INTRODUÇÃO
Este projeto de pesquisa é um importante instrumento de investigação que pretende, por meio dos métodos e técnicas de pesquisa, explorar o universo que rodeia a oferta do ensino religioso escolar no Estado do Amapá, mais precisamente na Escola Estadual José Bonifácio do Quilombo do Curiaú.
Explorar esse
universo significa descobrir em quais bases se funda essa oferta e de que forma
se desenvolvem as atividades pedagógicas relacionadas ao ensino religioso nas
escolas públicas amapaenses. Voltando-se o olhar mais criterioso para a ameaça
de doutrinação que, frequentemente, os estudiosos alertam acerca do respeito à
liberdade religiosa no universo da pluralidade.
A investigação deste
tema, sob o prisma da liberdade religiosa ganha solo fértil neste trabalho, sob
as seguintes indagações: Quanto a liberdade de crença, o ensino religioso
ofertado na Escola Estadual José Bonifácio tem garantido que todos os credos se
sintam representados naquele espaço escolar? Os conteúdos trabalhados na escola
ensejam o pluralismo e a diversidade religiosa?
Aparentemente, por se
tratar de uma realidade específica, na qual se priorize o contato com as raízes
ou heranças étnicas a laicidade preconizada pelo Estado brasileiro não seja
considerada. Ao que tudo indica, quanto à liberdade de crença, o ensino
religioso ofertado na Escola Estadual José Bonifácio, embora dê abertura para
que todos os credos se sintam representados, enfatiza os elementos que remetam
as tradições de matrizes afro-brasileiras. Quanto aos conteúdos trabalhados,
igualmente ao que ocorre quanto a laicidade, estes priorizam o conhecimento
acerca das raízes ou heranças étnico religiosas, porém não desprezam o
conhecimento sobre as demais culturas religiosas.
As ramificações
históricas estabelecidas pela instituição das constituições apontam para a
negação dessa liberdade. Embora, alguns textos constitucionais trouxessem um
discurso de neutralidade no universo religioso, na prática o Estado e a Igreja
camuflavam sua inter-relação e acabavam interferindo diretamente no conteúdo
que as escolas deveriam ministrar nas aulas das escolas públicas.
Os reflexos dessa
interferência da igreja católica no estado e vice-versa e, posteriormente, dos
evangélicos, ameaça até hoje, de forma contundente, o pleno desenvolvimento da
liberdade e, consequentemente, do direito a diversidade religiosa, pois à
medida que se abnega a expressividade de determinado grupo religioso, dá-se
maior expressividade a outro e isso é um verdadeiro atentado ao direito fundamental
da profissão de uma crença.
O objetivo principal
deste trabalho é investigar, sob a ótica do Estado Laico, de que forma é
garantida a diversidade religiosa, enquanto um Direito fundamental, quando da
oferta do ensino religioso escolar na Escola Estadual José Bonifácio.
Para a obtenção do
objetivo principal, busca-se especificamente realizar pesquisa bibliográfica
tanto sobre os conteúdos historiográficos, as bases conceituais, das
Constituições Federais ao longo dos anos e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, ainda; inspecionar instrumentos de planejamento da aplicação
da disciplina tanto em nível da Secretaria de Estado da Educação-SEED quanto
àqueles aplicados na própria escola relacionados ao Ensino Religioso; aplicar
entrevista envolvendo os diversos sujeitos que vivenciam a prática da
disciplina Ensino Religioso na Escola Estadual José Bonifácio e SEED.
Os procedimentos
metodológicos apontados para a consecução do objeto da pesquisa, os
seguintes:
1 – Realização de
pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo que retratem de que forma se dá o
processo de implementação do ensino religioso escolar enquadrando-o, de tal
forma, que se possa compreender todo esse processo histórico experimentado,
pelo Ensino Religioso, ao longo dos anos.
2 - Valendo-se do
método exploratório, pretende-se conhecer a realidade cultural em que estes
saberes são desenvolvidos. Para o desenvolvimento da pesquisa de campo será
aplicada a técnica de pesquisa entrevista por meio de questionários com
perguntas semiestruturadas direcionadas aos técnicos do Núcleo de Ensino
Religioso da Secretaria de Estado da Educação, a fim de se obter o resultado de
que forma é pensada a prática educativa da disciplina ensino religiosa
aplicável às escolas amapaenses.
Os questionários
dirigidos aos Técnicos da SEED, professor, diretora e coordenadores
pedagógicos, obedecerão à técnica de observação sistemática, na qual, segundo
Lakatos (2003, p.193) “o observador sabe o que procura e o que carece de
importância em determinada situação; deve ser objetivo, reconhecer possíveis
erros e eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe”. E por último,
durante a fase final foi aplicada a pesquisa explicativa.
O conteúdo do
trabalho monográfico, em si será dividido em dois capítulos.
O primeiro Capítulo
analisa sob quais influências se firmou o Ensino Religioso na sociedade
brasileira, para isso, destacar-se-á a atuação político-constitucional e o
aspecto histórico, tendo como referência os principais alicerces religiosos que
fundaram a sociedade brasileira e, consequentemente, a base para a
educação.
O segundo capítulo
compõe-se pela pesquisa de campo envolvendo os atores ligados ao
desenvolvimento do ensino religioso, tanto no que se refere ao planejamento
quanto àqueles que vivenciam a prática pedagógica no dia-a-dia. Subdivide-se em
duas seções. Na primeira serão analisadas as relações da Escola José Bonifácio
e o espaço público. Na segunda seção será averiguada a relação da escola com a
disciplina Ensino Religioso.
Para a composição do
apanhado histórico e político-constitucional tornou-se relevante o pensamento
dos seguintes autores: Alexandre Brasil
Fonseca que traz a conceituação de secularização e, consequentemente, o
desenvolvimento do termo laicidade, defendendo a separação entre estado e
igreja.
Sérgio Rogério
Junqueira e Edile Fracaro Rodrigues que traçam uma discussão acerca das
polêmicas em torno da oferta da disciplina Ensino Religioso nas escolas
públicas das diferentes unidades da Federação. Corroborando com esse posicionamento, Marília Domingos vem discutir
acerca da oferta da disciplina ensino Religioso no currículo da escola
fundamental brasileira. Ela alerta que pode parecer um contrassenso essa
oferta, devido estar-se sob a égide do Estado Laico, porém aponta para a
confusão que é feita com a associação do termo laicidade ao anticlericarismo ou
mesmo ao ateísmo.
É também marcante a
contribuição de Ricardo Mariano e Emerson Giumbelli. Este primeiro analisa os
limites da laicidade à brasileira e foca a relação entre religião e política no
Brasil, enquanto que o segundo traça uma definição histórica que toma por
referência, universos sociais diversos, entre outros autores de grande
relevância para este estudo.
CAPÍTULO I – A LIBERDADE RELIGIOSA:
ENFOQUES CONCEITUAIS E O MODELO BRASILEIRO
A noção de Estado Laico decorre da ideia de
retirada do controle e interferência do Estado quanto ao exercício da liberdade
de consciência, crença e culto, seja no campo privado e/ou coletivo. No ideal
do Estado Laico, há lugar para todas as formas de crer,
indiscriminadamente.
A liberdade de religião assume amplos contornos e
encontra-se conectada a liberdade de consciência e a liberdade de expressão,
pois a liberdade de crença é uma forma de liberdade de consciência e não há proteção
completa à liberdade de religião.
Neste sentido, salienta Morais (2011, p.228) que:
“a liberdade religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de
acordo com a sua crença e o seu culto”. Além disso, para ele:
A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor
qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste
ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada
religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de
família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro
lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não
garantir com as leis o cumprimento desses deveres (MORAIS, 2011, p.228).
Na história das constituições brasileiras mostra de
que forma foram tratadas as questões da laicidade e da liberdade religiosa no
país ao longo do tempo. Desde a Constituição do Império em 1824 é possível se
verificar que a liberdade religiosa recebia a vigilância do Estado brasileiro,
e muitos desses reflexos persistem até os dias atuais. Essa associação entre
Estado e Igreja Católica Apostólica Romana era estabelecida graças aos
interesses em comum que ambos nutriam, durante o período colonial do Brasil.
Com o tempo, novos contornos foram sendo
implementados, diante das novas visões de mundo, atreladas a movimentos
favoráveis e contrários a liberdade religiosa, novas formas de pensar foram
sendo manifestadas, o que tem favorecido a expansão do pluralismo religioso,
mesmo que ainda de forma tímida.
Partindo-se desse novo paradigma social que se
inter-relaciona com os preceitos da liberdade humana e a necessidade espiritual
do homem moderno (GOMES; SOUZA, 2013, p.04), se estrutura a expansão do
pluralismo religioso que se dá em decorrência do secularismo e da laicização do
Estado.
SECULARIZAÇÃO, PLURALISMO E LAICIDADE E
SUAS INFLUÊNCIAS
O termo secularização tem origem no latim saeculare,
o que remete a ideia, dentro do Direito Canônico que demarca o abandono clerical
da sua função religiosa (FONSECA, 2011, p.13). Com o passar do tempo, segundo
Marramao (1997, apud FONSECA 2011, p.13) esse termo passou a ser utilizado em
oposição ao religioso, embora também tenha sido associado a noção de tempo
interminável.
A partir do século XIX, o pensador George Holyoake,
passou a adotar o termo associado a um sistema de crenças baseado na razão e na
ciência, em vez de refletir os problemas por meio de explicações sobrenaturais
(FONSECA, 2011, p.13). Acrescenta ainda Stefano Martelli (1995, p.275), que
essa postura repercutiu negativamente, pois “adquiriu o significado de
subtração de direitos e bens religiosos e de emancipação da tutela e controle
da igreja”, assumindo conotação contrária a ideia do que é religioso.
A tentativa de qualificar positivamente o termo
ocorreu através da obra Morte de Deus, em que se afirmava ser boa para a
religião a possibilidade de viver-se em uma sociedade secularizada. Mas, foi
Harvey Cox (1968, p.1), segundo Fonseca, quem apresentou a “cidade secular”, em
que defendia que “as forças da secularização não tem nenhum interesse sério em
perseguir a religião”, e que esta apenas assumiria a esfera privativa.
Para Weber (FONSECA, 2011, p.14), embora pouco
tenha usado o termo secularização, este, em sua concepção, está associado à
ideia jurídico-religiosa, impregnada pelo racionalismo e o consequente
afastamento da magia como meio de salvação, fruto de uma Europa marcada pelo
capitalismo emergente e suas leis de autorregularão do mercado.
