7/16/2013

A POESIA DE RICARDO REIS – HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA



O MODERNISMO PORTUGUÊS


O Modernismo português, assim como os demais movimentos literários que o antecederam, foi influenciado pelo contexto histórico e político pelo qual passava este país. Portugal testemunhava os estragos causados pela Primeira Guerra Mundial em toda Europa, a Revolução Industrial e o clima de nostalgia que tomava conta dos Lusitanos por perceberem que suas glórias de tempos passados haviam caído no esquecimento.
Como alternativa para a literatura produzida por aquela época surge a revista Orpheu, que apresentaria as inovações de ordem literária e estética pela qual a arte portuguesa estava passando, o que acabou culminando no Modernismo português em 1915.
Já na sua primeira edição a revista Orpheu trazia um artigo em que enfatizava as inovações estéticas trazidas pelos movimentos de vanguarda, sobretudo a corrente Futurista que pregava a valorização das máquinas e da velocidade em um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa e este juntamente com Mário de Sá-Carneiro, Luís Montalvor e José de Almada-Negreiros, compunha um grupo de artistas com bastante expressividade no cenário do Modernismo português.
Diante desse contexto, deve-se destacar Fernando Pessoa, poeta que com o seu gênio criativo inventou diversos “eus”. Fernando Pessoa deu vida a vários heterônimos, cada um com suas particularidades literárias. Dentre os heterônimos mais importantes de Fernando Pessoa estão: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

O QUE É UM HETERÔNIMO
Um Heterônimo é uma personagem fictícia, criada por escritores, como é o caso de Fernando Pessoa, cujo objetivo é dar vasão a diferentes formas de tentar descrever a as diversas perspectivas do mundo. Os três principais heterônimos de Fernando Pessoa são: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.

BIOGRAFIA RICARDO REIS

Para instrumento de análise da presente dissertação, destaca-se o heterônimo Ricardo Reis, nascido no Porto, no dia 19 de Setembro de 1887, foi educado em uma escola jesuítica. Ricardo Reis obteve educação greco-latina, formou-se em medicina, profissão que não exerceu, e expatriou-se, espontaneamente, para Brasil no ano de 1919, após a derrota da rebelião monarquista contra a república Portuguesa.
Em 1914, iniciou sua produção literária lançando mão da ode, como forma poética mais frequente. Fernando Pessoa não fixa uma data em especial para o falecimento de Ricardo Reis, ao contrário de seus demais heterônimos, todavia o escritor José Saramago define uma data em seu famoso livro “O ano da morte de Ricardo Reis”.

SOBRE A PRODUÇÃO POÉTICA DE RICARDO REIS

Inicialmente as obras de Ricardo Reis foram publicadas na revista Athena, no ano de 1924, revista esta fundada por Fernando Pessoa. Depois foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Ricardo Reis era discípulo de Alberto Caeiro, outro heterônimo de Fernando Pessoa, que se caracterizava pela serenidade e calma com que enxergava a existência, por isso, Ricardo Reis inspirado pela clareza, pelo equilíbrio e pela ordem do seu espírito clássico, procurava atingir a paz e o equilíbrio sem sofrimento.
Para o poeta Ricardo Reis a tranquilidade da alma deve ser alcançada por meio do aproveitamento da vida (carpe diem) através das coisas mais simples e de maneira tranquila, sem excessos, fazendo da vida no campo o seu ideal (fugere urbe), e ainda fugindo da dor e não temendo a morte, já que esta é a única certeza da vida. Ricardo Reis também apresenta conformismo e renúncia diante dos acontecimentos e não se esforça para mudar o que ele denomina de destino, sobre este tema ele fala no poema abaixo:

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

O eu poético neste poema aceita o destino de uma forma tranquila, sem tentativas de mudá-lo, não alimentando desejos ou esperanças, pois “Nada mais nos é dado”, também revela o seu conformismo diante do destino, não vale a pena desejar, não vale a pena ter esperanças, porque a nossa vida será apenas como foi programada e o melhor é aceitar isso com dignidade. Podemos inferir ainda, por meio da leitura da ode o modo como não cumprimos o que desejamos, ou seja, não conseguimos o que desejamos nem desejamos o que cumprimos. É o Destino que decide por nós, e nós apenas cumprimos a vontade do Destino.
Em se tratando de renúncia, destaquemos essa e outras temáticas na ode abaixo:

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Nesta ode, o eu poético vive a vida sem ilusões, não busca prazer na mesma, renunciando a tudo, de maneira nobre, fria e estática, renúncia esta vida que trará, posteriormente, a tranquilidade. O eu poético ainda cultua diversos deuses e o belo, herança dos gregos clássicos, bem como, procura fugir da dor, recomendado: vive só e deixa a dor nas aras como ex-votos aos deuses, quer estar só e deixar de sofrer. No que refere à estética, utiliza-se dos verbos no infinitivo, como se o eu poético quisesse demonstrar ensinamentos aos discípulos. No poema abaixo reconheçamos o conformismo na poesia de Ricardo Reis:

Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa conosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.

Segundo o eu poético, devemos viver o presente sem pensar ou recordar o passado, porque não podemos evitar que o tempo passe, pois todo o presente se converte rapidamente em passado e por isso é inútil conhecer e rejeitar a recordação do passado ou o autoconhecimento para se concentrar na perspectiva do ser como existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A poesia de Ricardo Reis tem muitas referências mitológias, com uma linguagem culta e precisa. O estilo neoclássico é influência, sobretudo, do poeta latino Horácio, com utilização frequente da ode. Ricardo Reis faz uso de um vocábulo culto e alatinado tendo como principal recurso estilistico o hipérbato. Emprego do gerúndio e do imperativo (ou conjuntivo com valor de imperativo) com carácter exortativo, ao serviço do tom sentencioso e do carácter moralista em sua produção poética.
A um só tempo, Ricardo Reis une epicurismo e estoicismo, faz um louvor da vida no campo através do fugere urbe, a exemplo dos poetas árcades. A poesia de Ricardo Reis é permeada de uma completa consciência da efemeridade da existência e da noção de que o destino é superior aos anseios da condição humana.


Referencial bibliográfico
CEREJA, William Riberto. Panorama da Literatura Portuguesa. 2ª ed. rev. amp.São Paulo: Atual, 1997.

De NICOLA, José. Língua, literatura e produção de textos. São Paulo: Scipione, 2009.

Disponivel em: acesso em 20/01/11

PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2003.

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