9/09/2020

Artigo: Um estudo de caso sobre a oferta de ensino na rede pública de ensino do estado do Amapá

 

INTRODUÇÃO

 


Este projeto de pesquisa é um importante instrumento de investigação que pretende, por meio dos métodos e técnicas de pesquisa, explorar o universo que rodeia a oferta do ensino religioso escolar no Estado do Amapá, mais precisamente na Escola Estadual José Bonifácio do Quilombo do Curiaú.

Explorar esse universo significa descobrir em quais bases se funda essa oferta e de que forma se desenvolvem as atividades pedagógicas relacionadas ao ensino religioso nas escolas públicas amapaenses. Voltando-se o olhar mais criterioso para a ameaça de doutrinação que, frequentemente, os estudiosos alertam acerca do respeito à liberdade religiosa no universo da pluralidade.

A investigação deste tema, sob o prisma da liberdade religiosa ganha solo fértil neste trabalho, sob as seguintes indagações: Quanto a liberdade de crença, o ensino religioso ofertado na Escola Estadual José Bonifácio tem garantido que todos os credos se sintam representados naquele espaço escolar? Os conteúdos trabalhados na escola ensejam o pluralismo e a diversidade religiosa?

Aparentemente, por se tratar de uma realidade específica, na qual se priorize o contato com as raízes ou heranças étnicas a laicidade preconizada pelo Estado brasileiro não seja considerada. Ao que tudo indica, quanto à liberdade de crença, o ensino religioso ofertado na Escola Estadual José Bonifácio, embora dê abertura para que todos os credos se sintam representados, enfatiza os elementos que remetam as tradições de matrizes afro-brasileiras. Quanto aos conteúdos trabalhados, igualmente ao que ocorre quanto a laicidade, estes priorizam o conhecimento acerca das raízes ou heranças étnico religiosas, porém não desprezam o conhecimento sobre as demais culturas religiosas.

As ramificações históricas estabelecidas pela instituição das constituições apontam para a negação dessa liberdade. Embora, alguns textos constitucionais trouxessem um discurso de neutralidade no universo religioso, na prática o Estado e a Igreja camuflavam sua inter-relação e acabavam interferindo diretamente no conteúdo que as escolas deveriam ministrar nas aulas das escolas públicas.

Os reflexos dessa interferência da igreja católica no estado e vice-versa e, posteriormente, dos evangélicos, ameaça até hoje, de forma contundente, o pleno desenvolvimento da liberdade e, consequentemente, do direito a diversidade religiosa, pois à medida que se abnega a expressividade de determinado grupo religioso, dá-se maior expressividade a outro e isso é um verdadeiro atentado ao direito fundamental da profissão de uma crença. 

O objetivo principal deste trabalho é investigar, sob a ótica do Estado Laico, de que forma é garantida a diversidade religiosa, enquanto um Direito fundamental, quando da oferta do ensino religioso escolar na Escola Estadual José Bonifácio. 

Para a obtenção do objetivo principal, busca-se especificamente realizar pesquisa bibliográfica tanto sobre os conteúdos historiográficos, as bases conceituais, das Constituições Federais ao longo dos anos e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ainda; inspecionar instrumentos de planejamento da aplicação da disciplina tanto em nível da Secretaria de Estado da Educação-SEED quanto àqueles aplicados na própria escola relacionados ao Ensino Religioso; aplicar entrevista envolvendo os diversos sujeitos que vivenciam a prática da disciplina Ensino Religioso na Escola Estadual José Bonifácio e SEED.

Os procedimentos metodológicos apontados para a consecução do objeto da pesquisa, os seguintes: 

1 – Realização de pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo que retratem de que forma se dá o processo de implementação do ensino religioso escolar enquadrando-o, de tal forma, que se possa compreender todo esse processo histórico experimentado, pelo Ensino Religioso, ao longo dos anos. 

2 - Valendo-se do método exploratório, pretende-se conhecer a realidade cultural em que estes saberes são desenvolvidos. Para o desenvolvimento da pesquisa de campo será aplicada a técnica de pesquisa entrevista por meio de questionários com perguntas semiestruturadas direcionadas aos técnicos do Núcleo de Ensino Religioso da Secretaria de Estado da Educação, a fim de se obter o resultado de que forma é pensada a prática educativa da disciplina ensino religiosa aplicável às escolas amapaenses. 

Os questionários dirigidos aos Técnicos da SEED, professor, diretora e coordenadores pedagógicos, obedecerão à técnica de observação sistemática, na qual, segundo Lakatos (2003, p.193) “o observador sabe o que procura e o que carece de importância em determinada situação; deve ser objetivo, reconhecer possíveis erros e eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe”. E por último, durante a fase final foi aplicada a pesquisa explicativa. 

O conteúdo do trabalho monográfico, em si será dividido em dois capítulos. 

O primeiro Capítulo analisa sob quais influências se firmou o Ensino Religioso na sociedade brasileira, para isso, destacar-se-á a atuação político-constitucional e o aspecto histórico, tendo como referência os principais alicerces religiosos que fundaram a sociedade brasileira e, consequentemente, a base para a educação. 

O segundo capítulo compõe-se pela pesquisa de campo envolvendo os atores ligados ao desenvolvimento do ensino religioso, tanto no que se refere ao planejamento quanto àqueles que vivenciam a prática pedagógica no dia-a-dia. Subdivide-se em duas seções. Na primeira serão analisadas as relações da Escola José Bonifácio e o espaço público. Na segunda seção será averiguada a relação da escola com a disciplina Ensino Religioso.  

Para a composição do apanhado histórico e político-constitucional tornou-se relevante o pensamento dos seguintes autores: Alexandre Brasil Fonseca que traz a conceituação de secularização e, consequentemente, o desenvolvimento do termo laicidade, defendendo a separação entre estado e igreja. 

Sérgio Rogério Junqueira e Edile Fracaro Rodrigues que traçam uma discussão acerca das polêmicas em torno da oferta da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas das diferentes unidades da Federação. Corroborando com esse posicionamento, Marília Domingos vem discutir acerca da oferta da disciplina ensino Religioso no currículo da escola fundamental brasileira. Ela alerta que pode parecer um contrassenso essa oferta, devido estar-se sob a égide do Estado Laico, porém aponta para a confusão que é feita com a associação do termo laicidade ao anticlericarismo ou mesmo ao ateísmo.

É também marcante a contribuição de Ricardo Mariano e Emerson Giumbelli. Este primeiro analisa os limites da laicidade à brasileira e foca a relação entre religião e política no Brasil, enquanto que o segundo traça uma definição histórica que toma por referência, universos sociais diversos, entre outros autores de grande relevância para este estudo.

 

CAPÍTULO I – A LIBERDADE RELIGIOSA: ENFOQUES CONCEITUAIS E O MODELO BRASILEIRO

A noção de Estado Laico decorre da ideia de retirada do controle e interferência do Estado quanto ao exercício da liberdade de consciência, crença e culto, seja no campo privado e/ou coletivo. No ideal do Estado Laico, há lugar para todas as formas de crer, indiscriminadamente. 

A liberdade de religião assume amplos contornos e encontra-se conectada a liberdade de consciência e a liberdade de expressão, pois a liberdade de crença é uma forma de liberdade de consciência e não há proteção completa à liberdade de religião.

Neste sentido, salienta Morais (2011, p.228) que: “a liberdade religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença e o seu culto”. Além disso, para ele: 

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres (MORAIS, 2011, p.228).

Na história das constituições brasileiras mostra de que forma foram tratadas as questões da laicidade e da liberdade religiosa no país ao longo do tempo. Desde a Constituição do Império em 1824 é possível se verificar que a liberdade religiosa recebia a vigilância do Estado brasileiro, e muitos desses reflexos persistem até os dias atuais. Essa associação entre Estado e Igreja Católica Apostólica Romana era estabelecida graças aos interesses em comum que ambos nutriam, durante o período colonial do Brasil. 

Com o tempo, novos contornos foram sendo implementados, diante das novas visões de mundo, atreladas a movimentos favoráveis e contrários a liberdade religiosa, novas formas de pensar foram sendo manifestadas, o que tem favorecido a expansão do pluralismo religioso, mesmo que ainda de forma tímida.

Partindo-se desse novo paradigma social que se inter-relaciona com os preceitos da liberdade humana e a necessidade espiritual do homem moderno (GOMES; SOUZA, 2013, p.04), se estrutura a expansão do pluralismo religioso que se dá em decorrência do secularismo e da laicização do Estado. 

SECULARIZAÇÃO, PLURALISMO E LAICIDADE E SUAS INFLUÊNCIAS

O termo secularização tem origem no latim saeculare, o que remete a ideia, dentro do Direito Canônico que demarca o abandono clerical da sua função religiosa (FONSECA, 2011, p.13). Com o passar do tempo, segundo Marramao (1997, apud FONSECA 2011, p.13) esse termo passou a ser utilizado em oposição ao religioso, embora também tenha sido associado a noção de tempo interminável.

A partir do século XIX, o pensador George Holyoake, passou a adotar o termo associado a um sistema de crenças baseado na razão e na ciência, em vez de refletir os problemas por meio de explicações sobrenaturais (FONSECA, 2011, p.13). Acrescenta ainda Stefano Martelli (1995, p.275), que essa postura repercutiu negativamente, pois “adquiriu o significado de subtração de direitos e bens religiosos e de emancipação da tutela e controle da igreja”, assumindo conotação contrária a ideia do que é religioso.

A tentativa de qualificar positivamente o termo ocorreu através da obra Morte de Deus, em que se afirmava ser boa para a religião a possibilidade de viver-se em uma sociedade secularizada. Mas, foi Harvey Cox (1968, p.1), segundo Fonseca, quem apresentou a “cidade secular”, em que defendia que “as forças da secularização não tem nenhum interesse sério em perseguir a religião”, e que esta apenas assumiria a esfera privativa. 

Para Weber (FONSECA, 2011, p.14), embora pouco tenha usado o termo secularização, este, em sua concepção, está associado à ideia jurídico-religiosa, impregnada pelo racionalismo e o consequente afastamento da magia como meio de salvação, fruto de uma Europa marcada pelo capitalismo emergente e suas leis de autorregularão do mercado. 

Considera Pierucci (1998, p.8) que, foi crucial nesse desenvolvimento da secularização, o fato de a igreja cristã e as leis sagradas terem se tornado cada vez mais nitidamente diferenciadas e separadas da jurisdição secular, pois segundo ele, esta específica separação de esferas normativas desobstruiu o caminho para a imposição de leis emanadas legitimamente apenas da autoridade secular.

Na obra Judaismo Antigo de Max Weber, segundo Fonseca (2011, p.15) considerada a primeira semente da secularização representa uma ruptura na influência exercida pelo sagrado no Estado e na vida cotidiana, através da Reforma Protestante.

Berger aponta serem três as características para o processo de secularização segundo FONSECA (2011, p.15), dentre elas: a afetação da vida cultura, ocasionado pelo declínio de conteúdos religiosos nas artes, filosofia, literatura e ciência; a criação de indivíduos que buscam respostas para seus problemas de mundo sem recorrer às interpretações religiosas, e; embora a religião seja um fenômeno global nas sociedades modernas, esta não é sinônimo de uniformidade.

Diferentemente de Fonseca, pondera Bruce (1996, p.26 apud FONSECA 2011, p. 26) que a secularização é um processo macro, e assim sendo, apresenta efeitos diretos incidentes na religião, entre eles: a) o menor envolvimento das pessoas com a igreja; b) menor abrangência e influência de suas instituições e por último; c) menor impacto de suas crenças.

Os desdobramentos da teoria da secularização, com o tempo, conforme salienta Fonseca (2011, p. 24) ganha novos paradigmas. Nestas novas abordagens é possível deparar-se com aqueles que são favoráveis e aqueles que são contrários a essa teoria, embora haja concordância de sua existência.