Considera Pierucci (1998, p.8) que, foi crucial
nesse desenvolvimento da secularização, o fato de a igreja cristã e as leis
sagradas terem se tornado cada vez mais nitidamente diferenciadas e separadas
da jurisdição secular, pois segundo ele, esta específica separação de esferas
normativas desobstruiu o caminho para a imposição de leis emanadas
legitimamente apenas da autoridade secular.
Na obra Judaismo Antigo de Max Weber, segundo
Fonseca (2011, p.15) considerada a primeira semente da secularização representa
uma ruptura na influência exercida pelo sagrado no Estado e na vida cotidiana,
através da Reforma Protestante.
Berger aponta serem três as características para o
processo de secularização segundo FONSECA (2011, p.15), dentre elas: a afetação
da vida cultura, ocasionado pelo declínio de conteúdos religiosos nas artes,
filosofia, literatura e ciência; a criação de indivíduos que buscam respostas
para seus problemas de mundo sem recorrer às interpretações religiosas, e;
embora a religião seja um fenômeno global nas sociedades modernas, esta não é
sinônimo de uniformidade.
Diferentemente de Fonseca, pondera Bruce (1996,
p.26 apud FONSECA 2011, p. 26) que a secularização é um processo macro, e assim
sendo, apresenta efeitos diretos incidentes na religião, entre eles: a) o menor
envolvimento das pessoas com a igreja; b) menor abrangência e influência de
suas instituições e por último; c) menor impacto de suas crenças.
Os desdobramentos da teoria da secularização, com o
tempo, conforme salienta Fonseca (2011, p. 24) ganha novos paradigmas. Nestas
novas abordagens é possível deparar-se com aqueles que são favoráveis e aqueles
que são contrários a essa teoria, embora haja concordância de sua existência.
Ponto importante na evolução da secularização é
demonstrado por Weber (2006, p.321 apud SILVEIRA; MORAES JUNIOR, 2015, p.158)
sobre a racionalização da magia. Em sua concepção, esse comportamento está
preso às regras da experiência, na perspectiva weberiana (SILVEIRA; MORAES
JUNIOR, 2015, p.159), o desencadeamento de mundo chega a uma forma de
desaparição progressiva da religião, na medida em que a racionalidade torna as
crenças mágicas sem utilidade.
Afora a teoria da secularização, surgiu outro termo
que repercute bastante na sociedade atualmente. Trata-se do Pluralismo, essa
expressão foi utilizada primeiramente por Christian Wolff e Emmanuel Kant está
relacionada a influência dos ideais Iluministas configurando-se em uma
“doutrina sobre a plenitude de combinações de visões de mundo ao lado de um
convite para a adoção de uma visão universal de uma cidadania mundial” (OIIS,
1999 apud FONSECA 2011, p. 37). O termo pluralis faz oposição ao monos,
que foi entendido como a constatação empírica, que remete a um caráter tanto
descritivo quanto analítico.
Segundo Fonseca (2011, p. 38), o pluralismo
representa “conditio sine qua non” para se alcançar efetivamente a presença da
liberdade de escolha do indivíduo. Beckford (1999, Apud FONSECA 2011, p. 38)
destaca que se as pessoas não tem acesso às diferentes formas de pluralidade,
então elas não têm efetivamente liberdade, e assim sendo não vivem a
pluralidade. Propõe ainda, que o termo pluralismo seja utilizado no nível
analítico, reservando o nível descritivo a diversidade.
Fonseca (2011, p. 39), se referindo a esse contexto
religioso plural, é necessário se conceber a presença amplitude de crenças para
além das religiões mundiais. Corroborando com esse entendimento, Champion
(1999, Apud FONSECA 2011, p. 39) classifica esse movimento de pluralismo
emancipador, ou seja, nele, o pluralismo é controlado pelas tradições
religiosas mais fortes, para que posteriormente se transforme em um pluralismo
de identidades.
Assim pondera Sanches (2010, p. 39 apud GOMES;
SOUZA, p.04), “na sociedade moderna o grande passo para o pluralismo em geral
foi justamente o processo de secularização entendido como ruptura do monopólio
de interpretação possuído pela Igreja Católica Romana”.
A pluralidade passou a ser uma das características
da modernidade. Nessa perspectiva, cada pessoa faz uso da visão que melhor
convém diante de problemas existentes no mundo (SANCHES, 2010, p. 39 apud
GOMES; SOUZA, p.04). A pluralidade é a manifestação da riqueza do pensamento
humano. É a aceitação da multiplicidade do pensar de pessoas ou grupo social
que por sua vez tem a liberdade de expressar o que pensa.
Atento a essa questão, Sanches (2010, p.41 apud
GOMES; SOUZA, p.04), referindo-se a esse processo de transformação social
afirma que:
A ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo
religioso, mas, sobretudo, altera as representações da realidade. O ser humano
moderno, ao olhar o mundo, já não absolutiza a dimensão religiosa e, portanto,
observa a realidade fora dos limites impostos pelo modelo religioso medieval.
Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural (SANCHES, 2010, p. 39 apud
GOMES; SOUZA, p.04).
Dentro de uma sociedade plural, destaca Fonseca
(2011, p. 41) que diante de tantas opções, não há religião certa ou religião
errada. Aponta que (STARK e BAINBRIDGE, 1987, p. 124 Apud FONSECA 2011, p. 41)
“a chave para o crescimento destas novas está na capacidade de responder às
necessidades das pessoas, oferecendo um ambiente de maior rigor, compromisso e
“alta tensão” entre seus adeptos”.
A laicidade é um dos princípios dos Estados
Modernos, como por exemplo o Brasil (DOMINGOS, 2009, p.157). No campo do estudo
da laicidade é indispensável definir o conceito de “laicidade ou de Estado
Laico”.
Conforme expõe Domingos (2009, p.48) a palavra
laicidade ganhou corpo no século XIX a partir do adjetivo laïc (leigo,
aquele que não pertence ao clero). Esse termo deriva do grego laos, que
significa povo. Este termo vai aparecer em 1871, e será associado ao ensino
público francês e, seu surgimento será assinalado pelo Novo Dicionário de
Pedagogia e de instrução primária, de autoria de Ferdinand Buisson (1911,
apud DOMINGOS, 2009, p. 48).
Dessa primeira ideia, de separação entre Estado e
Igreja, parte, para muitos pensadores, da frase bíblica “Dai a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus”, que partindo desse pressuposto, os
filósofos, em especial, Descartes, Condorcet e Comte, já pressupõem a ideia de
separação entre essas duas grandes instituições. Conforme descreve DOMINGOS
(2009, p.48) essas ponderações foram objeto de discussão destes.
Diversas obras foram escritas sobre a temática da
secularização, em uma delas intitulada “A Revanche de Deus”, de Gilles Kepel
(1994, p.236 apud FONSECA 2011, p. 22) restringe a religião a esfera privada,
embora em sua abordagem não se opunha diretamente à teoria da secularização.
Destaca indicadores de disfunções da sociedade, objetivando por abaixo a
organização jurídica da laicidade, que limita a expressão da identidade religiosa
ao domínio privado. Segundo ele, o que se busca é instituir um sistema no qual
a identidade consiga adquirir dimensões do direito público.
Na obra “O discurso do método” Descartes (apud
DOMINGOS, 2009, p.48) defendeu o posicionamento de que existem domínios que
escapam à razão humana, as quais são inclinadas para onde a revelação não é
contraditória às realidades racionais; a liberdade de pensamento deve ser
respeitada e a interpretação dos textos sagrados é possível através da
utilização da razão.
Condorcet faz distinção entre muitas ordens tidas
como legítima e, muitas vezes, automáticas, em sociedade. Assim sendo, para
ele, educação e ensino, se distinguem considerando a ordem da razão e a ordem
dos valores. Aponta também a forma como a moral é concebida como uma ciência.
Diante disto, entende que compete à família dar a educação e à escola promover
o ensino ou instrução. Nesse entendimento é inconcebível a intervenção da
Igreja em questões que competem ao Estado. Domingos (2009, p.48) afirma que Condorcet
foi o primeiro a defender uma concepção laica de educação, em sua obra datada
de 1791: “Cinco memórias sobre a instrução pública”.
O conceito de Estado Laico é entendido como:
o Estado laico nasceu de um longo processo de laicização, de uma
emancipação e construção progressiva, através de um afastamento dos dogmas, do
clero e, sobretudo, do poder da Igreja Católica, ganhando vulto sob o influxo
da Reforma Protestante, da filosofia de Rousseau, do Iluminismo (DOMINGOS,
2009, p.47).
Por outro lado, Comte em 1860 deu guarida aos
liames progressistas e com isso propõs que a religião de um Deus transcendente
seja substituída pela religião da humanidade (DOMINGOS, 2009, p. 48).
Assim sendo, o Estado Laico surge como necessidade
indispensável, para que várias sociedades, ideologias e crenças se
desenvolvessem em meio a uma liberdade pacífica, onde os direitos individuais e
coletivos sejam respeitados.
De fato, segundo Domingos (2009, p. 47) o termo laicidade, tem origem
grega que se refere aquilo que não é clerical, ou seja, aquilo que é próprio do
mundo secular. O seu emprego é fruto da separação entre Estado e Igreja, onde
esta é excluída do poder político e administrativo.
Dentro da ideia da laicidade, prevalece a condição
de igualdade entre as religiões, o que implica em não favorecer pessoas ou
grupos ligados a nenhuma religião (PIRES, 2015). No Estado Laico deve-se agir
para garantir aos cidadãos a liberdade não apenas religiosa, mas também a
liberdade filosófica.
O laicismo defendido por Domingos (2008, p. 155-156
Apud JUNQUEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 50), não foi um movimento ou escola de
pensamento, mas sim uma doutrina que proclama a laicidade absoluta das
instituições sociopolíticas, culturais e educativas. De acordo com esse
entendimento, o Estado não assumiria uma postura hostil tampouco favorável em
face da religião, mas sim neutra e autônoma. Desta forma, a Igreja estaria
excluída do exercício do poder político e administrativo e, principalmente da
organização do ensino, deixando os indivíduos livres no aspecto religioso para
professarem sua crença.
Neste sentido, o Estado dota-se de autonomia
exclusiva para sua administração política soberana. Esse processo de poder
deixa de ser legitimado pelo sagrado e passa a ser um poder constitucional
(PIRES, 2015), em que o Estado passa a adotar como princípio fundamental a
neutralidade quanto às questões religiosas. O que significa que este Estado,
não pode discriminar, subvencionar, muito menos embaraçar o funcionamento de
nenhuma denominação religiosa, além de que, a este é vedado o vínculo de
dependência ou aliança com as instituições religiosas.
