, cada um com suas particularidades literárias. Dentre os heterônimos mais importantes de Fernando Pessoa estão: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

O QUE É UM HETERÔNIMO
Um Heterônimo é uma personagem fictícia, criada por escritores, como é o caso de Fernando Pessoa, cujo objetivo é dar vasão a diferentes formas de tentar descrever a as diversas perspectivas do mundo. Os três principais heterônimos de Fernando Pessoa são: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.

BIOGRAFIA RICARDO REIS

Para instrumento de análise da presente dissertação, destaca-se o heterônimo Ricardo Reis, nascido no Porto, no dia 19 de Setembro de 1887, foi educado em uma escola jesuítica. Ricardo Reis obteve educação greco-latina, formou-se em medicina, profissão que não exerceu, e expatriou-se, espontaneamente, para Brasil no ano de 1919, após a derrota da rebelião monarquista contra a república Portuguesa.
Em 1914, iniciou sua produção literária lançando mão da ode, como forma poética mais frequente. Fernando Pessoa não fixa uma data em especial para o falecimento de Ricardo Reis, ao contrário de seus demais heterônimos, todavia o escritor José Saramago define uma data em seu famoso livro “O ano da morte de Ricardo Reis”.

SOBRE A PRODUÇÃO POÉTICA DE RICARDO REIS

Inicialmente as obras de Ricardo Reis foram publicadas na revista Athena, no ano de 1924, revista esta fundada por Fernando Pessoa. Depois foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Ricardo Reis era discípulo de Alberto Caeiro, outro heterônimo de Fernando Pessoa, que se caracterizava pela serenidade e calma com que enxergava a existência, por isso, Ricardo Reis inspirado pela clareza, pelo equilíbrio e pela ordem do seu espírito clássico, procurava atingir a paz e o equilíbrio sem sofrimento.
Para o poeta Ricardo Reis a tranquilidade da alma deve ser alcançada por meio do aproveitamento da vida (carpe diem) através das coisas mais simples e de maneira tranquila, sem excessos, fazendo da vida no campo o seu ideal (fugere urbe), e ainda fugindo da dor e não temendo a morte, já que esta é a única certeza da vida. Ricardo Reis também apresenta conformismo e renúncia diante dos acontecimentos e não se esforça para mudar o que ele denomina de destino, sobre este tema ele fala no poema abaixo:

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

O eu poético neste poema aceita o destino de uma forma tranquila, sem tentativas de mudá-lo, não alimentando desejos ou esperanças, pois “Nada mais nos é dado”, também revela o seu conformismo diante do destino, não vale a pena desejar, não vale a pena ter esperanças, porque a nossa vida será apenas como foi programada e o melhor é aceitar isso com dignidade. Podemos inferir ainda, por meio da leitura da ode o modo como não cumprimos o que desejamos, ou seja, não conseguimos o que desejamos nem desejamos o que cumprimos. É o Destino que decide por nós, e nós apenas cumprimos a vontade do Destino.
Em se tratando de renúncia, destaquemos essa e outras temáticas na ode abaixo:

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Nesta ode, o eu poético vive a vida sem ilusões, não busca prazer na mesma, renunciando a tudo, de maneira nobre, fria e estática, renúncia esta vida que trará, posteriormente, a tranquilidade. O eu poético ainda cultua diversos deuses e o belo, herança dos gregos clássicos, bem como, procura fugir da dor, recomendado: vive só e deixa a dor nas aras como ex-votos aos deuses, quer estar só e deixar de sofrer. No que refere à estética, utiliza-se dos verbos no infinitivo, como se o eu poético quisesse demonstrar ensinamentos aos discípulos. No poema abaixo reconheçamos o conformismo na poesia de Ricardo Reis:

Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa conosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.

Segundo o eu poético, devemos viver o presente sem pensar ou recordar o passado, porque não podemos evitar que o tempo passe, pois todo o presente se converte rapidamente em passado e por isso é inútil conhecer e rejeitar a recordação do passado ou o autoconhecimento para se concentrar na perspectiva do ser como existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A poesia de Ricardo Reis tem muitas referências mitológias, com uma linguagem culta e precisa. O estilo neoclássico é influência, sobretudo, do poeta latino Horácio, com utilização frequente da ode. Ricardo Reis faz uso de um vocábulo culto e alatinado tendo como principal recurso estilistico o hipérbato. Emprego do gerúndio e do imperativo (ou conjuntivo com valor de imperativo) com carácter exortativo, ao serviço do tom sentencioso e do carácter moralista em sua produção poética.
A um só tempo, Ricardo Reis une epicurismo e estoicismo, faz um louvor da vida no campo através do fugere urbe, a exemplo dos poetas árcades. A poesia de Ricardo Reis é permeada de uma completa consciência da efemeridade da existência e da noção de que o destino é superior aos anseios da condição humana.


Referencial bibliográfico
CEREJA, William Riberto. Panorama da Literatura Portuguesa. 2ª ed. rev. amp.São Paulo: Atual, 1997.

De NICOLA, José. Língua, literatura e produção de textos. São Paulo: Scipione, 2009.

Disponivel em: acesso em 20/01/11

PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2003.