Ponto importante na evolução da secularização é demonstrado por Weber (2006, p.321 apud SILVEIRA; MORAES JUNIOR, 2015, p.158) sobre a racionalização da magia. Em sua concepção, esse comportamento está preso às regras da experiência, na perspectiva weberiana (SILVEIRA; MORAES JUNIOR, 2015, p.159), o desencadeamento de mundo chega a uma forma de desaparição progressiva da religião, na medida em que a racionalidade torna as crenças mágicas sem utilidade.

Afora a teoria da secularização, surgiu outro termo que repercute bastante na sociedade atualmente. Trata-se do Pluralismo, essa expressão foi utilizada primeiramente por Christian Wolff e Emmanuel Kant está relacionada a influência dos ideais Iluministas configurando-se em uma “doutrina sobre a plenitude de combinações de visões de mundo ao lado de um convite para a adoção de uma visão universal de uma cidadania mundial” (OIIS, 1999 apud FONSECA 2011, p. 37). O termo pluralis faz oposição ao monos, que foi entendido como a constatação empírica, que remete a um caráter tanto descritivo quanto analítico.

Segundo Fonseca (2011, p. 38), o pluralismo representa “conditio sine qua non” para se alcançar efetivamente a presença da liberdade de escolha do indivíduo. Beckford (1999, Apud FONSECA 2011, p. 38) destaca que se as pessoas não tem acesso às diferentes formas de pluralidade, então elas não têm efetivamente liberdade, e assim sendo não vivem a pluralidade. Propõe ainda, que o termo pluralismo seja utilizado no nível analítico, reservando o nível descritivo a diversidade.

Fonseca (2011, p. 39), se referindo a esse contexto religioso plural, é necessário se conceber a presença amplitude de crenças para além das religiões mundiais. Corroborando com esse entendimento, Champion (1999, Apud FONSECA 2011, p. 39) classifica esse movimento de pluralismo emancipador, ou seja, nele, o pluralismo é controlado pelas tradições religiosas mais fortes, para que posteriormente se transforme em um pluralismo de identidades.

Assim pondera Sanches (2010, p. 39 apud GOMES; SOUZA, p.04), “na sociedade moderna o grande passo para o pluralismo em geral foi justamente o processo de secularização entendido como ruptura do monopólio de interpretação possuído pela Igreja Católica Romana”. 

A pluralidade passou a ser uma das características da modernidade. Nessa perspectiva, cada pessoa faz uso da visão que melhor convém diante de problemas existentes no mundo (SANCHES, 2010, p. 39 apud GOMES; SOUZA, p.04). A pluralidade é a manifestação da riqueza do pensamento humano. É a aceitação da multiplicidade do pensar de pessoas ou grupo social que por sua vez tem a liberdade de expressar o que pensa. 

Atento a essa questão, Sanches (2010, p.41 apud GOMES; SOUZA, p.04), referindo-se a esse processo de transformação social afirma que: 

A ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo religioso, mas, sobretudo, altera as representações da realidade. O ser humano moderno, ao olhar o mundo, já não absolutiza a dimensão religiosa e, portanto, observa a realidade fora dos limites impostos pelo modelo religioso medieval. Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural (SANCHES, 2010, p. 39 apud GOMES; SOUZA, p.04).

Dentro de uma sociedade plural, destaca Fonseca (2011, p. 41) que diante de tantas opções, não há religião certa ou religião errada. Aponta que (STARK e BAINBRIDGE, 1987, p. 124 Apud FONSECA 2011, p. 41) “a chave para o crescimento destas novas está na capacidade de responder às necessidades das pessoas, oferecendo um ambiente de maior rigor, compromisso e “alta tensão” entre seus adeptos”.

A laicidade é um dos princípios dos Estados Modernos, como por exemplo o Brasil (DOMINGOS, 2009, p.157). No campo do estudo da laicidade é indispensável definir o conceito de “laicidade ou de Estado Laico”. 

Conforme expõe Domingos (2009, p.48) a palavra laicidade ganhou corpo no século XIX a partir do adjetivo laïc (leigo, aquele que não pertence ao clero). Esse termo deriva do grego laos, que significa povo. Este termo vai aparecer em 1871, e será associado ao ensino público francês e, seu surgimento será assinalado pelo Novo Dicionário de Pedagogia e de instrução primária, de autoria de Ferdinand Buisson (1911, apud DOMINGOS, 2009, p. 48).

Dessa primeira ideia, de separação entre Estado e Igreja, parte, para muitos pensadores, da frase bíblica “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, que partindo desse pressuposto, os filósofos, em especial, Descartes, Condorcet e Comte, já pressupõem a ideia de separação entre essas duas grandes instituições. Conforme descreve DOMINGOS (2009, p.48) essas ponderações foram objeto de discussão destes.

Diversas obras foram escritas sobre a temática da secularização, em uma delas intitulada “A Revanche de Deus”, de Gilles Kepel (1994, p.236 apud FONSECA 2011, p. 22) restringe a religião a esfera privada, embora em sua abordagem não se opunha diretamente à teoria da secularização. Destaca indicadores de disfunções da sociedade, objetivando por abaixo a organização jurídica da laicidade, que limita a expressão da identidade religiosa ao domínio privado. Segundo ele, o que se busca é instituir um sistema no qual a identidade consiga adquirir dimensões do direito público. 

Na obra “O discurso do método” Descartes (apud DOMINGOS, 2009, p.48) defendeu o posicionamento de que existem domínios que escapam à razão humana, as quais são inclinadas para onde a revelação não é contraditória às realidades racionais; a liberdade de pensamento deve ser respeitada e a interpretação dos textos sagrados é possível através da utilização da razão.

Condorcet faz distinção entre muitas ordens tidas como legítima e, muitas vezes, automáticas, em sociedade. Assim sendo, para ele, educação e ensino, se distinguem considerando a ordem da razão e a ordem dos valores. Aponta também a forma como a moral é concebida como uma ciência. Diante disto, entende que compete à família dar a educação e à escola promover o ensino ou instrução. Nesse entendimento é inconcebível a intervenção da Igreja em questões que competem ao Estado. Domingos (2009, p.48) afirma que Condorcet foi o primeiro a defender uma concepção laica de educação, em sua obra datada de 1791: “Cinco memórias sobre a instrução pública”. 

O conceito de Estado Laico é entendido como:

o Estado laico nasceu de um longo processo de laicização, de uma emancipação e construção progressiva, através de um afastamento dos dogmas, do clero e, sobretudo, do poder da Igreja Católica, ganhando vulto sob o influxo da Reforma Protestante, da filosofia de Rousseau, do Iluminismo (DOMINGOS, 2009, p.47).

Por outro lado, Comte em 1860 deu guarida aos liames progressistas e com isso propõs que a religião de um Deus transcendente seja substituída pela religião da humanidade (DOMINGOS, 2009, p. 48). 

Assim sendo, o Estado Laico surge como necessidade indispensável, para que várias sociedades, ideologias e crenças se desenvolvessem em meio a uma liberdade pacífica, onde os direitos individuais e coletivos sejam respeitados. 

De fato, segundo Domingos (2009, p. 47) o termo laicidade, tem origem grega que se refere aquilo que não é clerical, ou seja, aquilo que é próprio do mundo secular. O seu emprego é fruto da separação entre Estado e Igreja, onde esta é excluída do poder político e administrativo.

Dentro da ideia da laicidade, prevalece a condição de igualdade entre as religiões, o que implica em não favorecer pessoas ou grupos ligados a nenhuma religião (PIRES, 2015). No Estado Laico deve-se agir para garantir aos cidadãos a liberdade não apenas religiosa, mas também a liberdade filosófica. 

O laicismo defendido por Domingos (2008, p. 155-156 Apud JUNQUEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 50), não foi um movimento ou escola de pensamento, mas sim uma doutrina que proclama a laicidade absoluta das instituições sociopolíticas, culturais e educativas. De acordo com esse entendimento, o Estado não assumiria uma postura hostil tampouco favorável em face da religião, mas sim neutra e autônoma. Desta forma, a Igreja estaria excluída do exercício do poder político e administrativo e, principalmente da organização do ensino, deixando os indivíduos livres no aspecto religioso para professarem sua crença.

Neste sentido, o Estado dota-se de autonomia exclusiva para sua administração política soberana. Esse processo de poder deixa de ser legitimado pelo sagrado e passa a ser um poder constitucional (PIRES, 2015), em que o Estado passa a adotar como princípio fundamental a neutralidade quanto às questões religiosas. O que significa que este Estado, não pode discriminar, subvencionar, muito menos embaraçar o funcionamento de nenhuma denominação religiosa, além de que, a este é vedado o vínculo de dependência ou aliança com as instituições religiosas.

Um país ou nação pode ser considerado laico quando tem uma posição neutra no campo religioso. Isso significa (JUNQUEIRA; RODRIGUES, 2010, p.49), que a laicidade aqui expressa, não se define pela exclusão da religião da vida pública. Esse Estado tem como característica mais marcante o respeito a todas as formas de manifestação religiosa; o país não apoia nem se opõe a nenhuma religião e o tratamento dado quanto as questões religiosas é igualitário, por se entender que profissão de crença é um direito fundamental assim como a ausência dela.

 

AS CARACTERÍSTICAS DO CAMPO RELIGIOSO NO DECURSO HISTÓRICO BRASILEIRO

Os reflexos deixados pela associação entre a Igreja e a Coroa Portuguesa, foram capazes de construiu grande poder dentro da instituição católica que se manifestou inclusive pelo poder dado a coroa de nomear membros eclesiásticos do Padroado que foi fruto de compromisso firmado entre a Santa Sé e o Governo brasileiro (CIARALLO, 2010, p. 86). 

A vinda dos jesuítas ao Brasil teve o propósito de expandir a fé católica além-mar, vislumbrava-se disseminar as ideias europeu-católicas (BUNDCHEN, 2007 apud SILVA, 2013, P. 1), devido à ocorrência do movimento da Reforma Protestante no século XVI, na Europa. A Igreja Católica naquele momento perdia fiéis, por isso, viu-se pressionada a lançar-se na busca de descobertas de novas terras arriscando-se na possibilidade de ganho de novos membros. Com isso, conjugaram-se os interesses da Coroa em colonizar e da Igreja Católica de salvar almas e converter gentios, integrando-se ao mesmo tempo a tarefa colonizadora e a tornavam mais fácil, apresentando os colonizadores portugueses e agindo em nome de Deus (CIARALLO, 2010, p. 86).

No curso do processo histórico houve tentativas de dissociação entre Estado e Igreja por parte do Estado, enquanto que do lado da Igreja, a tentativa era de se manter vinculada ao poder junto ao Estado. Conseguiu, ao longo das constituições, influenciar simbolicamente, e até mesmo, vindo a legitimar-se como a Religião oficial do Brasil (SANTOS, 2009, p. 5). 

Diante disso, não é difícil de concluir que a sociedade da época sofria forte apelo, e uma interferência da Igreja Católica Apostólica Romana como religião oficial do império. Ao passo que aos seguidores das outras religiões o que se permitia era somente o culto doméstico. Santos (2009, p. 5) citando o art. 5º da Constituição do Império observa que era tal a referência aos preceitos católicos, que se chegava ao ponto do imperador ter o poder de mando na nomeação dos cargos eclesiásticos.

Devido às transformações que o mundo sofria houve a necessidade de separação entre o Estado e a Igreja (SANTOS, 2009, p. 5). Essa ruptura dos elementos religiosos permite que através das instituições políticas legitimadas pela vontade popular, em sua forma de governo essencialmente democrática, fossem adotadas medidas de separação do Estado com a Igreja.