Um país ou nação pode ser considerado laico quando
tem uma posição neutra no campo religioso. Isso significa (JUNQUEIRA;
RODRIGUES, 2010, p.49), que a laicidade aqui expressa, não se define pela
exclusão da religião da vida pública. Esse Estado tem como característica mais
marcante o respeito a todas as formas de manifestação religiosa; o país não
apoia nem se opõe a nenhuma religião e o tratamento dado quanto as questões
religiosas é igualitário, por se entender que profissão de crença é um direito
fundamental assim como a ausência dela.
AS CARACTERÍSTICAS DO CAMPO RELIGIOSO
NO DECURSO HISTÓRICO BRASILEIRO
Os reflexos deixados pela associação entre a Igreja
e a Coroa Portuguesa, foram capazes de construiu grande poder dentro da
instituição católica que se manifestou inclusive pelo poder dado a coroa de
nomear membros eclesiásticos do Padroado que foi fruto de compromisso firmado
entre a Santa Sé e o Governo brasileiro (CIARALLO, 2010, p. 86).
A vinda dos jesuítas ao Brasil teve o propósito de
expandir a fé católica além-mar, vislumbrava-se disseminar as ideias
europeu-católicas (BUNDCHEN, 2007 apud SILVA, 2013, P. 1), devido à ocorrência
do movimento da Reforma Protestante no século XVI, na Europa. A Igreja Católica
naquele momento perdia fiéis, por isso, viu-se pressionada a lançar-se na busca
de descobertas de novas terras arriscando-se na possibilidade de ganho de novos
membros. Com isso, conjugaram-se os interesses da Coroa em colonizar e da
Igreja Católica de salvar almas e converter gentios, integrando-se ao mesmo
tempo a tarefa colonizadora e a tornavam mais fácil, apresentando os
colonizadores portugueses e agindo em nome de Deus (CIARALLO, 2010, p. 86).
No curso do processo histórico houve tentativas de
dissociação entre Estado e Igreja por parte do Estado, enquanto que do lado da
Igreja, a tentativa era de se manter vinculada ao poder junto ao Estado.
Conseguiu, ao longo das constituições, influenciar simbolicamente, e até mesmo,
vindo a legitimar-se como a Religião oficial do Brasil (SANTOS, 2009, p.
5).
Diante disso, não é difícil de concluir que a
sociedade da época sofria forte apelo, e uma interferência da Igreja Católica
Apostólica Romana como religião oficial do império. Ao passo que aos seguidores
das outras religiões o que se permitia era somente o culto doméstico. Santos
(2009, p. 5) citando o art. 5º da Constituição do Império observa que era tal a
referência aos preceitos católicos, que se chegava ao ponto do imperador ter o
poder de mando na nomeação dos cargos eclesiásticos.
Devido às transformações que o mundo sofria houve a
necessidade de separação entre o Estado e a Igreja (SANTOS, 2009, p. 5). Essa
ruptura dos elementos religiosos permite que através das instituições políticas
legitimadas pela vontade popular, em sua forma de governo essencialmente
democrática, fossem adotadas medidas de separação do Estado com a Igreja.
Nessa nova conjuntura, não existe mais um monopólio
religioso, e sim a abertura para um novo paradigma que valoriza a pluralidade
religiosa e a liberdade do indivíduo que desde o período da colonial era
monopólio do catolicismo. Segundo Andrade (2009, p.108) foi introduzido nas
populações nativas princípios católicos, em que colonos e escravos assimilaram
o catolicismo à sua maneira, com crenças e ritos peculiares, de origens
diversas, indígenas e negras, assim como o colono português quinhentista com
suas crenças remotas nas divindades pagãs.
Segundo afirma Fonseca (2011, 61), o catolicismo
foi desde o período colonial o “cimento social” da sociedade brasileira.
Pondera Mariano (2003, p.115) que, embora a situação pluralista e concorrencial
no mundo ocidental estivesse ocorrendo, no Brasil, somente consolidou-se na
segunda metade do século XX, mais de meio século depois da separação
Igreja-Estado. O que propiciou (MARIANO, 2003, p.115) o fomento a lógica de
mercado para as ações organizacionais, religiosas e proselitistas de vários
grupos religiosos, principalmente das denominações pentecostais.
Pondera Oro (2011, p. 224), que durante todo o
período colonial (1500-1822) e imperial (1822-1889), o catolicismo foi
considerado a única religião legalmente aceita, não havendo liberdade religiosa
em nosso país. Por aproximadamente quatrocentos anos, o Catolicismo foi a
Religião Oficial, conforme destaca Mariano (2001, p. 127-128).
... o Estado regulou com mão de ferro o campo religioso: estabeleceu o
catolicismo como religião oficial, concedeu-lhe o monopólio religioso,
subvencionou-o, reprimiu as crenças e práticas religiosas de índios e escravos
negros e impediu a entrada das religiões concorrentes, sobretudo a protestante,
e seu livre exercício país (Mariano, 2001, p. 127-128 Apud ORO, 2011, p. 224).
Segundo Oro, a laicidade brasileira teve início com
a Constituição de 1891, a partir da determinação da Constituição Republicana de
que o Estado não estabeleceria nenhum tipo de relação ou aliança com instituições
religiosas. Daí em diante houve avanços e retrocessos no processo de laicização
do Estado.
Conforme assevera Mariano que (2003, p.114), no
caso brasileiro, os elementos constitutivos e hegemônicos, da separação entre
Igreja e Estado são “tipicamente capitalistas, racionais, burocratizados,
dessacralizados”, pelo fato, “essa sociedade é”, continua, “moderna, e como
moderna é profana; sua civilização é desencantada, não depende do sobrenatural.
Suas instituições, seus governos, mercados, escolas, meios de comunicações,
tudo é não-religioso”.
Corroborando com esse entendimento, Fonseca (2011)
demonstra que, apesar da realidade brasileira ser pautada no fundamento
secular, a ação política da Igreja, os lobbies que promovem e as pressões
efetivadas pela CNBB, mostram que o caminho entre a Igreja e o Estado não é tão
livre como se poderia pensar, mesmo que se firme disfarçada dentro da
mentalidade do Estado laico.
Oro (2011), destaca que mesmo depois desse
processo, pode-se notar que a Igreja Católica ainda manteve lugar de destaque,
atuou na arena pública ao mesmo tempo em que não deixou de ocupar poder
político. Afora, em certos momentos históricos, a Igreja Católica recebeu
tratamento privilegiado, mais do que às outras religiões, sobretudo as
afro-brasileiras.
Acerca das religiões afro-brasileiras, pondera
Custódio (2015) que a trajetória destas surge a partir da proibição e a
imposição da religiosidade católica com a conversão forçada ao catolicismo, e
esses por sua vez mantiveram uma dupla ligação religiosa, o que deu origem ao
sincretismo religioso.
Acrescenta ainda o autor que para a sociedade
branca dominante, as RMA (Religiões de Matrizes Africanas) sempre estiveram
relacionadas com a feitiçaria e manifestações demoníacas, mais tarde,
relacionadas as praticas criminosas e, finalmente como índices de patologias
psíquicas.
Para Giumbelli (2008):
rompe-se com o arranjo que oficializava e mantinha a Igreja Católica; o
ensino é declarado leigo, os registros civis deixam de ser eclesiásticos, o
casamento torna-se civil, os cemitérios são secularizados; ao mesmo tempo,
incorporam-se os princípios da liberdade religiosa e da igualdade dos grupos
confessionais, o que daria legitimidade ao pluralismo espiritual (GIUMBELLI,
2008, p.80).
Enfatiza Beckfort (1999 Apud FONSECA 2011, p. 39)
que a realidade brasileira é caracterizada pela denominada forma fraca de
pluralismo, que segundo ele, não passa de uma concessão feita pelos
poderosos aos fracos, e sempre sob a ameaça de que essa pode ser perdida pelo
mais fraco a qualquer momento.
Considerando que o pluralismo é um fenômeno tardio,
tanto no Brasil quanto na América Latina, Stark e Bainbridge (1987, p. 124 Apud
FONSECA 2011, p. 43) destaca que a teoria da economia religiosa não entende ser
a demanda individual o motivo desse crescimento. Aponta, no entanto, que a
sociedade brasileira entra num novo momento do pluralismo, que é a busca pela
identidade religiosa.
Nessa nova perspectiva, a religião passa a ser
motivo de escolha (PIERUCCI e PRANDI, 1997, p.273), ou seja, adequa-se a
preferência e consequentemente a concorrência.
A Liberdade Religiosa no Período
Colonial (1500 a 1830)
O Período Colonial (1500-1822) foi marcado pelo
forte protagonismo da Igreja Católica. Segundo Ramos (2010), a origem do
processo de ocupação territorial da Terra de Santa Cruz, serviu, de certa
forma, as intenções da igreja católica. Conforme destaca Mary Del Priore e
Renato Pinto Venâncio (2001):
A religião dos descobridores foi trazida em suas caravelas para que as
novas terras descobertas pudessem receber a benção de Deus e sua infinita
proteção. Ao mesmo tempo, que esta proteção era invocada a Coroa Portuguesa
utilizava a religião como um instrumento de suma importância para o projeto
colonizador que veio a se desenvolver nas terras do novo mundo português. (MARY
DEL PRIORE e RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001 apud OLIVEIRA, 2008, p.9)
Isso resultou na declaração do Catolicismo como
religião oficial do Estado (FONSECA, 2011, p. 49). Durante boa parte do período
colonial, de acordo com Ramos (2010), todo o não católico era considerado um
inimigo em potencial da Igreja e a não aceitação da fé em cristo era considerada
uma afronta direta ao poder do rei, transformando-se numa motivação que
incentivou, dentre outros fatores, o extermínio dos indígenas, vistos como
pagãos e infiéis (RAMOS, 2010).
Azevedo (1976 Apud MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2008,
p.185) divide a atuação jesuítica na Colônia brasileira em duas fases
distintas, em que: na primeira fase, a atuação dos padres jesuítas pautou-se na
adaptação e construção de seu trabalho de catequese e conversão do índio aos
costumes dos brancos; enquanto que na segunda fase, a atuação dos jesuítas,
firmou-se em promover um grande desenvolvimento e extensão do sistema
educacional.