Nessa nova conjuntura, não existe mais um monopólio religioso, e sim a abertura para um novo paradigma que valoriza a pluralidade religiosa e a liberdade do indivíduo que desde o período da colonial era monopólio do catolicismo. Segundo Andrade (2009, p.108) foi introduzido nas populações nativas princípios católicos, em que colonos e escravos assimilaram o catolicismo à sua maneira, com crenças e ritos peculiares, de origens diversas, indígenas e negras, assim como o colono português quinhentista com suas crenças remotas nas divindades pagãs.

Segundo afirma Fonseca (2011, 61), o catolicismo foi desde o período colonial o “cimento social” da sociedade brasileira. Pondera Mariano (2003, p.115) que, embora a situação pluralista e concorrencial no mundo ocidental estivesse ocorrendo, no Brasil, somente consolidou-se na segunda metade do século XX, mais de meio século depois da separação Igreja-Estado. O que propiciou (MARIANO, 2003, p.115) o fomento a lógica de mercado para as ações organizacionais, religiosas e proselitistas de vários grupos religiosos, principalmente das denominações pentecostais.

Pondera Oro (2011, p. 224), que durante todo o período colonial (1500-1822) e imperial (1822-1889), o catolicismo foi considerado a única religião legalmente aceita, não havendo liberdade religiosa em nosso país. Por aproximadamente quatrocentos anos, o Catolicismo foi a Religião Oficial, conforme destaca Mariano (2001, p. 127-128).

... o Estado regulou com mão de ferro o campo religioso: estabeleceu o catolicismo como religião oficial, concedeu-lhe o monopólio religioso, subvencionou-o, reprimiu as crenças e práticas religiosas de índios e escravos negros e impediu a entrada das religiões concorrentes, sobretudo a protestante, e seu livre exercício país (Mariano, 2001, p. 127-128 Apud ORO, 2011, p. 224).

Segundo Oro, a laicidade brasileira teve início com a Constituição de 1891, a partir da determinação da Constituição Republicana de que o Estado não estabeleceria nenhum tipo de relação ou aliança com instituições religiosas. Daí em diante houve avanços e retrocessos no processo de laicização do Estado.

Conforme assevera Mariano que (2003, p.114), no caso brasileiro, os elementos constitutivos e hegemônicos, da separação entre Igreja e Estado são “tipicamente capitalistas, racionais, burocratizados, dessacralizados”, pelo fato, “essa sociedade é”, continua, “moderna, e como moderna é profana; sua civilização é desencantada, não depende do sobrenatural. Suas instituições, seus governos, mercados, escolas, meios de comunicações, tudo é não-religioso”. 

Corroborando com esse entendimento, Fonseca (2011) demonstra que, apesar da realidade brasileira ser pautada no fundamento secular, a ação política da Igreja, os lobbies que promovem e as pressões efetivadas pela CNBB, mostram que o caminho entre a Igreja e o Estado não é tão livre como se poderia pensar, mesmo que se firme disfarçada dentro da mentalidade do Estado laico.

Oro (2011), destaca que mesmo depois desse processo, pode-se notar que a Igreja Católica ainda manteve lugar de destaque, atuou na arena pública ao mesmo tempo em que não deixou de ocupar poder político. Afora, em certos momentos históricos, a Igreja Católica recebeu tratamento privilegiado, mais do que às outras religiões, sobretudo as afro-brasileiras.

Acerca das religiões afro-brasileiras, pondera Custódio (2015) que a trajetória destas surge a partir da proibição e a imposição da religiosidade católica com a conversão forçada ao catolicismo, e esses por sua vez mantiveram uma dupla ligação religiosa, o que deu origem ao sincretismo religioso.

Acrescenta ainda o autor que para a sociedade branca dominante, as RMA (Religiões de Matrizes Africanas) sempre estiveram relacionadas com a feitiçaria e manifestações demoníacas, mais tarde, relacionadas as praticas criminosas e, finalmente como índices de patologias psíquicas.

Para Giumbelli (2008):

rompe-se com o arranjo que oficializava e mantinha a Igreja Católica; o ensino é declarado leigo, os registros civis deixam de ser eclesiásticos, o casamento torna-se civil, os cemitérios são secularizados; ao mesmo tempo, incorporam-se os princípios da liberdade religiosa e da igualdade dos grupos confessionais, o que daria legitimidade ao pluralismo espiritual (GIUMBELLI, 2008, p.80).

Enfatiza Beckfort (1999 Apud FONSECA 2011, p. 39) que a realidade brasileira é caracterizada pela denominada forma fraca de pluralismo, que segundo ele, não passa de uma concessão feita pelos poderosos aos fracos, e sempre sob a ameaça de que essa pode ser perdida pelo mais fraco a qualquer momento.

Considerando que o pluralismo é um fenômeno tardio, tanto no Brasil quanto na América Latina, Stark e Bainbridge (1987, p. 124 Apud FONSECA 2011, p. 43) destaca que a teoria da economia religiosa não entende ser a demanda individual o motivo desse crescimento. Aponta, no entanto, que a sociedade brasileira entra num novo momento do pluralismo, que é a busca pela identidade religiosa. 

Nessa nova perspectiva, a religião passa a ser motivo de escolha (PIERUCCI e PRANDI, 1997, p.273), ou seja, adequa-se a preferência e consequentemente a concorrência.

 

A Liberdade Religiosa no Período Colonial (1500 a 1830)

O Período Colonial (1500-1822) foi marcado pelo forte protagonismo da Igreja Católica. Segundo Ramos (2010), a origem do processo de ocupação territorial da Terra de Santa Cruz, serviu, de certa forma, as intenções da igreja católica. Conforme destaca Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2001): 

A religião dos descobridores foi trazida em suas caravelas para que as novas terras descobertas pudessem receber a benção de Deus e sua infinita proteção. Ao mesmo tempo, que esta proteção era invocada a Coroa Portuguesa utilizava a religião como um instrumento de suma importância para o projeto colonizador que veio a se desenvolver nas terras do novo mundo português. (MARY DEL PRIORE e RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001 apud OLIVEIRA, 2008, p.9)

Isso resultou na declaração do Catolicismo como religião oficial do Estado (FONSECA, 2011, p. 49). Durante boa parte do período colonial, de acordo com Ramos (2010), todo o não católico era considerado um inimigo em potencial da Igreja e a não aceitação da fé em cristo era considerada uma afronta direta ao poder do rei, transformando-se numa motivação que incentivou, dentre outros fatores, o extermínio dos indígenas, vistos como pagãos e infiéis (RAMOS, 2010).

Azevedo (1976 Apud MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2008, p.185) divide a atuação jesuítica na Colônia brasileira em duas fases distintas, em que: na primeira fase, a atuação dos padres jesuítas pautou-se na adaptação e construção de seu trabalho de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; enquanto que na segunda fase, a atuação dos jesuítas, firmou-se em promover um grande desenvolvimento e extensão do sistema educacional.

Ações do Padroado

Aponta Oliveira (2008, p.9) que “a chegada do Evangelho nas terras do novo mundo marcou o inicio de um novo tempo, ou melhor, marcou de fato o inicio do projeto de colonização”. Dá-se ênfase, nesse período, a ação dos primeiros padres católicos, que se utilizavam da “santa palavra” do Evangelho os portugueses iniciaram uma relação de intensa exploração nas novas terras (OLIVEIRA, 2008, p.9). 

Após 1530, segundo demonstra Oliveira (2008, p.9), se intensifica o processo de colonização e consequentemente a fé católica. O autor destaca ainda, que o movimento colonizador não detinha simplesmente os objetivos mercantilistas, mas também motivos religiosos. Conforme se vê (MARY DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001 Apud OLIVEIRA, 2008, p.9):

A religião era uma forma de identidade, de inserção no mundo. A colonização das almas indígenas não se deu apenas porque o nativo era potencial para a força de trabalho a ser explorada, mas, também, porque os índios não tinham “conhecimento algum do seu criador, nem de coisas do céu”. Isso foi fundamental para dar uma característica de missão à presença de homens da Igreja na América portuguesa (MARY DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001 Apud OLIVEIRA, 2008, p.9).

O trabalho realizado pelos Padres Jesuítas ficou conhecido como Padroado, que passou a exercer, primeiramente, seu poder privilegiando a assistência religiosa aos colonos brancos e as práticas da catequese dos nativos (OLIVEIRA, 2008, p.10). 

O Padroado brasileiro tem suas origens no padroado português, e as origens históricas do padroado remontam ao século IV, e foi criado através de um tratado entre a Igreja Católica e os reinos de Portugal e de Espanha. Nas palavras de Eduardo Hoornaert (1979, p. 163 APUD OLIVEIRA, 2008, p.11): 

O direito do padroado dos reis de Portugal só pode ser entendido dentro de todo o contexto da história medieval. Na realidade, não se trata de uma usurpação dos monarcas portugueses de atribuições religiosas da Igreja, mas de uma forma típica de compromisso entre a Igreja de Roma e o governo de Portugal. Unindo os direitos políticos da realeza os títulos de grão-mestre de ordens religiosas, os monarcas portugueses passaram a exercer ao mesmo tempo o governo civil e religioso, principalmente nas colônias e domínios de Portugal (HOORNAERT 1979, p. 163 apud OLIVEIRA, 2008, p.11).  

As relações de poder existentes naquele período somente podem ser compreendidas, segundo Lima (2001. p. 115, apud OLIVEIRA, 2008, p.11), mediante entendimento do Padroado, pois a Santa Sé era consciente da situação que incorria sobre a Igreja no Brasil e enviou os religiosos em missão evangelizadora.

Essa representação acaba por impor valores pertencentes a determinados grupos religiosos como alcance geral, que acabam por agredir ou anular indivíduos que professassem fé diferente daquela, por tamanho ser o poder do padroado, o que o fez resistir para além do período colonial (CIARALLO, 2010, p. 86). 

Além da assistência religiosa aos colonos e da catequese aos nativos, o padroado estendeu sua influência na esfera pública administrativa (FONSECA, 2011, p. 49), inclusive decidindo que podia e quem não poderia exercer cargo público no governo. Nessa avaliação feita pelo Padroado, um dos critérios de inserção nos cargos era o juramento de que era católico. Além disso, o mesmo juramento era exigido, para exercer cargo de deputado ou senador, segundo Barros (1995, p.330 apud Fonseca, 2011, p.49). 

A origem de grande parte dos povoados brasileiros dava-se em torno de um templo religioso, o que fazia da Igreja a primeira representante do poder público a fazer-se presente nas localidades mais distantes (SOUZA, 2008, p.128). O padre era visto como a primeira autoridade capaz de mobilizar politicamente o povo e por isso acabava por assumir funções que extrapolavam as tarefas de natureza religiosa, preenchendo posições significativas dentro do Estado. 

Ainda, nas palavras de Souza (2008, p.128) a igreja era o centro da vida social em que a religiosidade se encontrava indissociável da vida quotidiana. As festas do calendário litúrgico, as procissões, as cerimónias religiosas que marcavam a vida do cristão, as missas, as confissões e os cânticos, bem como as práticas de caridade cristã, pautavam a vida dos colonos. Instala-se, portanto, nesse período, uma relação mais afinada entre Igreja e Estado. 

A relação entre a Santa Sé e o governo luso estreitou muito após o Concílio de Trento (1545 - 1563), que iniciou o processo da Contra Reforma, que segundo Hoornaert (1979, p. 135-6 Apud ROSADA, 2010, p.23) moldaria inevitavelmente o Brasil conforme a carta ideológica e simbólica desse credo. O autor destaca ainda, que, existiam dois motivos principais, para isso: a forte fé católica dos portugueses e a intrincada relação da Igreja Romana com o governo português.

Era comum, a presença do clero ainda se envolvendo com vários problemas de natureza judiciária: atuava na resolução de desavenças, testemunhava, controlava o movimento migratório interno anotando os domicilianos nas paróquias, registrava doação, compra e venda de propriedades (SOUZA, 2008, p.129).