Ações do Padroado
Aponta Oliveira (2008, p.9) que “a chegada do
Evangelho nas terras do novo mundo marcou o inicio de um novo tempo, ou melhor,
marcou de fato o inicio do projeto de colonização”. Dá-se ênfase, nesse
período, a ação dos primeiros padres católicos, que se utilizavam da “santa
palavra” do Evangelho os portugueses iniciaram uma relação de intensa
exploração nas novas terras (OLIVEIRA, 2008, p.9).
Após 1530, segundo demonstra Oliveira (2008, p.9),
se intensifica o processo de colonização e consequentemente a fé católica. O
autor destaca ainda, que o movimento colonizador não detinha simplesmente os
objetivos mercantilistas, mas também motivos religiosos. Conforme se vê (MARY
DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001 Apud OLIVEIRA, 2008, p.9):
A religião era uma forma de identidade, de inserção no mundo. A
colonização das almas indígenas não se deu apenas porque o nativo era potencial
para a força de trabalho a ser explorada, mas, também, porque os índios não
tinham “conhecimento algum do seu criador, nem de coisas do céu”. Isso foi
fundamental para dar uma característica de missão à presença de homens da
Igreja na América portuguesa (MARY DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO, 2001
Apud OLIVEIRA, 2008, p.9).
O trabalho realizado pelos Padres Jesuítas ficou
conhecido como Padroado, que passou a exercer, primeiramente, seu poder
privilegiando a assistência religiosa aos colonos brancos e as práticas da
catequese dos nativos (OLIVEIRA, 2008, p.10).
O Padroado brasileiro tem suas origens no padroado
português, e as origens históricas do padroado remontam ao século IV, e foi
criado através de um tratado entre a Igreja Católica e os reinos de Portugal e
de Espanha. Nas palavras de Eduardo Hoornaert (1979, p. 163 APUD OLIVEIRA,
2008, p.11):
O direito do padroado dos reis de Portugal só pode ser entendido dentro
de todo o contexto da história medieval. Na realidade, não se trata de uma
usurpação dos monarcas portugueses de atribuições religiosas da Igreja, mas de
uma forma típica de compromisso entre a Igreja de Roma e o governo de Portugal.
Unindo os direitos políticos da realeza os títulos de grão-mestre de ordens
religiosas, os monarcas portugueses passaram a exercer ao mesmo tempo o governo
civil e religioso, principalmente nas colônias e domínios de Portugal (HOORNAERT 1979, p. 163 apud OLIVEIRA, 2008, p.11).
As relações de poder existentes naquele período
somente podem ser compreendidas, segundo Lima (2001. p. 115, apud OLIVEIRA,
2008, p.11), mediante entendimento do Padroado, pois a Santa Sé era consciente
da situação que incorria sobre a Igreja no Brasil e enviou os religiosos em
missão evangelizadora.
Essa representação acaba por impor valores pertencentes
a determinados grupos religiosos como alcance geral, que acabam por agredir ou
anular indivíduos que professassem fé diferente daquela, por tamanho ser o
poder do padroado, o que o fez resistir para além do período colonial
(CIARALLO, 2010, p. 86).
Além da assistência religiosa aos colonos e da
catequese aos nativos, o padroado estendeu sua influência na esfera pública
administrativa (FONSECA, 2011, p. 49), inclusive decidindo que podia e quem não
poderia exercer cargo público no governo. Nessa avaliação feita pelo Padroado,
um dos critérios de inserção nos cargos era o juramento de que era católico.
Além disso, o mesmo juramento era exigido, para exercer cargo de deputado ou
senador, segundo Barros (1995, p.330 apud Fonseca, 2011, p.49).
A origem de grande parte dos povoados brasileiros
dava-se em torno de um templo religioso, o que fazia da Igreja a primeira
representante do poder público a fazer-se presente nas localidades mais
distantes (SOUZA, 2008, p.128). O padre era visto como a primeira autoridade
capaz de mobilizar politicamente o povo e por isso acabava por assumir funções
que extrapolavam as tarefas de natureza religiosa, preenchendo posições
significativas dentro do Estado.
Ainda, nas palavras de Souza (2008, p.128) a igreja
era o centro da vida social em que a religiosidade se encontrava indissociável
da vida quotidiana. As festas do calendário litúrgico, as procissões, as
cerimónias religiosas que marcavam a vida do cristão, as missas, as confissões
e os cânticos, bem como as práticas de caridade cristã, pautavam a vida dos
colonos. Instala-se, portanto, nesse período, uma relação mais afinada entre
Igreja e Estado.
A relação entre a Santa Sé e o governo luso
estreitou muito após o Concílio de Trento (1545 - 1563), que iniciou o processo
da Contra Reforma, que segundo Hoornaert (1979, p. 135-6 Apud ROSADA, 2010,
p.23) moldaria inevitavelmente o Brasil conforme a carta ideológica e simbólica
desse credo. O autor destaca ainda, que, existiam dois motivos principais, para
isso: a forte fé católica dos portugueses e a intrincada relação da Igreja
Romana com o governo português.
Era comum, a presença do clero ainda se envolvendo
com vários problemas de natureza judiciária: atuava na resolução de desavenças,
testemunhava, controlava o movimento migratório interno anotando os
domicilianos nas paróquias, registrava doação, compra e venda de propriedades
(SOUZA, 2008, p.129).
Reformas Pombalinas na Educação
Por volta de 1750, conforme salienta Maciel;
Shigunov Neto (2006) a política e a administração portuguesa conheceram grandes
mudanças, que perduraram por vinte e sete anos. Trata-se do poder exercido por
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, ministro de Estado de
D. José I. As principais ações de Marquês de Pombal eram influenciadas pelo
Iluminismo, e por meio delas (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006), inicia uma profunda
reforma educacional, no sentido de transformar a metodologia eclesiástica dos
jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e laica.
Para Teixeira Soares (1961 Apud MACIEL; SHIGUNOV
NETO, 2008, p.184), as reformas elaboradas pelo Marquês de Pombal, em seu
mandato como Ministro, visavam transformar e adaptar a coroa e posteriormente a
colônia aos movimentos sociais, econômicos e políticos que estavam ocorrendo na
Europa do século XVIII. Porém, conforme salienta Fonseca (2011, 61), a
Companhia de Jesus (ordem religiosa fundada em 1534 liderados
por Inácio de Loyola) desagradavam Pombal por usufruírem de isenções fiscais,
além do fato de encontrarem oposição inclusive dentro da própria Igreja.
Expulsão dos Jesuítas
Em 1759, por meio do Decreto-lei de 3 de setembro
de 1759 promulgado pelo Rei D. José I, a Companhia de Jesus teve suas
atividades suspensas na Colônia brasileira a partir de então, além disso,
confiscava para a Coroa Portuguesa todos os seus bens materiais e financeiros.
Segundo Maciel; Shigunov Neto (2008, p.187), quando foi assinado o Decreto pelo
Marquês de Pombal, havia no Brasil 670 membros da Companhia de Jesus,
posteriormente, permaneceram no Brasil 253 membros, entre aqueles que ainda não
haviam recebido ordens ou os noviços que foram induzidos a deixarem a ordem
religiosa.
O processo de expulsão dos jesuítas e de
implantação das reformas Pombalinas, conforme salienta Maciel; Shigunov Neto
(2008, p.187), apresentam como característica marcante a total destruição e
substituição das antigas propostas pelas novas. Dessa forma, as reformas
educacionais propostas na organização escolar brasileira utilizam-se da
destruição e negação do que estava posto e introjetam novo paradigma.
Além das reformas educacionais, tornou-se marcante,
nesse período, a divisão dos grupos dos padres políticos, que Souza (2008,
p.130) convencionou chamar de “católicos liberais” e de “católicos
conservadores”.
Estes grupos tinham, em padre Antônio Diogo Feijó e
em Dom Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, suas
respectivas lideranças (SOUZA 2008, p.130). Feijó pode ser compreendido como
fruto de uma elite política e religiosa que, embora muito próxima do Estado,
não se prendia unicamente aos interesses deste, ao contrário, tinha sua
compreensão do mundo e da política pautadas, dentre outras coisas, por suas
convicções religiosas.
A primeira menção feita à liberdade religiosa,
mesmo que de maneira tímida, ocorreu logo no primeiro texto constitucional, conhecido
como a Constituição do Império (BRASIL, 1824, Art. 5º), seu texto foi
considerado conturbado, pois ensejava tentativa de que fossem respeitados os
direitos individuais, o que de certa forma, delimitava os poderes do imperador,
ao mesmo tempo em que trazia em seu bojo a proteção da Santíssima Trindade
acerca dos entendimentos constitucionais.
No entanto, já em seu art. 5º dizia:
“A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do
Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou
particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”
(BRASIL, 1824).
Esse trecho do texto constitucional deixa clara a
íntima relação de interdependência até então existente entre as duas instituições.
No Brasil colonial, como se vê, a liberdade
religiosa inexiste, conforme afirma Silva (2006, p.243): “[...] as demais
religiões eram apenas toleradas [...]”, o mesmo autor em outra obra (2001, p.
254) afirma que, em verdade, não houve no Brasil colônia a liberdade religiosa.
Nesse período, as outras denominações religiosas, a exemplo dos protestantes
(MANDELI, 2008, p.64), enfrentavam muitas dificuldades quanto a realização do
casamento civil, garantia dos direitos políticos plenos, acesso a educação e utilização
dos cemitérios, pois nos cemitérios oficiais só poderiam ser enterrados
católicos.
A importância, mesmo que limitada, dessa
constituição para o desenvolvimento da liberdade religiosa no Brasil ainda é
destaca por Mariano (2002, p.130), ao registrar que “por mais precária e
limitada que fosse a liberdade religiosa estabelecida na constituição de 1824,
não há como negar que ela possibilitou o ingresso e a difusão de novos grupos
religiosos no Brasil (...) e, com isso, provocou as primeiras fissuras no
secular monopólio católico”.
Vieira (2013) ilustra a precariedade da liberdade
religiosa, citando Eça de Queiroz (1979, p. 109) quando afirma que: “... o
protestantismo não é ali respeitado como um direito sagrado de consciência, mas
é suportado como um dos males que trás a necessidade de braços.”, fazendo
referência a realidade colonial brasileira.
Na constituição de
1824, em seu art. 91, era comum esse relacionamento, pois somente teria direito
a voto, os cidadãos brasileiros, que estavam no gozo de seus direitos
políticos, e os estrangeiros naturalizados. No mesmo sentido completa o art.
94:
Podem ser eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e
Membros dos Conselhos de Província todos, os que podem votar na Assembléia
Parochial. Exceptuam-se: I - os que não tiverem de renda líquida anual duzentos
mil reis (...); II - os Libertos; III - os criminosos (...)(CAMPANHOLE e
CAMPANHOLE, 1985, p.641).
A Carta de 1824 impedia o casamento entre não
católicos, sem direito a união civil, consequentemente estes indivíduos eram
marginalizados de uma série de outros direitos concedidos normalmente aos que
se estabeleciam junto à religião do Estado. Sobre isso assim se posiciona
Tavares Bastos (1976, pág. 94): Por amor da imigração protestamos contra a política
contraditória que repudia uma das mais nobres conquistas da liberdade moderna,
o contrato civil do matrimônio.
Conforme se observa, o texto constitucional de
1824, no art. 91 excluía de votar nas assembleias paroquiais, menores de vinte
e cinco anos, exceto os casados, os Oficiais Militares maiores de vinte e um
anos e os clérigos; os filhos-famílias, os criados de servir, os religiosos e
os que não tiverem renda líquida anual de cem mil réis. (CAMPANHOLE e
CAMPANHOLE, 1985, p.641)
No mesmo sentido, ainda previa no art. 95 (BRASIL,
1824 apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p.641), que:
Todos os que podem ser eleitores, são hábeis para serem nomeados
Deputados. Exceptuam-se: I - os que tiverem quatrocentos mil réis de renda
líquida (...); II - os estrangeiros naturalizados; III - os que não professarem
a Religião do Estado (BRASIL, 1824 apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985,
p.641).
Como se vê, caso o concorrente a deputado não fosse
católico, esse não seria nomeado, por ser contrário aquilo que preconizava a
Constituição do Império, sendo o poder político completamente condicionado pela
Igreja Católica Apostólica Romana (PIRES, 2015).
A relação existente entre Igreja e Estado
Português, que se consolidou com o decorrer do tempo, desde a Chamada
Reconquista da Península Ibérica. Porém, é durante o período denominado Grandes
Navegações que esse elo se estreita ainda mais (MOLEDO JÚNIOR, 2008), quando os
portugueses iniciam o processo de colonização no Brasil, cujo nome inicial
trará a marca da religiosidade católica arraigada no seio da sociedade
portuguesa (FAUSTO, 2011): Terra de Santa Cruz. Essa colonização contará com o
apoio do clero católico, presente desde o momento da chegada da esquadra de
Pedro Álvares Cabral.
Esse modelo de aliança será transplantado na
América Portuguesa pelo modelo do Padroado Régio: a Igreja tornava-se
departamento do Estado português, isto é, a própria Coroa Portuguesa era a
responsável por fundar paróquias, construir igrejas, organizar as missões, além
de pagar os salários dos religiosos. Dessa forma, o clero acabava por se tornar
submisso ao Estado, uma vez que na colônia, este era quem organizava a disposição
dos padres e bispos pelo território, dividindo inclusive as áreas de missão
entre as ordens religiosas (ORO, 2006).
Essa inter-relação entre Estado e Igreja perdurou,
alcançou em profundidade a estrutura social e religiosa latino-americana, em
especial a brasileira. Isso possibilitou, no caso brasileiro, tanto no passado
como atualmente, conforme demonstra Fonseca (2011, p.43) que: “O suporte
econômico por parte do governo em relação a instituições e organizações
católicas mina o bom funcionamento do mercado religioso, por conter um
concorrente que conta com subsídios depois de séculos de monopólio”.
Ainda, de acordo com o autor, essa interdependência ocasionou aquilo que ele
chama de “inércia cultural” decorrente do demorado processo de aceitação das
novas empresas religiosas.
A Liberdade Religiosa no Brasil Império
(1831 a 1889)
O período denominado Brasil Império foi
caracterizado por uma série de agitações políticas e sociais. Em 1834, com a
proclamação do Ato Adicional, que transformava a Regência Trina em Uma (SOUSA,
1957), pode-se afirmar que Diogo Antônio Feijó foi eleito pela Assembleia Geral
Regente do Império, tornando-se o primeiro chefe do Poder Executivo eleito na
história do Brasil, o cargo aproximava-se do atual cargo de Presidente da República.
Em 12 de outubro de 1835 foi empossado.
Como tentativa de conter os ânimos e
consequentemente retirar o caráter transitório do regime regencial, conforme
demonstra Zichia (2015) cogitou-se a antecipação da maioridade de D. Pedro de
Alcântara, até então com quinze anos, uma vez que esse era impedido
constitucionalmente de exercer sua autoridade.
Essa manobra consumou-se em junho de 1840 (ZICHIA,
2015) com a aprovação da Câmara, D. Pedro de Alcântara tornou-se o Imperador D.
Pedro II, esse ato ficou conhecido como o “Golpe da Maioridade”.
Após essa manobra, ressalta Zichia (2015), que “as
disputas tornaram-se sangrentas e o partido do governo utilizava-se de trocas
dos presidentes de províncias, substituições judiciais e policiais, para
controlar o país”. Essa foi segundo a autora a tônica desse período.
Porém Zichia (2015) destaca três pontos importantes
desse período. O primeiro deles diz respeito a questão da escravidão, que se
intensificou por meio do tráfico negreiro em decorrência da cultura cafeeira
tornar-se o centro da economia. Dessa forma, a medida que a economia do café se
intensificava, o mesmo ocorria com o tráfico negreiro. No entanto, com o
desenvolvimento do capitalismo, salienta a autora, foram sendo criadas as
pressões para o fim da escravidão.
O segundo ponto relaciona-se a “Questão Religiosa”,
pelo fato da declaração constitucional da Religião Católica como religião
oficial do Brasil, o que submetia o Estado ao Regime do Padroado. O destaque,
segundo Zichia (2015, p.67), ficou por conta da chegada de uma bula que
“condenava a maçonaria e interditava padres infiéis que nela permanecessem”. As
determinações da bula não foram obedecidas em decorrência da numerosa
quantidade de católicos filiados a maçonaria. Devido às pressões, D. Pedro II
anulou essas suspensões.
A tônica dos movimentos maçons invadiu o Brasil no
início do século XIX, que embebidos pelos ideais iluministas, período colonial
e início do império, tornaram-se de grande importância para os primeiros passos
rumo a liberdade religiosa. Conforme destaca Cordeiro (2008, p. 22) sempre
esteve presente nos fatos histórico-políticos da época, mesmo sofrendo muitos
ataques por parte da Coroa, já sopravam em direção a certa liberdade de
pensamento.
O terceiro ponto destacado se refere a “Questão
Militar” e por ultimo a Educação, cuja ideia era que fosse garantida a todos os
cidadãos, assim como a gratuidade da instrução primária. Quanto a liberdade
religiosa, reforça-se as palavras de Silva (2006, p.243): “[...] as demais
religiões eram apenas toleradas [...]” esta foi praticamente inexistente,
repercutindo a influência católica.
Durante o final do vigor da Constituição do Império
e início da Constituição da Velha República, ocorreu na Europa, mais
precisamente na chamada península itálica, no período de 1861 a 1929, a
denominada “Questão Romana”. Trata-se, segundo Rosa (2011) de disputa
territorial, em torno da unificação política da península, formada pelos
estados pontifícios, os quais tinham sido doados a Igreja Católica por Pepino,
o Breve, e que em 1861 foram tomados pelos italianos, porém restou fora da
anexação Roma que somente foi juntada em 1871, a qual passou a ser a capital do
reino da Itália, com isso a igreja perdia território e poder
político-religioso, funcionando apenas como um hóspede, uma vez que os governos
italianos em sua maioria eram anticlericais.
Não satisfeito com a perda o Papa Pio IX
declarou-se prisioneiro do governo italiano em 1870, tal comportamento foi
imitado pelos seus sucessores, assim iniciou a Questão Romana (ROSA, 2011).
Esse conflito entre o Reino da Itália e a Igreja
somente foi resolvido definitivamente em 1929, quando Benito Mussolini, por
meio do Tratado de Latrão, reconheceu a personalidade jurídica internacional da
Santa Sé com a criação do Estado da Cidade do Vaticano, porém esse
reconhecimento não representou um retorno da Santa Sé ao Poder Temporal tal
qual ocorria com os Estados Pontifícios (ROSA, 2011).
As pressões empreendidas pela Igreja Católica,
segundo Santos (2010) se dão, principalmente, em virtude da situação
concorrencial instalada em boa parte do mundo. Ressalta que no Brasil o
protestantismo esteve ligado às grandes transformações políticas e sociais
ocorridas. Conforme demonstra ainda, com a transferência da corte portuguesa para
o Brasil no fim do período colonial marca o fim da dominação religiosa
exclusivamente católica romana abrindo o Brasil à chegada dos protestantes.
Segundo Santos (2010), em 28 de janeiro de 1808,
com a assinatura do Edito Real, deu-se a abertura dos seus portos para “as
nações amigas”, entenda-se a Inglaterra, em troca da proteção dos navios
ingleses e de benefícios financeiros, sendo dessa forma introduzido no comércio
internacional, controlado predominantemente por países protestantes.
A Liberdade Religiosa durante a
República Velha (1889 a 1930)
O período chamado de República Velha (1889 - 1930)
foi marcado pela separação entre Estado e Igreja. Aliança que perdurou até o
início do século XIX (FERREIRA, 2013), pois, a partir de então, cresciam as críticas
acerca dessa relação. Esse movimento partia, segundo a autora, da busca dos
protestantes em conquistar a plena legalidade e liberdade religiosa no
Brasil.
Já em 1860, por meio do Decreto 119-A de 7 de
janeiro de 1890 (BRASIL, 1890 apud PIRES, 2015), que estabeleceu a separação
entre Estado e Igreja, com a extinção do padroado. Influenciado pelos ideais
liberais e positivistas, o texto constitucional de 1891 consagrou a separação
entre as duas instituições, ao mesmo tempo em que estabeleceu: a plena liberdade
de culto, o casamento civil obrigatório, a secularização dos cemitérios e da
educação.
O Ensino religioso escolar foi omitido do texto
constitucional republicano (BALEEIRO, 2001 apud FERREIRA, 2013), o que colocou
a Igreja Católica em posição de igualdade com as demais denominações
religiosas. Conforme o art. 72º, § 3º a 7º, da CF de 1891(BRASIL, 1891):
“§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer
pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observados as disposições do direito comum.
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será
gratuita.
§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela
autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos
respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral
pública e as leis.
§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá
relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou dos Estados”(BRASIL, 1891).
Estaria, portanto instituído o Estado laico, em que
o catolicismo deixava de ser a religião oficial do Brasil na chamada República
Velha.