Reformas Pombalinas na Educação

Por volta de 1750, conforme salienta Maciel; Shigunov Neto (2006) a política e a administração portuguesa conheceram grandes mudanças, que perduraram por vinte e sete anos. Trata-se do poder exercido por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, ministro de Estado de D. José I. As principais ações de Marquês de Pombal eram influenciadas pelo Iluminismo, e por meio delas (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006), inicia uma profunda reforma educacional, no sentido de transformar a metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e laica. 

Para Teixeira Soares (1961 Apud MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2008, p.184), as reformas elaboradas pelo Marquês de Pombal, em seu mandato como Ministro, visavam transformar e adaptar a coroa e posteriormente a colônia aos movimentos sociais, econômicos e políticos que estavam ocorrendo na Europa do século XVIII. Porém, conforme salienta Fonseca (2011, 61), a Companhia de Jesus (ordem religiosa fundada em 1534 liderados por Inácio de Loyola) desagradavam Pombal por usufruírem de isenções fiscais, além do fato de encontrarem oposição inclusive dentro da própria Igreja.

Expulsão dos Jesuítas

Em 1759, por meio do Decreto-lei de 3 de setembro de 1759 promulgado pelo Rei D. José I, a Companhia de Jesus teve suas atividades suspensas na Colônia brasileira a partir de então, além disso, confiscava para a Coroa Portuguesa todos os seus bens materiais e financeiros. Segundo Maciel; Shigunov Neto (2008, p.187), quando foi assinado o Decreto pelo Marquês de Pombal, havia no Brasil 670 membros da Companhia de Jesus, posteriormente, permaneceram no Brasil 253 membros, entre aqueles que ainda não haviam recebido ordens ou os noviços que foram induzidos a deixarem a ordem religiosa.

O processo de expulsão dos jesuítas e de implantação das reformas Pombalinas, conforme salienta Maciel; Shigunov Neto (2008, p.187), apresentam como característica marcante a total destruição e substituição das antigas propostas pelas novas. Dessa forma, as reformas educacionais propostas na organização escolar brasileira utilizam-se da destruição e negação do que estava posto e introjetam novo paradigma.

Além das reformas educacionais, tornou-se marcante, nesse período, a divisão dos grupos dos padres políticos, que Souza (2008, p.130) convencionou chamar de “católicos liberais” e de “católicos conservadores”. 

Estes grupos tinham, em padre Antônio Diogo Feijó e em Dom Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, suas respectivas lideranças (SOUZA 2008, p.130). Feijó pode ser compreendido como fruto de uma elite política e religiosa que, embora muito próxima do Estado, não se prendia unicamente aos interesses deste, ao contrário, tinha sua compreensão do mundo e da política pautadas, dentre outras coisas, por suas convicções religiosas.

A primeira menção feita à liberdade religiosa, mesmo que de maneira tímida, ocorreu logo no primeiro texto constitucional, conhecido como a Constituição do Império (BRASIL, 1824, Art. 5º), seu texto foi considerado conturbado, pois ensejava tentativa de que fossem respeitados os direitos individuais, o que de certa forma, delimitava os poderes do imperador, ao mesmo tempo em que trazia em seu bojo a proteção da Santíssima Trindade acerca dos entendimentos constitucionais. 

No entanto, já em seu art. 5º dizia: 

“A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo” (BRASIL, 1824). 

Esse trecho do texto constitucional deixa clara a íntima relação de interdependência até então existente entre as duas instituições.

No Brasil colonial, como se vê, a liberdade religiosa inexiste, conforme afirma Silva (2006, p.243): “[...] as demais religiões eram apenas toleradas [...]”, o mesmo autor em outra obra (2001, p. 254) afirma que, em verdade, não houve no Brasil colônia a liberdade religiosa. Nesse período, as outras denominações religiosas, a exemplo dos protestantes (MANDELI, 2008, p.64), enfrentavam muitas dificuldades quanto a realização do casamento civil, garantia dos direitos políticos plenos, acesso a educação e utilização dos cemitérios, pois nos cemitérios oficiais só poderiam ser enterrados católicos.

A importância, mesmo que limitada, dessa constituição para o desenvolvimento da liberdade religiosa no Brasil ainda é destaca por Mariano (2002, p.130), ao registrar que “por mais precária e limitada que fosse a liberdade religiosa estabelecida na constituição de 1824, não há como negar que ela possibilitou o ingresso e a difusão de novos grupos religiosos no Brasil (...) e, com isso, provocou as primeiras fissuras no secular monopólio católico”.

Vieira (2013) ilustra a precariedade da liberdade religiosa, citando Eça de Queiroz (1979, p. 109) quando afirma que: “... o protestantismo não é ali respeitado como um direito sagrado de consciência, mas é suportado como um dos males que trás a necessidade de braços.”, fazendo referência a realidade colonial brasileira.

Na constituição de 1824, em seu art. 91, era comum esse relacionamento, pois somente teria direito a voto, os cidadãos brasileiros, que estavam no gozo de seus direitos políticos, e os estrangeiros naturalizados. No mesmo sentido completa o art. 94:

Podem ser eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Província todos, os que podem votar na Assembléia Parochial. Exceptuam-se: I - os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil reis (...); II - os Libertos; III - os criminosos (...)(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p.641). 

A Carta de 1824 impedia o casamento entre não católicos, sem direito a união civil, consequentemente estes indivíduos eram marginalizados de uma série de outros direitos concedidos normalmente aos que se estabeleciam junto à religião do Estado. Sobre isso assim se posiciona Tavares Bastos (1976, pág. 94): Por amor da imigração protestamos contra a política contraditória que repudia uma das mais nobres conquistas da liberdade moderna, o contrato civil do matrimônio.

Conforme se observa, o texto constitucional de 1824, no art. 91 excluía de votar nas assembleias paroquiais, menores de vinte e cinco anos, exceto os casados, os Oficiais Militares maiores de vinte e um anos e os clérigos; os filhos-famílias, os criados de servir, os religiosos e os que não tiverem renda líquida anual de cem mil réis. (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p.641)

No mesmo sentido, ainda previa no art. 95 (BRASIL, 1824 apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p.641), que: 

Todos os que podem ser eleitores, são hábeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se: I - os que tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida (...); II - os estrangeiros naturalizados; III - os que não professarem a Religião do Estado (BRASIL, 1824 apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p.641). 

Como se vê, caso o concorrente a deputado não fosse católico, esse não seria nomeado, por ser contrário aquilo que preconizava a Constituição do Império, sendo o poder político completamente condicionado pela Igreja Católica Apostólica Romana (PIRES, 2015). 

A relação existente entre Igreja e Estado Português, que se consolidou com o decorrer do tempo, desde a Chamada Reconquista da Península Ibérica. Porém, é durante o período denominado Grandes Navegações que esse elo se estreita ainda mais (MOLEDO JÚNIOR, 2008), quando os portugueses iniciam o processo de colonização no Brasil, cujo nome inicial trará a marca da religiosidade católica arraigada no seio da sociedade portuguesa (FAUSTO, 2011): Terra de Santa Cruz. Essa colonização contará com o apoio do clero católico, presente desde o momento da chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral.

Esse modelo de aliança será transplantado na América Portuguesa pelo modelo do Padroado Régio: a Igreja tornava-se departamento do Estado português, isto é, a própria Coroa Portuguesa era a responsável por fundar paróquias, construir igrejas, organizar as missões, além de pagar os salários dos religiosos. Dessa forma, o clero acabava por se tornar submisso ao Estado, uma vez que na colônia, este era quem organizava a disposição dos padres e bispos pelo território, dividindo inclusive as áreas de missão entre as ordens religiosas (ORO, 2006).

Essa inter-relação entre Estado e Igreja perdurou, alcançou em profundidade a estrutura social e religiosa latino-americana, em especial a brasileira. Isso possibilitou, no caso brasileiro, tanto no passado como atualmente, conforme demonstra Fonseca (2011, p.43) que: “O suporte econômico por parte do governo em relação a instituições e organizações católicas mina o bom funcionamento do mercado religioso, por conter um concorrente que conta com subsídios depois de séculos de monopólio”. Ainda, de acordo com o autor, essa interdependência ocasionou aquilo que ele chama de “inércia cultural” decorrente do demorado processo de aceitação das novas empresas religiosas.

 

A Liberdade Religiosa no Brasil Império (1831 a 1889)

O período denominado Brasil Império foi caracterizado por uma série de agitações políticas e sociais. Em 1834, com a proclamação do Ato Adicional, que transformava a Regência Trina em Uma (SOUSA, 1957), pode-se afirmar que Diogo Antônio Feijó foi eleito pela Assembleia Geral Regente do Império, tornando-se o primeiro chefe do Poder Executivo eleito na história do Brasil, o cargo aproximava-se do atual cargo de Presidente da República. Em 12 de outubro de 1835 foi empossado. 

Como tentativa de conter os ânimos e consequentemente retirar o caráter transitório do regime regencial, conforme demonstra Zichia (2015) cogitou-se a antecipação da maioridade de D. Pedro de Alcântara, até então com quinze anos, uma vez que esse era impedido constitucionalmente de exercer sua autoridade. 

Essa manobra consumou-se em junho de 1840 (ZICHIA, 2015) com a aprovação da Câmara, D. Pedro de Alcântara tornou-se o Imperador D. Pedro II, esse ato ficou conhecido como o “Golpe da Maioridade”. 

Após essa manobra, ressalta Zichia (2015), que “as disputas tornaram-se sangrentas e o partido do governo utilizava-se de trocas dos presidentes de províncias, substituições judiciais e policiais, para controlar o país”. Essa foi segundo a autora a tônica desse período. 

Porém Zichia (2015) destaca três pontos importantes desse período. O primeiro deles diz respeito a questão da escravidão, que se intensificou por meio do tráfico negreiro em decorrência da cultura cafeeira tornar-se o centro da economia. Dessa forma, a medida que a economia do café se intensificava, o mesmo ocorria com o tráfico negreiro. No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo, salienta a autora, foram sendo criadas as pressões para o fim da escravidão.

O segundo ponto relaciona-se a “Questão Religiosa”, pelo fato da declaração constitucional da Religião Católica como religião oficial do Brasil, o que submetia o Estado ao Regime do Padroado. O destaque, segundo Zichia (2015, p.67), ficou por conta da chegada de uma bula que “condenava a maçonaria e interditava padres infiéis que nela permanecessem”. As determinações da bula não foram obedecidas em decorrência da numerosa quantidade de católicos filiados a maçonaria. Devido às pressões, D. Pedro II anulou essas suspensões.  

A tônica dos movimentos maçons invadiu o Brasil no início do século XIX, que embebidos pelos ideais iluministas, período colonial e início do império, tornaram-se de grande importância para os primeiros passos rumo a liberdade religiosa. Conforme destaca Cordeiro (2008, p. 22) sempre esteve presente nos fatos histórico-políticos da época, mesmo sofrendo muitos ataques por parte da Coroa, já sopravam em direção a certa liberdade de pensamento.

O terceiro ponto destacado se refere a “Questão Militar” e por ultimo a Educação, cuja ideia era que fosse garantida a todos os cidadãos, assim como a gratuidade da instrução primária. Quanto a liberdade religiosa, reforça-se as palavras de Silva (2006, p.243): “[...] as demais religiões eram apenas toleradas [...]” esta foi praticamente inexistente, repercutindo a influência católica.

Durante o final do vigor da Constituição do Império e início da Constituição da Velha República, ocorreu na Europa, mais precisamente na chamada península itálica, no período de 1861 a 1929, a denominada “Questão Romana”. Trata-se, segundo Rosa (2011) de disputa territorial, em torno da unificação política da península, formada pelos estados pontifícios, os quais tinham sido doados a Igreja Católica por Pepino, o Breve, e que em 1861 foram tomados pelos italianos, porém restou fora da anexação Roma que somente foi juntada em 1871, a qual passou a ser a capital do reino da Itália, com isso a igreja perdia território e poder político-religioso, funcionando apenas como um hóspede, uma vez que os governos italianos em sua maioria eram anticlericais. 