Nessa época, salienta Celso Ribeiro Bastos (2000,
p. 213), havia liberdade de crença sem liberdade de culto. Segundo ele, nessa
época, o único culto admissível era o católico.
Rui Barbosa teve um papel fundamental no processo
de separação entre as Igrejas e o Estado e também na promoção da liberdade
religiosa, conduzindo o tratamento à temática de forma a evitar confrontos o
que foi refletido naquele diploma republicano, como afastamento do Estado em
face da questão religiosa (GUEDES SORIANO 2002,
p. 73 apud SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015, p.471).
Diante desse cenário, eis que surge a figura de Dom
Sebastião Leme, em 1920, no Rio de Janeiro, como arcebispo auxiliar do cardeal
Arcoverde, desponta como liderança do Episcopado, cujo desafio era fazer
emergir a recristianização no Brasil (BALDIN, 2009, p.02).
Esse retorno da Igreja Católica, por meio de Dom
Sebastião Leme, ao cenário político simbolizou expressiva liderança ao ponto de
fazer convergir para si liberais e ultramontanos, seu domínio foi capaz de
transformar os discursos católicos em prática (GABAGLIA, 1962 p. 61 apud
BALDIN, 2009, p.02).
Conforme acrescenta BLACKBURN(1992 apud BALDIN,
2009, p.02), a ação de Dom Leme, representou forte articulação, no sentido de
recriar um catolicismo presente em todos os poros da sociedade brasileira, sob
o intento de empreender uma forte presença nas massas para ganhar a adesão do
Estado.
O catolicismo difundido por Dom Leme é conservador,
reacionário e também predador, pois busca assumir todos os espaços lacunares de
anos de padroado, pois este, seguindo orientação, Dom Leme pensava que era
urgente impregnar, irradiar de religiosidade, símbolos e imagens católicos os
cultos, as festas, as instituições, as escolas, a imprensa, as forças armadas,
etc. (ROMUALDO DIAS 1996, p. 54 apud BALDIN, 2009, p.03), a qual se estenderia
por toda a Era Vargas.
A Liberdade Religiosa durante a Era
Vargas (1930 a 1937)
A Era Vargas, período compreendido de 1930 a 1937,
foi marcado, conforme destaca Zeferino (2015), pela ascensão de Getúlio Vargas
ao poder mediante a revolução de 1930. Além disso, caracteriza-se pela vinda à tona da Constituição de 1934,
marcada pelo tom nacionalizante e com importantes avanços nas questões
trabalhistas e reforçando a liberdade dos cidadãos.
Esta constituição apresenta um retrocesso no que se
refere a liberdade religiosa, por conter a volta da menção de Deus em seu
preâmbulo (REIMER, 2013 apud Zeferino 2015). Sobre a liberdade religiosa, assim
declara o texto:
É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre
exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e
aos bons costumes. As associações religiosas adquirem
personalidade jurídica nos termos da lei civil (REIMER, 2013, p. 60, apud
ZEFERINO 2015).
No entanto, pelo menos uma inovação pode ser
percebida, segundo Zeferino (2015), o culto está ligado ao crer, enquanto
expressão da fé. E o culto e demais expressões religiosas é também visto sob o
prisma da liberdade do cidadão. Contudo, religiões de matriz africana, por sua
forma de culto, muitas vezes incorreram em caso de polícia por não se adequarem
ao conceito de ordem pública e até bons costumes, estes também não tinham
o direito de se tornarem pessoas jurídicas, poderiam ser apenas sociedade
recreativas. Zeferino (2015) ainda destaca que nesse período surge a
possibilidade das igrejas se apresentarem diante da lei enquanto personalidades
jurídicas.
Tem-se como referência do período o trabalho de Dom
Leme não apenas contenta-se em catolicizar o espaço político, mas perenizá-lo
como um novo tempo histórico, diante da Ação Católica (1929) de Pio XI (DIAS,
1996 p.117 apud BALDIN, 2009, p.03).
Tanta foi a influência exercida pela Igreja
Católica, nesse período, que Getúlio Vargas, para não perder popularidade, se
vê forçado a prestigia-la atribuindo-lhe o papel de “Plasmadora da
nacionalidade brasileira”. Forte demonstração desse prestígio fica evidente,
diante do comunismo, padre Rossi sugeria até a confecção de um livro didático
no qual ficasse explícita a participação da Igreja na história do Brasil, sob a
alegação de que o comunismo destruiria a família, a pátria, a fé, traços
representativos da tradição histórica do mundo católico, e, portanto, tudo o
que fosse contra o Estado seria contra a Igreja (AZZI, 1980 p. 60 apud BALDIN,
2009, p.03).
Os desdobramentos da Ação Católica foram movimentos também chamados de
Pastorais, tais como a JAC (Juventude Agraria Católica), a JOC (Juventude
Operária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JFC (Juventude
Feminina Católica) e a JIC (Juventude independente Católica) que reuniu os
militantes não pertencentes às áreas sociais das demais organizações. A JUC
(Juventude Universitária Católica), esta última era um braço leigo da
estrutura da Igreja, submetido às suas regras. Tinha, em sua origem, um perfil
conservador e clerical, seu objetivo era cristianizar a futura elite do
país.
No entanto, foi no início da década de 1960 que
ocorreu a ascensão da JUC no movimento estudantil, por ocasião do seu congresso
de 10 anos, traduziu-se na conquista do comando da UNE. Nesse momento, aliou-se
com estudantes do PCB. A JUC funcionou como o tronco principal no
processo de origem da AP (Ação Popular) que
teve entre seus fundadores e militantes, Herbert de Souza, o Betinho, a figura
mais representativa, no Brasil. Desde os anos 60,
controlava 65% dos diretórios acadêmicos. A partir de 1961, elegera, sucessivamente,
Aldo Arantes, Vinícius Caldeira Brandt e José Serra para presidentes da UNE,
apoiada pelo PORT e pelo PCB. Preparavam a juventude para a "Revolução
Brasileira".
ela
vivenciou uma fase de estimulantes experiências pastorais que levou a
instituição eclesiástica a se envolver com os mais variados setores, segmentos
e classes sociais que surgiram com o processo de modernização social.
Durante a cerimônia de inauguração do monumento ao
Cristo Redentor, em seu discurso de encerramento, Dom Leme afirma categoricamente:
“Ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o Estado.”
(AZZI, 1978 p.64 apud BALDIN, 2009, p.05-06), esse discurso trazia a tônica de
enquadrar o Estado à causa da restauração católica. O principal objetivo de Dom
Leme era transformar o catolicismo no tutor da pátria em função do qual tudo
teria de se subordinar, inclusive o próprio tempo secular.
Como mecanismo de frear a influência deliberada de
Dom Leme, Vargas (BALDIN, 2009, p.07) usa todo o seu carisma e poder, agindo,
inclusive de forma pessoal e autoritária, para readquirir o poder. A exemplo
disso, vemos em Baldin (2009, p.07):
...Dom Leme é forçado a antecipar sua volta de Roma, onde recebera o
chapéu cardinalício, para mediar os conflitos envolvendo o Presidente
Washington Luís; lança a ação católica, um movimento para arrebanhar os leigos
de todas as partes do país; Artur Bernardes havia convidado Dom Leme para o
cargo de senador; cria a LEC como força motriz católica nas eleições; não
assina lista de solidariedade à revolta de São Paulo em 1932; Vargas saúda
imagem de Nossa Senhora junto com ministros, diplomatas e militares; funda
instituto católico de estudos superiores; cria a Confederação dos Operários
Católicos; voto das mulheres como sufrágio universal; intervenções sobre ensino
público etc. (BALDIN, 2009, p.07).
No entanto, mesmo Vargas agindo (BALDIN 2009,
p.07), Dom Leme não entra em confronto com ele, e embora as ações fossem sutis,
se mantém, muitas vezes, acima do que queria Vargas, este acostumado a
transformar anônimos em atores políticos. No entanto, mesmo ausente sua
influência persiste durante toda a chamada Era Vargas.
Enquanto enfrentamento a repressão empreendida, na
época, conforme salienta Oliveira (2014), a Igreja Católica, desde 1934, passa
a atuar politicamente através da Liga Eleitoral Católica (LEC), que s apropria
de sua capacidade de mobilizar os operários e passa a colaborar na montagem do
Projeto Sindicalista, ao mesmo tempo em que recomendava ao eleitorado católico
brasileiro a votar nos candidatos comprometidos com os interesses da Igreja.
Oliveira (2014) destaca que no Ceará a LEC passou a
utilizar todos os aparatos institucionais da Igreja Católica na tentativa de
orientar o eleitorado católico, que se utilizava dos meios de comunicação e do
contundente sermão de muitos padres nas diversas paróquias no nordeste.
Conforme se apreende em SOUZA (1995, p.336-337 apud Oliveira, 2014):
Através da imprensa católica (Jornal O Nordeste) a intelectualidade
católica cearense participa deste amplo movimento de mobilização da sociedade
civil cearense, veiculando um discurso político-religioso que contribui para
fortalecer a presença da Igreja Católica nas escolas, faculdades, movimentos
culturais, etc. Em 1933, esta intelectualidade, seguindo as pegadas de Jackson
de Figueiredo (líder católico conservador que morreu em 1828), funda em
Fortaleza o congênere do centro Dom Vital do Rio de Janeiro. No centro Dom
Vital o intelectual católico irá aprofundar-se nos estudos da Doutrina Católica
e, como trabalho futuro, deverá transmitir às massas estes ensinamentos.
(SOUZA, 1995: 336-337).
Ainda, por volta de 1934, a Igreja Católica, em
meio ao movimento de tentativa de retomada do seu posto de religião oficial do
Império, sinalizou (KOWALIK, 2009, p. 3 apud SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015,
p.474), essa retomada pautando-se em cinco significativas alterações no texto constitucional.
Dentre elas: 1ª - o próprio preâmbulo constitucional mencionava a confiança em
Deus para a promulgação daquele texto; 2ª - trouxe cláusula aposta ao texto de
vedação de subvenção oficial aos cultos e a aliança ou dependência, no entanto,
estabeleceu uma ressalva, no sentido de admitir no Brasil a cooperação entre
Estado e igrejas; 3ª - reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso;
4ª - permitiu a assistência religiosa em instituições públicas de internamento
coletivo, como hospitais, penitenciárias e instituições militares; e, 5ª - O
ensino religioso foi incluído no currículo escolar, porém de frequência
facultativa e seu conteúdo poderia ser regido pelas confissões religiosas dos
pais dos alunos (ZEFERINO, 2015).