Não satisfeito com a perda o Papa Pio IX declarou-se prisioneiro do governo italiano em 1870, tal comportamento foi imitado pelos seus sucessores, assim iniciou a Questão Romana (ROSA, 2011).

Esse conflito entre o Reino da Itália e a Igreja somente foi resolvido definitivamente em 1929, quando Benito Mussolini, por meio do Tratado de Latrão, reconheceu a personalidade jurídica internacional da Santa Sé com a criação do Estado da Cidade do Vaticano, porém esse reconhecimento não representou um retorno da Santa Sé ao Poder Temporal tal qual ocorria com os Estados Pontifícios (ROSA, 2011).

As pressões empreendidas pela Igreja Católica, segundo Santos (2010) se dão, principalmente, em virtude da situação concorrencial instalada em boa parte do mundo. Ressalta que no Brasil o protestantismo esteve ligado às grandes transformações políticas e sociais ocorridas. Conforme demonstra ainda, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil no fim do período colonial marca o fim da dominação religiosa exclusivamente católica romana abrindo o Brasil à chegada dos protestantes. 

Segundo Santos (2010), em 28 de janeiro de 1808, com a assinatura do Edito Real, deu-se a abertura dos seus portos para “as nações amigas”, entenda-se a Inglaterra, em troca da proteção dos navios ingleses e de benefícios financeiros, sendo dessa forma introduzido no comércio internacional, controlado predominantemente por países protestantes.

 

A Liberdade Religiosa durante a República Velha (1889 a 1930)

O período chamado de República Velha (1889 - 1930) foi marcado pela separação entre Estado e Igreja. Aliança que perdurou até o início do século XIX (FERREIRA, 2013), pois, a partir de então, cresciam as críticas acerca dessa relação. Esse movimento partia, segundo a autora, da busca dos protestantes em conquistar a plena legalidade e liberdade religiosa no Brasil. 

Já em 1860, por meio do Decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890 (BRASIL, 1890 apud PIRES, 2015), que estabeleceu a separação entre Estado e Igreja, com a extinção do padroado. Influenciado pelos ideais liberais e positivistas, o texto constitucional de 1891 consagrou a separação entre as duas instituições, ao mesmo tempo em que estabeleceu: a plena liberdade de culto, o casamento civil obrigatório, a secularização dos cemitérios e da educação. 

O Ensino religioso escolar foi omitido do texto constitucional republicano (BALEEIRO, 2001 apud FERREIRA, 2013), o que colocou a Igreja Católica em posição de igualdade com as demais denominações religiosas. Conforme o art. 72º, § 3º a 7º, da CF de 1891(BRASIL, 1891):

“§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observados as disposições do direito comum.

§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.

§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou dos Estados”(BRASIL, 1891).

Estaria, portanto instituído o Estado laico, em que o catolicismo deixava de ser a religião oficial do Brasil na chamada República Velha.

Nessa época, salienta Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 213), havia liberdade de crença sem liberdade de culto. Segundo ele, nessa época, o único culto admissível era o católico.

Rui Barbosa teve um papel fundamental no processo de separação entre as Igrejas e o Estado e também na promoção da liberdade religiosa, conduzindo o tratamento à temática de forma a evitar confrontos o que foi refletido naquele diploma republicano, como afastamento do Estado em face da questão religiosa (GUEDES SORIANO 2002, p. 73 apud SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015, p.471).

Diante desse cenário, eis que surge a figura de Dom Sebastião Leme, em 1920, no Rio de Janeiro, como arcebispo auxiliar do cardeal Arcoverde, desponta como liderança do Episcopado, cujo desafio era fazer emergir a recristianização no Brasil (BALDIN, 2009, p.02). 

Esse retorno da Igreja Católica, por meio de Dom Sebastião Leme, ao cenário político simbolizou expressiva liderança ao ponto de fazer convergir para si liberais e ultramontanos, seu domínio foi capaz de transformar os discursos católicos em prática (GABAGLIA, 1962 p. 61 apud BALDIN, 2009, p.02). 

Conforme acrescenta BLACKBURN(1992 apud BALDIN, 2009, p.02), a ação de Dom Leme, representou forte articulação, no sentido de recriar um catolicismo presente em todos os poros da sociedade brasileira, sob o intento de empreender uma forte presença nas massas para ganhar a adesão do Estado. 

O catolicismo difundido por Dom Leme é conservador, reacionário e também predador, pois busca assumir todos os espaços lacunares de anos de padroado, pois este, seguindo orientação, Dom Leme pensava que era urgente impregnar, irradiar de religiosidade, símbolos e imagens católicos os cultos, as festas, as instituições, as escolas, a imprensa, as forças armadas, etc. (ROMUALDO DIAS 1996, p. 54 apud BALDIN, 2009, p.03), a qual se estenderia por toda a Era Vargas.

 

A Liberdade Religiosa durante a Era Vargas (1930 a 1937)

A Era Vargas, período compreendido de 1930 a 1937, foi marcado, conforme destaca Zeferino (2015), pela ascensão de Getúlio Vargas ao poder mediante a revolução de 1930. Além disso, caracteriza-se pela vinda à tona da Constituição de 1934, marcada pelo tom nacionalizante e com importantes avanços nas questões trabalhistas e reforçando a liberdade dos cidadãos. 

Esta constituição apresenta um retrocesso no que se refere a liberdade religiosa, por conter a volta da menção de Deus em seu preâmbulo (REIMER, 2013 apud Zeferino 2015). Sobre a liberdade religiosa, assim declara o texto: 

É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil (REIMER, 2013, p. 60, apud ZEFERINO 2015).

No entanto, pelo menos uma inovação pode ser percebida, segundo Zeferino (2015), o culto está ligado ao crer, enquanto expressão da fé. E o culto e demais expressões religiosas é também visto sob o prisma da liberdade do cidadão. Contudo, religiões de matriz africana, por sua forma de culto, muitas vezes incorreram em caso de polícia por não se adequarem ao conceito de ordem pública e até bons costumes, estes também não tinham o direito de se tornarem pessoas jurídicas, poderiam ser apenas sociedade recreativas. Zeferino (2015) ainda destaca que nesse período surge a possibilidade das igrejas se apresentarem diante da lei enquanto personalidades jurídicas. 

Tem-se como referência do período o trabalho de Dom Leme não apenas contenta-se em catolicizar o espaço político, mas perenizá-lo como um novo tempo histórico, diante da Ação Católica (1929) de Pio XI (DIAS, 1996 p.117 apud BALDIN, 2009, p.03).

Tanta foi a influência exercida pela Igreja Católica, nesse período, que Getúlio Vargas, para não perder popularidade, se vê forçado a prestigia-la atribuindo-lhe o papel de “Plasmadora da nacionalidade brasileira”. Forte demonstração desse prestígio fica evidente, diante do comunismo, padre Rossi sugeria até a confecção de um livro didático no qual ficasse explícita a participação da Igreja na história do Brasil, sob a alegação de que o comunismo destruiria a família, a pátria, a fé, traços representativos da tradição histórica do mundo católico, e, portanto, tudo o que fosse contra o Estado seria contra a Igreja (AZZI, 1980 p. 60 apud BALDIN, 2009, p.03).

Os desdobramentos da Ação Católica foram movimentos também chamados de Pastorais, tais como a JAC (Juventude Agraria Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JFC (Juventude Feminina Católica) e a JIC (Juventude independente Católica) que reuniu os militantes não pertencentes às áreas sociais das demais organizações. A JUC (Juventude Universitária Católica), esta última era um braço leigo da estrutura da Igreja, submetido às suas regras. Tinha, em sua origem, um perfil conservador e clerical, seu objetivo era cristianizar a futura elite do país. 

No entanto, foi no início da década de 1960 que ocorreu a ascensão da JUC no movimento estudantil, por ocasião do seu congresso de 10 anos, traduziu-se na conquista do comando da UNE. Nesse momento, aliou-se com estudantes do PCB. A JUC funcionou como o tronco principal no processo de origem da AP (Ação Popular) que teve entre seus fundadores e militantes, Herbert de Souza, o Betinho, a figura mais representativa, no Brasil. Desde os anos 60, controlava 65% dos diretórios acadêmicos. A partir de 1961, elegera, sucessivamente, Aldo Arantes, Vinícius Caldeira Brandt e José Serra para presidentes da UNE, apoiada pelo PORT e pelo PCB. Preparavam a juventude para a "Revolução Brasileira". 

ela vivenciou uma fase de estimulantes experiências pastorais que levou a instituição eclesiástica a se envolver com os mais variados setores, segmentos e classes sociais que surgiram com o processo de modernização social.

Durante a cerimônia de inauguração do monumento ao Cristo Redentor, em seu discurso de encerramento, Dom Leme afirma categoricamente: “Ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o Estado.” (AZZI, 1978 p.64 apud BALDIN, 2009, p.05-06), esse discurso trazia a tônica de enquadrar o Estado à causa da restauração católica. O principal objetivo de Dom Leme era transformar o catolicismo no tutor da pátria em função do qual tudo teria de se subordinar, inclusive o próprio tempo secular.

Como mecanismo de frear a influência deliberada de Dom Leme, Vargas (BALDIN, 2009, p.07) usa todo o seu carisma e poder, agindo, inclusive de forma pessoal e autoritária, para readquirir o poder. A exemplo disso, vemos em Baldin (2009, p.07): 

...Dom Leme é forçado a antecipar sua volta de Roma, onde recebera o chapéu cardinalício, para mediar os conflitos envolvendo o Presidente Washington Luís; lança a ação católica, um movimento para arrebanhar os leigos de todas as partes do país; Artur Bernardes havia convidado Dom Leme para o cargo de senador; cria a LEC como força motriz católica nas eleições; não assina lista de solidariedade à revolta de São Paulo em 1932; Vargas saúda imagem de Nossa Senhora junto com ministros, diplomatas e militares; funda instituto católico de estudos superiores; cria a Confederação dos Operários Católicos; voto das mulheres como sufrágio universal; intervenções sobre ensino público etc. (BALDIN, 2009, p.07).

No entanto, mesmo Vargas agindo (BALDIN 2009, p.07), Dom Leme não entra em confronto com ele, e embora as ações fossem sutis, se mantém, muitas vezes, acima do que queria Vargas, este acostumado a transformar anônimos em atores políticos. No entanto, mesmo ausente sua influência persiste durante toda a chamada Era Vargas.

Enquanto enfrentamento a repressão empreendida, na época, conforme salienta Oliveira (2014), a Igreja Católica, desde 1934, passa a atuar politicamente através da Liga Eleitoral Católica (LEC), que s apropria de sua capacidade de mobilizar os operários e passa a colaborar na montagem do Projeto Sindicalista, ao mesmo tempo em que recomendava ao eleitorado católico brasileiro a votar nos candidatos comprometidos com os interesses da Igreja.

Oliveira (2014) destaca que no Ceará a LEC passou a utilizar todos os aparatos institucionais da Igreja Católica na tentativa de orientar o eleitorado católico, que se utilizava dos meios de comunicação e do contundente sermão de muitos padres nas diversas paróquias no nordeste. Conforme se apreende em SOUZA (1995, p.336-337 apud Oliveira, 2014):

Através da imprensa católica (Jornal O Nordeste) a intelectualidade católica cearense participa deste amplo movimento de mobilização da sociedade civil cearense, veiculando um discurso político-religioso que contribui para fortalecer a presença da Igreja Católica nas escolas, faculdades, movimentos culturais, etc. Em 1933, esta intelectualidade, seguindo as pegadas de Jackson de Figueiredo (líder católico conservador que morreu em 1828), funda em Fortaleza o congênere do centro Dom Vital do Rio de Janeiro. No centro Dom Vital o intelectual católico irá aprofundar-se nos estudos da Doutrina Católica e, como trabalho futuro, deverá transmitir às massas estes ensinamentos. (SOUZA, 1995: 336-337).

Ainda, por volta de 1934, a Igreja Católica, em meio ao movimento de tentativa de retomada do seu posto de religião oficial do Império, sinalizou (KOWALIK, 2009, p. 3 apud SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015, p.474), essa retomada pautando-se em cinco significativas alterações no texto constitucional. Dentre elas: 1ª - o próprio preâmbulo constitucional mencionava a confiança em Deus para a promulgação daquele texto; 2ª - trouxe cláusula aposta ao texto de vedação de subvenção oficial aos cultos e a aliança ou dependência, no entanto, estabeleceu uma ressalva, no sentido de admitir no Brasil a cooperação entre Estado e igrejas; 3ª - reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso; 4ª - permitiu a assistência religiosa em instituições públicas de internamento coletivo, como hospitais, penitenciárias e instituições militares; e, 5ª - O ensino religioso foi incluído no currículo escolar, porém de frequência facultativa e seu conteúdo poderia ser regido pelas confissões religiosas dos pais dos alunos (ZEFERINO, 2015). 

A reintrodução do ensino religioso, conforme mostra Oliveira; Ferreira (2015, p.80), representou importante instrumento de mobilização das massas através da educação. Por conta disso, diante da ameaça laicista, houve forte incentivo aos professores católicos para que cursassem o curso normal e posteriormente prestassem concurso público, para assim pudessem recatolizar a cultura escolar republicana laica.

A alteração acerca da oferta do ensino religioso provocou forte oposição dos protestantes, maçons, espíritas e da imprensa (SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015, p.475). Mesmo com toda a pressão feita pelas diversas denominações religiosas, Getúlio Vargas permitiu o ensino religioso nas escolas mediante um decreto de abril de 1930.

Segundo Lenza (2010, p. 101-102) a religião católica foi mantida como a religião quase-oficial, "O país continua leigo, laico ou confessional, sendo inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantindo o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham na ordem pública e aos bons costumes". Para Mariano (2001, p. 145), a religião católica ostentava o status de religião “quase-oficial” do país.

Em um segundo momento, não menos importante da Era Vargas, foi destacada pela outorga da Constituição de 1937. Esse movimento se deu segundo Zeferino (2015) com o fechamento do Congresso e a instauração da ditadura de Vargas surge a Constituição do chamado Estado Novo em 1937. 

 

A Liberdade Religiosa durante o Estado Novo (1937 a 1945)

Durante esse período, conhecido como Estado Novo (PIRES 2015) houve uma verdadeira ausência constitucional, em diversos aspectos. O que significou que a constituição não era seguida, em muitos casos. O mesmo ocorria a respeito da liberdade religiosa, por ora conquistada, que embora não tenha sido mencionada no texto constitucional foi amplamente cerceada. Questões como assistência religiosa em estabelecimentos oficiais e expedições militares; eclesiásticos no serviço militar ou casamento religioso sequer foram tratados.

Esta fase foi marcada pelo poder centralizado ao executivo, cujo intuito, segundo Zeferino (2015) era defender a nação das ameaças comunistas. Mas, acerca da liberdade religiosa o texto constitucional a suprimiu, porém, a questão da liberdade de consciência e crença, o que reflete o contexto totalitarista do texto. Houve a primazia da questão da ordem e dos bons costumes o que poderia representar instrumento de restrições a liberdade religiosa de alguma religião. 

Assim, as alterações preambulares (CARLOS JUNIOR, 2011), mormente as operadas nas Constituições de 1891 e 1937, demonstram que o teísmo (a crença literal na existência de Deus) insculpido, refere-se ao Estado, o que não significa reunir o mesmo valor da sociedade ou religiosidade do povo. Um exemplo disso é o fato de que no intervalo de três anos entre as Constituições de 1934 e o de 1937, a sociedade brasileira aparentemente teria perdido sua confiança em Deus. O que seria improvável. Sendo retomado após quase nove anos (setembro de 1946). Desse modo, apenas nestas duas Constituições (1891 e 1937) o Estado não se revelaria Religioso.

Acrescenta Pires (2015) que o Estado Religioso é um modelo de Estado com uma única religião oficialmente reconhecida que, por vezes, também é conhecida como Religião de Estado, este possui um sistema de governo onde a autoridade política é exercida por pessoas que se consideram representantes de Deus na terra. 

Ao se comparar a Constituição de 1934 com a de 1937, neste primeiro caso, observa-se um retrocesso quanto a liberdade religiosa. Nesse sentido proíbe que o Estado tenha relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo (ART. 17, II CONSTITUIÇÃO DE 1937 apud TERAOKA, 2010, p.117) 

A partir da redemocratização do país observou-se o restabelecimento do vínculo entre Estado e Igreja, isso representou grande avanço. Embora o Estado Laico tenha sido reafirmado a liberdade de expressão e a liberdade de consciência, de crença e de culto religioso foi condicionado a existência da religião à ordem pública e aos bons costumes (PIRES 2015). 

 

A Liberdade Religiosa durante o Período Democrático (1945 a 1964)

Durante o chamado Período Democrático, a inovação trazida pela carta constitucional de 1946 se dá quanto à vedação dos entes federados lançarem impostos sobre templos de qualquer culto. Abria a possibilidade das organizações religiosas adquirem a personalidade jurídica dos termos da lei civil. Nessa época foi mantida à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a proibição de estabelecerem, subvencionarem ou embaraçarem cultos religiosos. No entanto, não há previsão expressa do Estado manter “relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja” (TERAOKA, 2010, p.118). 

Quanto aos direitos e garantias individuais (RACHEL, 2012), assegurava o livre exercício dos cultos religiosos, com o adendo: “salvo os dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes”. Previa ainda a “escusa de consciência”, estabelecendo obrigação alternativa àqueles que se recusassem cumprir obrigação a todos imposta por meio da lei, tendo como justificativa impedimento religioso. 

Além disso, (RACHEL, 2012, p.1) os cemitérios poderiam ser seculares (administrados pelos municípios) ou mesmo confessionais (administrados pelas entidades religiosas), porém as organizações religiosas poderiam realizar seus ritos religiosos nos cemitérios administrados pelos municípios. 

De acordo com Rachel (2012, p.1) fixou-se a previsão da assistência religiosa aos militares e aos internados em habitações coletivas, porém, podendo ser prestada apenas por brasileiros. Houve a previsão de extensão dos efeitos civis ao casamento religioso. Além disso, garantiu-se a instituição de descanso remunerado em dias de feriados religiosos. 

A Carta de 1946 (BRASIL, 1946), acerca do Ensino Religioso, assim previa: 

Art. 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
(...)
V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável;

Conforme se observa, a Constituição de 1946 reatou os laços abalados pelas constituições de 1891 e 1937, mas avançou bastante quanto aos direitos fundamentais de liberdade de consciência e liberdade religiosa, revalidando o casamento religioso com efeitos civis, garantindo à família monogâmica e heterossexual proteção especial por parte do Estado.

 

A Liberdade Religiosa durante o Regime Militar (1964 a 1985) 

O período ditatorial foi marcado, conforme pondera Dias; Silva (2012), pela cassação de direitos políticos; repressão aos sindicatos e a movimentos sociais de oposição; censura aos meios de comunicação e a artistas; Implantação do bipartidarismo; enfrentamento militar dos movimentos de guerrilha contrários ao regime; uso de métodos violentos aos opositores do regime; milagre econômico. 

Diante das perseguições políticas e da negação dos valores humanos, a Igreja Católica mostravam-se sensíveis às possibilidades de transformações sociais e na mesma época começaram a aparecer grupos ligados à esquerda (SILVA, 2001, p.45 apud DIAS; SILVA, 2012).

No que se refere a religião, o destaque se faz a disputa entre católicos que fazem a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” e aqueles que apoiam o golpe sob o temor de ataques comunistas. Enquanto que outros cristãos são adeptos da Teologia da Libertação (DIAS; SILVA, 2012).

Segundo o mesmo autor Ridenti (1993: 151 apud DIAS; SILVA, 2012), se é verdade que a alta hierarquia da Igreja Católica deu apoio ao golpe de 1964, também é sabida a crescente resistência de religiosos e sua consequente ligação com as lutas das esquerdas brasileiras.

Pois quando ocorreu o golpe, as autoridades mais influentes dentro da Igreja católica no Brasil, inicialmente, apoiaram a intervenção militar na política acreditando que o governo do presidente deposto, João Goulart, fosse uma séria ameaça à ordem social vigente devido a suas inclinações supostamente esquerdistas e revolucionárias. No entanto, com o passar dos anos, ficou cada vez mais evidente que os militares não desejavam transferir, como era esperado, o poder para os civis, que aos poucos foi se transformando, numa ditadura altamente repressiva que amordaçou a sociedade e começou a eliminar, através de prisões, torturas e assassinatos, todos os focos de oposição.

A Igreja continuava aprofundando sua influência junto a sociedade, e diante da postura ditatorial do governo, os seus membros da Igreja também se transformaram em alvos da repressão policial, por assumirem, em muitas situações, uma postura mais crítica com relação aos governos militares, opondo-se veementemente à tortura e à violência repressiva. O que a deu a Igreja caráter atrativo junto a diferentes grupos e setores sociais que também estavam sendo vítimas da repressão policial.

Enquanto tentativa de legitimar-se junto a segmentos expressivos de uma parte da sociedade que se sentia ameaçada por um suposto avanço do comunismo, do sindicalismo e da corrupção o golpe de 1964 (SILVA, 2001, p.45 apud DIAS; SILVA, 2012), buscou suporte civil que vinha do empresariado nacional e multinacional, das oligarquias rurais, de setores das classes médias, da grande imprensa, de instituições religiosas e de profissionais liberais, até mesmo de alguns trabalhadores.

Porém, como destaca Marcelo Ridenti (2014, p.05): 

Alguns setores da sociedade civil, sobretudo das classes médias que haviam dado apoio inicial ao golpe, foram-se desencantando com o progressivo fechamento político, associado à recessão econômica entre 1964 e 1968. Esta situação, somada às denúncias de desrespeito aos direitos humanos de oposicionistas presos, levou a maior parte da Igreja Católica a retirar seu apoio ao regime, constituindo-se nos anos seguintes em um dos principais focos de oposição

Sob a égide do regime militar, praticamente não alterou a orientação da constituição anterior no que se refere a liberdade religiosa. Garantia, no Capítulo intitulado “Dos Direitos e Garantias Individuais”, que todos são iguais perante a lei sem distinção de credo religioso. A novidade (PIRES, 2015) ficou por conta da dispensa dos eclesiásticos de participar do serviço militar obrigatório, permitiu inclusive que esses militares ascendessem ao poder ao ponto de tornarem-se uma força cada vez mais distante da moral religiosa cristã. 

Embora houvesse a previsão expressa de colaboração entre o Estado e as organizações religiosas, no interesse público, especialmente nos setores educacional, assistencial e hospitalar, são mantidas as proibições para o Estado em estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos (PIRES, 2015). 

O Estado não poderia estabelecer culto religioso que, segundo Pontes de Miranda (apud SILVA, 2008, p. 251), representa a vedação ao Estado em criar religiões ou seitas, ou mesmo fazer igrejas, ou mesmo instituir postos de práticas religiosas ou realizar propaganda desta ou daquela denominação religiosa. Subvencionar, se refere, a vedação do Estado em concorrer com dinheiro ou outros bens da entidade estatal para que se realize a atividade religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou manifestações relacionadas ao pensamento religioso. 

Foi mantida a previsão feita pela constituição anterior acerca da “escusa de consciência” o que ensejava inclusive a perda dos direitos políticos nos casos de recusa, por convicção religiosa, de cumprir encargo ou serviço imposto por lei (RACHEL, 2012, p.1). Foi reafirmada a liberdade de consciência e o exercício de culto religioso, “desde que estes não contrariassem a ordem pública e os bons costumes” (PIRES, 2015).