A reintrodução do ensino religioso, conforme mostra
Oliveira; Ferreira (2015, p.80), representou importante instrumento de
mobilização das massas através da educação. Por conta disso, diante da ameaça
laicista, houve forte incentivo aos professores católicos para que cursassem o
curso normal e posteriormente prestassem concurso público, para assim pudessem
recatolizar a cultura escolar republicana laica.
A alteração acerca da oferta do ensino religioso
provocou forte oposição dos protestantes, maçons, espíritas e da imprensa
(SIQUEIRA; WOLKMER; PIERDONÁ, 2015, p.475). Mesmo com toda a pressão feita
pelas diversas denominações religiosas, Getúlio Vargas permitiu o ensino
religioso nas escolas mediante um decreto de abril de 1930.
Segundo Lenza (2010, p. 101-102) a religião católica
foi mantida como a religião quase-oficial, "O país continua leigo, laico
ou confessional, sendo inviolável a liberdade de consciência e de crença e
garantindo o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham
na ordem pública e aos bons costumes". Para Mariano (2001, p. 145), a
religião católica ostentava o status de religião “quase-oficial” do país.
Em um segundo momento, não menos importante da Era
Vargas, foi destacada pela outorga da Constituição de 1937. Esse movimento se
deu segundo Zeferino (2015) com o fechamento do Congresso e a instauração da
ditadura de Vargas surge a Constituição do chamado Estado Novo em 1937.
A Liberdade Religiosa durante o Estado
Novo (1937 a 1945)
Durante esse período, conhecido como Estado Novo
(PIRES 2015) houve uma verdadeira ausência constitucional, em diversos
aspectos. O que significou que a constituição não era seguida, em muitos casos.
O mesmo ocorria a respeito da liberdade religiosa, por ora conquistada, que
embora não tenha sido mencionada no texto constitucional foi amplamente
cerceada. Questões como assistência religiosa em estabelecimentos oficiais e
expedições militares; eclesiásticos no serviço militar ou casamento religioso
sequer foram tratados.
Esta fase foi marcada pelo poder centralizado ao
executivo, cujo intuito, segundo Zeferino (2015) era defender a nação das
ameaças comunistas. Mas, acerca da liberdade religiosa o texto constitucional a
suprimiu, porém, a questão da liberdade de consciência e crença, o que reflete
o contexto totalitarista do texto. Houve a primazia da questão da ordem e dos
bons costumes o que poderia representar instrumento de restrições a liberdade
religiosa de alguma religião.
Assim, as alterações preambulares (CARLOS JUNIOR, 2011), mormente as operadas nas Constituições de 1891 e
1937, demonstram que o teísmo (a crença literal na existência de Deus)
insculpido, refere-se ao Estado, o que não significa reunir o mesmo valor da
sociedade ou religiosidade do povo. Um exemplo disso é o fato de que no
intervalo de três anos entre as Constituições de 1934 e o de 1937, a sociedade
brasileira aparentemente teria perdido sua confiança em Deus. O que seria
improvável. Sendo retomado após quase nove anos (setembro de 1946). Desse modo,
apenas nestas duas Constituições (1891 e 1937) o Estado não se revelaria
Religioso.
Acrescenta Pires (2015) que o Estado Religioso é um
modelo de Estado com uma única religião oficialmente reconhecida que, por
vezes, também é conhecida como Religião de Estado, este possui um sistema de
governo onde a autoridade política é exercida por pessoas que se consideram
representantes de Deus na terra.
Ao se comparar a Constituição de 1934 com a de
1937, neste primeiro caso, observa-se um retrocesso quanto a liberdade
religiosa. Nesse sentido proíbe que o Estado tenha relação de aliança ou
dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca
em prol do interesse coletivo (ART. 17, II CONSTITUIÇÃO DE 1937 apud TERAOKA,
2010, p.117)
A partir da redemocratização do país observou-se o
restabelecimento do vínculo entre Estado e Igreja, isso representou grande
avanço. Embora o Estado Laico tenha sido reafirmado a liberdade de expressão e
a liberdade de consciência, de crença e de culto religioso foi condicionado a
existência da religião à ordem pública e aos bons costumes (PIRES 2015).
A Liberdade Religiosa durante o Período
Democrático (1945 a 1964)
Durante o chamado Período Democrático, a inovação
trazida pela carta constitucional de 1946 se dá quanto à vedação dos entes
federados lançarem impostos sobre templos de qualquer culto. Abria a
possibilidade das organizações religiosas adquirem a personalidade jurídica dos
termos da lei civil. Nessa época foi
mantida à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a proibição
de estabelecerem, subvencionarem ou embaraçarem cultos religiosos. No entanto,
não há previsão expressa do Estado manter “relação de aliança ou dependência
com qualquer culto ou igreja” (TERAOKA, 2010, p.118).
Quanto aos direitos e garantias individuais
(RACHEL, 2012), assegurava o livre exercício dos cultos religiosos, com
o adendo: “salvo os dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes”.
Previa ainda a “escusa de consciência”, estabelecendo obrigação alternativa
àqueles que se recusassem cumprir obrigação a todos imposta por meio da lei,
tendo como justificativa impedimento religioso.
Além disso, (RACHEL, 2012, p.1) os cemitérios
poderiam ser seculares (administrados pelos municípios) ou mesmo confessionais
(administrados pelas entidades religiosas), porém as organizações religiosas
poderiam realizar seus ritos religiosos nos cemitérios administrados pelos
municípios.
De acordo com Rachel (2012, p.1) fixou-se a
previsão da assistência religiosa aos militares e aos internados em habitações
coletivas, porém, podendo ser prestada apenas por brasileiros. Houve a previsão
de extensão dos efeitos civis ao casamento religioso. Além disso, garantiu-se a
instituição de descanso remunerado em dias de feriados religiosos.
A Carta de 1946 (BRASIL, 1946), acerca do Ensino
Religioso, assim previa:
Art. 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
(...)
V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais,
é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão
religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu
representante legal ou responsável;
Conforme se observa, a Constituição de 1946 reatou
os laços abalados pelas constituições de 1891 e 1937, mas avançou bastante
quanto aos direitos fundamentais de liberdade de consciência e liberdade
religiosa, revalidando o casamento religioso com efeitos civis, garantindo à
família monogâmica e heterossexual proteção especial por parte do Estado.
A Liberdade Religiosa durante o Regime
Militar (1964 a 1985)
O período ditatorial foi marcado, conforme pondera
Dias; Silva (2012), pela cassação de direitos políticos; repressão aos
sindicatos e a movimentos sociais de oposição; censura aos meios de comunicação
e a artistas; Implantação do bipartidarismo; enfrentamento militar dos
movimentos de guerrilha contrários ao regime; uso de métodos violentos aos
opositores do regime; milagre econômico.
Diante das perseguições políticas e da negação dos
valores humanos, a Igreja Católica mostravam-se sensíveis às possibilidades de
transformações sociais e na mesma época começaram a aparecer grupos ligados à
esquerda (SILVA, 2001, p.45 apud DIAS; SILVA, 2012).
No que se refere a religião, o destaque se faz a
disputa entre católicos que fazem a chamada “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” e aqueles que apoiam o golpe sob o temor de ataques comunistas.
Enquanto que outros cristãos são adeptos da Teologia da Libertação (DIAS;
SILVA, 2012).
Segundo o mesmo autor Ridenti (1993: 151 apud DIAS;
SILVA, 2012), se é verdade que a alta hierarquia da Igreja Católica deu apoio
ao golpe de 1964, também é sabida a crescente resistência de religiosos e sua
consequente ligação com as lutas das esquerdas brasileiras.
Pois quando ocorreu o golpe, as autoridades mais
influentes dentro da Igreja católica no Brasil, inicialmente, apoiaram a
intervenção militar na política acreditando que o governo do presidente
deposto, João Goulart, fosse uma séria ameaça à ordem social vigente devido a
suas inclinações supostamente esquerdistas e revolucionárias. No entanto, com o
passar dos anos, ficou cada vez mais evidente que os militares não desejavam
transferir, como era esperado, o poder para os civis, que aos poucos foi se
transformando, numa ditadura altamente repressiva que amordaçou a sociedade e
começou a eliminar, através de prisões, torturas e assassinatos, todos os focos
de oposição.
A Igreja continuava aprofundando sua influência
junto a sociedade, e diante da postura ditatorial do governo, os seus membros
da Igreja também se transformaram em alvos da repressão policial, por
assumirem, em muitas situações, uma postura mais crítica com relação aos
governos militares, opondo-se veementemente à tortura e à violência repressiva.
O que a deu a Igreja caráter atrativo junto a diferentes grupos e setores
sociais que também estavam sendo vítimas da repressão policial.
Enquanto tentativa de legitimar-se junto a
segmentos expressivos de uma parte da sociedade que se sentia ameaçada por um
suposto avanço do comunismo, do sindicalismo e da corrupção o golpe de 1964
(SILVA, 2001, p.45 apud DIAS; SILVA, 2012), buscou suporte civil que vinha do
empresariado nacional e multinacional, das oligarquias rurais, de setores das
classes médias, da grande imprensa, de instituições religiosas e de
profissionais liberais, até mesmo de alguns trabalhadores.
Porém, como destaca Marcelo Ridenti (2014, p.05):
Alguns setores da sociedade civil, sobretudo das classes médias que
haviam dado apoio inicial ao golpe, foram-se desencantando com o progressivo
fechamento político, associado à recessão econômica entre 1964 e 1968. Esta
situação, somada às denúncias de desrespeito aos direitos humanos de
oposicionistas presos, levou a maior parte da Igreja Católica a retirar seu
apoio ao regime, constituindo-se nos anos seguintes em um dos principais focos
de oposição
Sob a égide do regime militar, praticamente não
alterou a orientação da constituição anterior no que se refere a liberdade
religiosa. Garantia, no Capítulo intitulado “Dos Direitos e Garantias
Individuais”, que todos são iguais perante a lei sem distinção de credo
religioso. A novidade (PIRES, 2015) ficou por conta da dispensa dos
eclesiásticos de participar do serviço militar obrigatório, permitiu inclusive
que esses militares ascendessem ao poder ao ponto de tornarem-se uma força cada
vez mais distante da moral religiosa cristã.
Embora houvesse a previsão expressa de colaboração
entre o Estado e as organizações religiosas, no interesse público,
especialmente nos setores educacional, assistencial e hospitalar, são mantidas
as proibições para o Estado em estabelecer, subvencionar ou embaraçar o
exercício de cultos religiosos (PIRES, 2015).