Assegurou-se a previsão da assistência religiosa, prestada por brasileiros, às forças armadas e nos estabelecimentos de internação coletiva (RACHEL, 2012, p.1). Além disso, manteve-se protegido o repouso remunerado, nos feriados religiosos; o casamento religioso de efeitos civis; o ensino religioso facultativo, bem como a imunidade tributária, no tocante aos impostos, dos “templos de qualquer culto”.

 

A Liberdade Religiosa durante a Nova República (1985 aos dias atuais)

A partir da “Nova República”, o período imediatamente posterior a Ditadura Militar, que compreende 1985 aos dias atuais, é caracterizada pela superação da exceção das liberdades fundamentais e de perseguição a opositores do poder (EMERSON SANTIAGO, 2011). Justamente pela repressão sofrida, durante o período ditatorial, surge na sociedade brasileira o desejo de iniciar uma nova fase do governo republicano, com eleições diretas, além de uma nova constituição que contemplasse as aspirações de todos os cidadãos.

Papel de destaque é dado a Constituição Federal de 1988, que em seu art. 5º, nos incisos VI, assegura ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988, Art. 5º, VI). Trata-se de um preceito fundamental (CUNHA JUNIOR, 2015). É possível se visualizar uma extensão dessa previsão nos incisos VII e VIII do mesmo artigo e em outros artigos ao longo da CF/88, que também resguardam o direito de manifestação da expressão religiosa fruto de um processo evolutivo que busca a plenitude da vivência religiosa dentro dos diversos credos em solo brasileiro. 

No terreno da liberdade religiosa, deu-se espaço para múltiplas manifestações que envolvam a religiosidade. Inclusive deu abertura para a manifestação daqueles que não professam nenhum credo, ou mesmo que acreditam em algo diferente do que já está posto (RACHEL, 2012). Legitimando-se aquilo que Rachel (2012) chama de “direito ao ateísmo”, a ideia é a não interferência do Estado na Liberdade Religiosa como uma tentativa de garantir que nenhum indivíduo terá o seu direito de crença, ou mesmo de não professar crença alguma, desrespeitado. 

De modo geral, a CF/88 é o resultado de processos evolutivos das conquistas dos direitos humanos, ao longo dos anos, que são orientados em prol da liberdade, igualdade e fraternidade defendidos pelos ideais da Revolução Francesa (OLIVEIRA, 2010, p.57). 

A liberdade de religião e de opinião é um direito humano fundamental, plenamente disposto no texto constitucional de 1988, que traz um elenco de outros desdobramentos dessas liberdades, tem-se incluída a liberdade de não seguir nenhuma religião, ou até mesmo de não ter opinião sobre a existência ou não de Deus (denominados agnósticos e ateus). Trata-se, portanto de liberdade posta diante de todas as ideias e principalmente seguimento do próprio ser humano. Assim, (PIRES, 2015) a liberdade de religião nada mais é que um desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada por 58 Estados membros do conjunto das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, define a liberdade de religião e de opinião em seu artigo 18 (ONU, 1969), onde dispõe, que: 

Art. 18 - Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular (ONU, 1969).

A Constituição Federal de 1988, seguindo os preceitos da Declaração de 1948, em seu preâmbulo, faz alusão a Deus (a Carta é promulgada "sob a proteção de Deus"), entretanto sabe-se que esse texto preambular não representa dispositivo legal, mas retrata os preceitos religiosos herdados historicamente pelo constituinte originário. 

A diante, o mesmo texto constitucional no Art. 19, I da CF (BRASIL, 1988) veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (...)". Desse trecho se extrai o princípio do Estado laico em que se faz a necessária e desejável separação entre Estado e religião no marco do estado democrático de direito.

Ao longo do texto constitucional, observa-se uma série de dispositivos que caminham no mesmo sentido, a fim de garantir o princípio da liberdade religiosa e de consciência. O exemplo disto, a CF/88 em seu art. Art. 5º, VI, prevê que o Brasil é oficialmente um Estado Laico, por dispor que: 

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988, art. Art. 5º, VI). 

Essa ponderação constitucional integra a ideia de que a laicidade do Estado pressupõe a não intervenção da Igreja no Estado.

O inciso VII, do mesmo art. 5º (BRASIL, 1988, Art. 5º, VII), assegura, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. Na mesma linha segue o inciso seguinte dispondo que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

Outra herança das constituições anteriores, mais precisamente da constituição de 1967 e posteriormente pela EC nº 1 de 1969, é o Art. 150, VI, “b” que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre templos de qualquer culto. O destaque que se faz neste tópico, § 4º do art. 150, aborda as vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, (BRASIL, 1988) em que compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

No campo educacional, o art. 210 §1º da CF/88 (BRASIL, 1988) dispõe que as escolas públicas de ensino fundamental ofertarão o ensino religioso, e que este é disciplina facultativa, sendo ela inserida nos horários normais escolares. Considerando a proteção constitucional dada a liberdade religiosa há a possibilidade de mudança de credo considerando a preferência pessoal do indivíduo, assim como há a liberdade de formação de novos grupos religiosos, assegurando-se, inclusive espaço para o sincretismo religioso. Nesses moldes é garantido ao indivíduo construir sua própria identidade religiosa sem qualquer interferência estatal (FONAPER, 2014, p. 96 - 97).

No tocante ao que prevê o art. 213 da CF/1988 (RUSSAR, 2012, apud BRASIL, 1988), que garante que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, no entanto, abre possibilidade de que estes sejam dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que sejam definidas em lei, mas que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

Conforme Russar (2012 apud TERAOKA, 2010), a assistência estatal dada à atividade educacional desenvolvida pelas entidades religiosas, no entanto, estas precisam comprovar a finalidade não-lucrativa, o texto constitucional não esclarece quais entidades religiosas assistiria. Mesmo assim, observa-se que há uma proximidade bem alinhavada entre estado e religião. 

Outro importante reflexo das passagens históricas é o casamento religioso com efeitos civil. O artigo 226, parágrafo 2º, (BRASIL, 1988) assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. Diferentemente do que pregava a constituição de 1891 que só se admitia o casamento religioso, como aquele em que se legitimava uma união matrimonial (RACHEL, 2012, p.1), na constituição de 1988 essa previsão apenas permite ao casamento religioso como uma opção, não inferior ao casamento civil, para a aquisição dos reflexos civis.

Quanto aos feriados religiosos, a Constituição de 1988 assegurou a sua instituição (RACHEL, 2012, p.1). Inclusive garante, no que tange as relações trabalhistas que esses sejam remunerados, essa atitude do legislador também deixa transparecer que mesmo havendo uma proteção ao Estado Laico, a relação entre Estado e Igreja aparenta não ter se perdido.

O que se verifica como esses dispositivos constitucionais é que embora a Constituição brasileira de 1988 tenha afiançado a liberdade religiosa esta é apenas um desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação (RACHEL, 2012, p.1), sendo, portanto classificada como um direito fundamental, ou seja, um direito que pertence a cada indivíduo. 

A influência religiosa também é observada quanto a instituição dos feriados santos católicos no calendário histórico-cultural brasileiro (LENZA 2015, p.1177). A resposta para o questionamento da instituição dessas datas no calendário é a justificativa quanto ao caráter histórico-cultural.

O simbolismo religioso católico também é representado na frequente utilização de crucifixos e outros objetos tipicamente cristãos nas repartições públicas. A esse respeito diversas ações têm sido propostas para que sejam retirados dos espaços públicos esses ícones pontuais da manifestação religiosa cristã. Atualmente conforme dispõe Lenza (2015, p.1178) o entendimento para a permanência desses símbolos é a ideia do simbolismo cultural. Porém, corroborando com o autor, é de se ressaltar que essa justificativa não se mostra convincente.

O mesmo ocorre com as concessões de Rádio e Televisão dado a determinados grupos religiosos. A concessão é permitida pela atual constituição no seu art. 223, no entanto, segundo Scorsim (2009, nº 2257): 

(...) as igrejas devem estar enquadradas no setor público não estatal da radiodifusão. Não podem lucrar com a atividade de radiodifusão. Elas, a princípio, podem manter televisões educativas, mas jamais televisões comerciais (SCORSIM, 2009, nº 2257).

Conforme demonstrado (SCORSIM 2009, nº 2257), não há dúvida de que, os grupos que detêm concessão de transmissão de Rádio e/ou Televisão possuem maiores chances de atingir um maior número de fiéis, diferentemente daqueles que não as detém. Essa prática sem dúvida viola o princípio da isonomia, bem como o Estado Laico e Liberdade Religiosa das outras expressões religiosas. 

Outra manifestação que gera bastante polêmica é a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de dinheiro nacional. Sobre o tema, posiciona-se Lenza (2015, p.1180) no sentido de que essa expressão não representa afronta ao Estado Laico, por entender que o Estado é leigo e não ateu. É de se pontuar, que divergindo desse posicionamento, o Estado, no que se refere ao respeito ao exercício da Liberdade Religiosa deve zelar pela garantia do exercício da liberdade como pertencente a todos sem exceção, sendo, portanto, plenamente compreensível que se trate de forte afronta ao Estado Laico, sim, pois, com essa postura apaga-se a existência daqueles que se utilizam dessa moeda, mas que não professam a crença em deus.

Bastante curiosa é a postura adotada acerca da imunidade religiosa, quanto a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto. Está prevista na Constituição Federal de 1988, no art. 150, VI, “b”. Essa previsão tem como propósito impedir que o Estado se aproprie do seu poder de tributar para embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos ou igrejas, conforme predispõe o art. 19, I da CF/1988. De acordo com Lenza (2015, p.1178) essa imunidade não deve abranger só os prédios destinados ao culto, mas também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades da instituição religiosa. 

Reis e Almeida (IN: SILVEIRA; MORAES JÚNIOR, 2015, p.214-215) destacam que “no decorrer de 1990 e 2000, alguns deputados estaduais e federais conseguiram se eleger com apoio do eleitorado carismático e tiveram importante atuação na arena parlamentar” que serviram para beneficiar os membros da Renovação carismática.

Embora a justificativa constitucional seja no sentido de proteger a liberdade religiosa, aponta Puff (2016) que, o que se observa na prática é a proteção pontual a algumas instituições. É amplamente observada a proteção a alguns movimentos legitimados a ponto de receber favorecimento em suas práticas, valendo-se dos espaços públicos, enquanto que outros são renegados, a exemplo das religiões de matrizes africanas que até hoje sofrem para que sejam reconhecidos os espaços para a prática dos seus cultos. 

 

A RELAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA COM O ENSINO (RELIGIOSO) NO AMAPÁ

A criação do Território Federal do Amapá, conforme salienta Oliveira: Ferreira (2015, p.75), está diretamente relacionada aos interesses da segurança nacional durante a Segunda Guerra Mundial, escolhido estrategicamente devido a sua posição geográfica no norte do Brasil. Outro interesse girou em torno das reservas minerais de manganês.

Destaca ainda Oliveira; Ferreira (2015, p.76) que o projeto de desenvolvimento do TFA foi além do aspecto econômico e militar. Pautou-se também no desenvolvimento sócio-cultural na região conduzido pelo, então, primeiro governador do Território Federal Janary Gentil Nunes, em 1944. 

As intervenções propostas por Janary ocorrem a partir de 1945, conforme apontam Oliveira; Ferreira (2015, p.76-77) cujo plano de governo era “Sanear, Educar e Povoar”, para assim elevar o nível moral do caboclo pela educação.

A preocupação do governo Janary Nunes era “elevar” o nível moral do caboclo por meio da educação. Essa medida visava torná-lo “economicamente útil e socialmente aceitável”. Segundo Oliveira; Ferreira (2015, p.76), as novas aspirações amazônicas visavam traziam o argumento de integrá-la nacionalmente.

Para concretizar as mudanças almejadas, Janary realizou algumas alianças. No campo educacional, uma das alianças estabelecidas foi com a Igreja Católica que, refletindo a tendência do Governo Federal, utilizou-se da disciplina Ensino Religioso, como “um instrumento moral de formação para a juventude, uma estratégia de cooptação da Igreja e uma arma contra o liberalismo” (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 77). Essa reordenação proporcionada pelo governo do território afinou as relações entre o Estado e a Igreja. Na realidade, o que ocorreu, segundo as autoras foi a repetição das estratégias já adotadas, a nível nacional, por Getúlio Vargas para ascender ao poder.

A partir de então, a Igreja Católica passou a fazer uma série de adequações no seu quadro eclesiástico. Substituiu a Congregação dos Missionários da Sagrada Família pelos missionários do PIME (Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras), cujo dinamismo apresentava maior abrangência pelo número de padres, missas e dos sacramentos realizados (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 77-78).

Pondera Lobato (2013, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 78) que:

O clero também colaborou neste processo, promovendo construção de igrejas e demais prédios para a estruturação da diocese: igreja de Nossa Senhora da Conceição (1950-1954), prédio sede da Prelazia de Macapá (1950-1960), prédio do Pensionato de São José de Macapá (1950-1960), capela Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (1958), Hospital São Camilo (1960-1965), Igreja Nossa Senhora de Fátima (1963-1965), igreja São Benedito (1963-1964), igreja Sagrado Coração de Jesus (1964), Capela São Pedro (1964); dentre outras. (LOBATO 2013, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 78)

Oliveira; Ferreira (2015, p.78) apontam outros instrumentos de propagação da ideologia católica, dentre eles estão: a fundação de diversas escolas e do Jornal A Voz Católica, que passara a divulgar as atividades paroquiais e a exercer a orientação educacional, aliado ao governo Janary Nunes no sentido de formar uma sociedade voltada para o trabalho. Além disso, a Igreja Católica passou a atuar junto ao povo dando assistência religiosa, ao mesmo tempo em que exercia a vigilância por meio das homílias nas missas e da elaboração do periódico a Voz Católica.

A aliança estabelecida entre a Igreja Católica e o Estado, favoreceu a ação da Igreja por meio do PIME. Seus primeiros membros a chegarem, ao Amapá (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 82), foram: Attílio Garré, Giuseppe Maritano e Aristides Piróvano. Este último, após passar uma temporada no sudeste brasileiro, veio para o, então, Território Federal do Amapá, a convite do bispo de Santarém, Dom Anselmo Pietrulla. Somaram-se a ele outros missionários que chegaram ao Brasil em navios mercantes fretados pelo governo brasileiro. Ao chegarem ao Amapá, os clérigos foram recebidos por missa acompanhado por um coro de professoras junto de várias autoridades, inclusive de Janary Nunes.

Na lida missionária católica, os padres perceberam que a rotina evangelizadora não seria fácil, conforme exposto em depoimento concedido a Gheddo (2000 apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 84), Angelo Bubani, um dos missionários atuantes no Território, fez a seguinte ponderação: 

A nossa vida - diz Bubani - foi uma viagem constante, remo ou vela barco, a cavalo, a pé, para visitar as comunidades dispersas. Um de nós foi em torno de um mês depois, ele voltou para casa para descansar e começou outro missionário. Ele comeu quase só a farinha de mandioca e peixe. A nossa paróquia foi prorrogada 40.000 km quadrados, chegamos a ter 40 escolas nas quais se ensina catecismo. A gente era muito religiosa e queria o sacerdote, mas só éramos dois. (Gheddo, 2000 apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 84)

Todas as ações católicas, conforme ressalta Oliveira; Ferreira (2015, p.78), eram registradas nos livros do Tombo da Prelazia de Macapá e arquivadas na Cúria Diocesana de Macapá.

Aristides Piróvano, sobre sua ação evangelizadora, relata que a carência espiritual de grande parte dos habitantes que declararam-se católicos está no fato de que a sua religião foi reduzida ao batismo dado em família e alguns festivais religiosos, realizados uma vez por ano, em virtude da visita sacerdotal.

Consta, ainda, nos registros paroquiais, a preocupação com grupos religiosos concorrente, tais como: maçonaria, Espiritismo e evangélicos, sob as quais a Igreja Católica reforçava a vigilância, bem como o uso dos seus instrumentos de propagação das ideias católicas. Em paralelo aos instrumentos de difusão das ideias e práticas católicas, foi lançado para circulação um “Bilhete Protestante”, que identificava o Protestantismo, o Espiritismo, o Comunismo, a promiscuidade e a imoralidade como opositores ao catolicismo e por isso deveriam ser combatidos e extirpados, conforme se vê em Oliveira; Ferreira (2015, p. 86):

O discurso do A Voz Católica, agindo em confluência para com a política do Estado, teve por objetivo, tanto na veiculação e assimilação quanto na sua realização através da ação direta dos padres, formar uma sociedade estruturada em torno do trabalho. Para tanto, não é à toa que os articulistas do jornal sempre divulgavam e elogiavam o papel dos oratórios festivos e dos colégios, pois a educação dos leigos seria de fundamental importância na formação de trabalhadores cônscios de suas obrigações e responsabilidades, afastados do comunismo e do protestantismo manter-se-ia a unidade do rebanho de Cristo (sociedade) e a harmonia entre as classes. (Oliveira, 2011, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 86)

Diante da constante ameaça religiosa concorrente (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 86), A Voz Católica “reforçava a argumentação sobre a necessidade de existência das escolas católicas e justificava seu papel relevante perante a sociedade e o Estado”.

A preocupação concorrencial era tamanha que, segundo Oliveira; Ferreira (2015, p. 87), Piróvano em carta dirigida ao Vigário Geral da Prelazia prefere que em vez de construção de torre da Igreja, primeiramente sejam construídas Escolas e Oratórios. Dessa forma, tudo indica que a educação era vista como fundamental para a difusão da fé católica.

Mediante a reunião de esforços da Igreja e do Estado, uma série de obras sociais são levantadas, conforme se vê:

Em 1948, os missionários encontraram no Amapá uma igreja, a Catedral de Macapá; em 1964 havia fundado dez freguesias com igrejas alvenaria e dois padres para cada (três para Amapá muito extenso), mais de 57 capelas e 118 subestações com capelas em construção (17). Além disso, as estruturas da Prelazia de caridade e do bem-estar: 9 escolas de ensino fundamental (com 1.570 alunos e 1.159 alunos), outros oito escolas (secundárias e começar a trabalhar, com 130 alunos e 340 alunos), sete clínicas médicas (com 31 mil consultas por ano) , um jardim de infância (com 25 crianças), uma escola industrial (confiada aos irmãos do PIME), a tipografia e a biblioteca católica St. Joseph (que ajudou a despertar nas pessoas, até mesmo o mais simples, o desejo e gosto da leitura); e uma dúzia de oradores paróquia. (GHEDDO, 2000, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 86)

A subvenção dessas obras poderia ser concretizadas por meio de doações vindas da Europa e Estados Unidos e da doação de materiais de construção pelo Governo do Território. Essa parceria era justificada por parte do governo, dado o fato de ambos pretenderem os mesmos objetivos. 

Nessa época, passou a existir, segundo Negri (s/d apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 88) “uma interpenetração entre o público e o privado, no qual o Estado se eximia de construir escolas, especialmente na periferia de Macapá e no interior do Território”, assim sendo se aproveitava da estrutura escolar construída pela Igreja Católica, cedendo corpo docente e a manutenção em troca da cessão das instalações para fins religiosos, não se limitando apenas aos domingos.

Além disso, a ação católica ocorria também nas dependências das escolas pertencentes ao Governo Territorial, conforme relatam diversas passagens dos livros do Tombo da Prelazia de Macapá, com registros de alunos de diferentes escolas participando de celebrações de missas, recebendo comunhão e de celebrações ocorridas nas dependências das escolas. Por conseguinte, assevera Negri (s/d apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 89) que os catequistas, com pelo menos a 4ª série primária além de instruir na fé católica, ajudavam na alfabetização das pessoas sem escolaridade, auxiliados por materiais católicos a fim de alcançar as finalidades de catequizar e alfabetizar ao mesmo tempo.

Questão bastante relevante, acerca dessa interpenetração o público e o privado, também ocorre na formação dos professores e catequistas ao mesmo tempo. Neste caso a justificativa pairava no argumento de que, como os professores cuidariam das futuras gerações era necessário que fossem instruídos na fé católica. 

Pondera Lobato (2013, p.121-122, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 90), que essa união era em defesa do mesmo modelo sobre como deveria ser ordenada a sociedade, acerca da base familiar, criação dos filhos, idealizando papeis de obediência, resignação e dependência ao marido, no caso das mulheres, e mesmo que esta ingressasse ao mercado de trabalho, sua qualificação profissional estava atrelada às atividades domésticas. Todos esses propósitos eram amplamente difundidos no Jornal A Voz Católica.



CAPÍTULO II – A ESCOLA JOSÉ BONIFÁCIO E SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE DO CRIA-Ú (CURIAÚ)

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, tomou-se como objeto de estudo, o exame do tratamento que é dado o direito a liberdade religiosa no bojo da sociedade brasileira, fazendo-se um apanhado até se chegar a realidade do Amapá, em especial a da Escola José Bonifácio, para se averiguar o respeito dispensado direito fundamental de crença, no Estado Laico constitucional. Elegeu-se como ponto de partida, a abordagem dos termos conceituais do que é liberdade religiosa, laicidade demonstrando como ela veio sendo trabalhada ao longo da história das constituições brasileiras. Concomitantemente a abordagem histórica e constitucional tomou-se conceitos como secularização, pluralismo religioso, laicidade rumo a construção da liberdade de crença e religião. A partir de então foi possível se dimensionar os avanços e retrocessos sofridos no decorrer do tempo até os dias atuais. 

No segundo capitulo a abordagem voltou-se para a realidade encontrada na comunidade quilombola de Curiaú, mais precisamente demonstrar qual é a relação da Escola José Bonifácio com a comunidade, enquanto espaço educativo e ao mesmo tempo ambiente de práticas comunitárias que envolvem os mais diversos interesses, inclusive religiosos. Em um segundo momento, averiguou-se a relação da escola com o Ensino Religioso. Nesse momento o que se apontam são as visões acerca da disciplina e a importância atribuída a esta enquanto campo de conhecimento fenomenológico sob um viés humanista.

Diante de toda a investigação feita, para se verificar de que forma é garantida a diversidade religiosa, sob a ótica do Estado Laico, enquanto um Direito fundamental, quando da oferta do ensino religioso escolar na Escola Estadual José Bonifácio. Concluiu-se que: embora a comunidade esteja inserida em um território quilombola, onde os apelos para que as heranças sejam relembradas e, por conseguinte preservadas, ainda assim, o Ensino Religioso trabalhado possibilita o contato, mesmo que repentino com conteúdos atinentes a outras tradições religiosas. 

Quanto as hipóteses levantadas de que aparentemente, por se tratar de uma realidade específica, na qual se priorize o contato com as raízes ou heranças étnicas a laicidade preconizada pelo Estado brasileiro não seja considerada, em partes se confirma, pois o que se vê é um incentivo a raízes afro-brasileiras que rumam a construção de uma identidade e por isso a escola é vista como um instrumento nessa construção. E o ensino religioso priorizam o conhecimento acerca das raízes ou heranças étnico religiosas, mas não desprezam o conhecimento sobre as demais culturas religiosas.

 

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Da contemporânea serventia de voltarmos a acessar - aquele velho sentido
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Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 13 n. 37  On-line version ISSN 1806-9053 São Paulo June 1998. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69091998000200003>. Acesso em: 20/08/2016.

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