O Estado não poderia estabelecer culto religioso
que, segundo Pontes de Miranda (apud SILVA, 2008, p. 251), representa a vedação
ao Estado em criar religiões ou seitas, ou mesmo fazer igrejas, ou mesmo
instituir postos de práticas religiosas ou realizar propaganda desta ou daquela
denominação religiosa. Subvencionar, se refere, a vedação do Estado em
concorrer com dinheiro ou outros bens da entidade estatal para que se realize a
atividade religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou dificultar,
limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou
manifestações relacionadas ao pensamento religioso.
Foi mantida a previsão feita pela constituição
anterior acerca da “escusa de consciência” o que ensejava inclusive a perda dos
direitos políticos nos casos de recusa, por convicção religiosa, de cumprir
encargo ou serviço imposto por lei (RACHEL, 2012, p.1). Foi reafirmada a
liberdade de consciência e o exercício de culto religioso, “desde que estes não
contrariassem a ordem pública e os bons costumes” (PIRES, 2015).
Assegurou-se a previsão da assistência religiosa,
prestada por brasileiros, às forças armadas e nos estabelecimentos de
internação coletiva (RACHEL, 2012, p.1). Além disso, manteve-se protegido o
repouso remunerado, nos feriados religiosos; o casamento religioso de efeitos
civis; o ensino religioso facultativo, bem como a imunidade tributária, no
tocante aos impostos, dos “templos de qualquer culto”.
A Liberdade Religiosa durante a Nova
República (1985 aos dias atuais)
A partir da “Nova República”, o período
imediatamente posterior a Ditadura Militar, que compreende 1985 aos dias
atuais, é caracterizada pela superação da exceção das liberdades fundamentais e
de perseguição a opositores do poder (EMERSON SANTIAGO, 2011). Justamente pela
repressão sofrida, durante o período ditatorial, surge na sociedade brasileira
o desejo de iniciar uma nova fase do governo republicano, com eleições diretas,
além de uma nova constituição que contemplasse as aspirações de todos os
cidadãos.
Papel de destaque é dado a Constituição Federal de
1988, que em seu art. 5º, nos incisos VI, assegura ser inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo, assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias (BRASIL, 1988, Art. 5º, VI). Trata-se de um preceito fundamental
(CUNHA JUNIOR, 2015). É possível se visualizar uma extensão dessa previsão nos
incisos VII e VIII do mesmo artigo e em outros artigos ao longo da CF/88, que
também resguardam o direito de manifestação da expressão religiosa fruto de um
processo evolutivo que busca a plenitude da vivência religiosa dentro dos
diversos credos em solo brasileiro.
No terreno da liberdade religiosa, deu-se espaço
para múltiplas manifestações que envolvam a religiosidade. Inclusive deu
abertura para a manifestação daqueles que não professam nenhum credo, ou mesmo
que acreditam em algo diferente do que já está posto (RACHEL, 2012). Legitimando-se aquilo que Rachel (2012) chama de
“direito ao ateísmo”, a ideia é a não interferência do Estado na Liberdade
Religiosa como uma tentativa de garantir que nenhum indivíduo terá o seu
direito de crença, ou mesmo de não professar crença alguma,
desrespeitado.
De modo geral, a CF/88 é o resultado de processos
evolutivos das conquistas dos direitos humanos, ao longo dos anos, que são
orientados em prol da liberdade, igualdade e fraternidade defendidos pelos
ideais da Revolução Francesa (OLIVEIRA, 2010, p.57).
A liberdade de religião e de opinião é um direito
humano fundamental, plenamente disposto no texto constitucional de 1988, que
traz um elenco de outros desdobramentos dessas liberdades, tem-se incluída a
liberdade de não seguir nenhuma religião, ou até mesmo de não ter opinião sobre
a existência ou não de Deus (denominados agnósticos e ateus). Trata-se,
portanto de liberdade posta diante de todas as ideias e principalmente
seguimento do próprio ser humano. Assim, (PIRES, 2015) a liberdade de religião
nada mais é que um desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos,
adotada por 58 Estados membros do conjunto das Nações Unidas, em 10 de dezembro
de 1948, define a liberdade de religião e de opinião em seu artigo 18 (ONU,
1969), onde dispõe, que:
Art. 18 - Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou
em particular (ONU, 1969).
A Constituição Federal de 1988, seguindo os
preceitos da Declaração de 1948, em seu preâmbulo, faz alusão a Deus (a Carta é
promulgada "sob a proteção de Deus"), entretanto sabe-se que esse
texto preambular não representa dispositivo legal, mas retrata os preceitos
religiosos herdados historicamente pelo constituinte originário.
A diante, o mesmo texto constitucional no Art. 19,
I da CF (BRASIL, 1988) veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança (...)". Desse trecho se extrai o
princípio do Estado laico em que se faz a necessária e desejável separação
entre Estado e religião no marco do estado democrático de direito.
Ao longo do texto constitucional, observa-se uma
série de dispositivos que caminham no mesmo sentido, a fim de garantir o
princípio da liberdade religiosa e de consciência. O exemplo disto, a CF/88 em
seu art. Art. 5º, VI, prevê que o Brasil é oficialmente um Estado Laico, por
dispor que:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988, art. Art.
5º, VI).
Essa ponderação constitucional integra a ideia de
que a laicidade do Estado pressupõe a não intervenção da Igreja no Estado.
O inciso VII, do mesmo art. 5º (BRASIL, 1988, Art.
5º, VII), assegura, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva. Na mesma linha segue o
inciso seguinte dispondo que ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei.
Outra herança das constituições anteriores, mais
precisamente da constituição de 1967 e posteriormente pela EC nº 1 de 1969, é o
Art. 150, VI, “b” que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios instituírem impostos sobre templos de qualquer culto. O destaque que
se faz neste tópico, § 4º do art. 150, aborda as vedações expressas no inciso
VI, alíneas b e c, (BRASIL, 1988) em que compreendem somente o patrimônio, a
renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades
nelas mencionadas.
No campo educacional, o art. 210 §1º da CF/88
(BRASIL, 1988) dispõe que as escolas públicas de ensino fundamental ofertarão o
ensino religioso, e que este é disciplina facultativa, sendo ela inserida nos
horários normais escolares. Considerando a proteção constitucional dada a
liberdade religiosa há a possibilidade de mudança de credo considerando a
preferência pessoal do indivíduo, assim como há a liberdade de formação de
novos grupos religiosos, assegurando-se, inclusive espaço para o sincretismo
religioso. Nesses moldes é garantido ao indivíduo construir sua própria
identidade religiosa sem qualquer interferência estatal (FONAPER, 2014, p. 96 -
97).
No tocante ao que prevê o art. 213 da CF/1988
(RUSSAR, 2012, apud BRASIL, 1988), que garante que os recursos públicos
serão destinados às escolas públicas, no entanto, abre possibilidade de que
estes sejam dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas
que sejam definidas em lei, mas que comprovem finalidade não-lucrativa e
apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de
seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
Conforme Russar (2012 apud TERAOKA, 2010), a assistência estatal dada à
atividade educacional desenvolvida pelas entidades religiosas, no entanto,
estas precisam comprovar a finalidade não-lucrativa, o texto constitucional não
esclarece quais entidades religiosas assistiria. Mesmo assim, observa-se que há
uma proximidade bem alinhavada entre estado e religião.
Outro importante reflexo das passagens históricas é
o casamento religioso com efeitos civil. O artigo 226, parágrafo 2º, (BRASIL,
1988) assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
Diferentemente do que pregava a constituição de 1891 que só se admitia o
casamento religioso, como aquele em que se legitimava uma união matrimonial
(RACHEL, 2012, p.1), na constituição de 1988 essa previsão apenas permite ao
casamento religioso como uma opção, não inferior ao casamento civil, para a
aquisição dos reflexos civis.
Quanto aos feriados religiosos, a Constituição de
1988 assegurou a sua instituição (RACHEL, 2012, p.1). Inclusive garante, no que
tange as relações trabalhistas que esses sejam remunerados, essa atitude do
legislador também deixa transparecer que mesmo havendo uma proteção ao Estado
Laico, a relação entre Estado e Igreja aparenta não ter se perdido.
O que se verifica como esses dispositivos
constitucionais é que embora a Constituição
brasileira de 1988 tenha afiançado a liberdade
religiosa esta é apenas um desdobramento da liberdade de pensamento e
manifestação (RACHEL, 2012, p.1), sendo, portanto classificada como um direito
fundamental, ou seja, um direito que pertence a cada indivíduo.
A influência religiosa também é observada quanto a
instituição dos feriados santos católicos no calendário histórico-cultural
brasileiro (LENZA 2015, p.1177). A resposta para o questionamento da
instituição dessas datas no calendário é a justificativa quanto ao caráter
histórico-cultural.
O simbolismo religioso católico também é
representado na frequente utilização de crucifixos e outros objetos tipicamente
cristãos nas repartições públicas. A esse respeito diversas ações têm sido
propostas para que sejam retirados dos espaços públicos esses ícones pontuais
da manifestação religiosa cristã. Atualmente conforme dispõe Lenza (2015,
p.1178) o entendimento para a permanência desses símbolos é a ideia do
simbolismo cultural. Porém, corroborando com o autor, é de se ressaltar que
essa justificativa não se mostra convincente.
O mesmo ocorre com as concessões de Rádio e
Televisão dado a determinados grupos religiosos. A concessão é permitida pela
atual constituição no seu art. 223, no entanto, segundo Scorsim (2009, nº
2257):
(...) as igrejas devem estar enquadradas no setor público não estatal da
radiodifusão. Não podem lucrar com a atividade de radiodifusão. Elas, a
princípio, podem manter televisões educativas, mas jamais televisões comerciais
(SCORSIM, 2009, nº 2257).
Conforme demonstrado (SCORSIM 2009, nº 2257), não
há dúvida de que, os grupos que detêm concessão de transmissão de Rádio e/ou
Televisão possuem maiores chances de atingir um maior número de fiéis,
diferentemente daqueles que não as detém. Essa prática sem dúvida viola o
princípio da isonomia, bem como o Estado Laico e Liberdade Religiosa das outras
expressões religiosas.
Outra manifestação que gera bastante polêmica é a
expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de dinheiro nacional. Sobre o tema,
posiciona-se Lenza (2015, p.1180) no sentido de que essa expressão não
representa afronta ao Estado Laico, por entender que o Estado é leigo e não
ateu. É de se pontuar, que divergindo desse posicionamento, o Estado, no que se
refere ao respeito ao exercício da Liberdade Religiosa deve zelar pela garantia
do exercício da liberdade como pertencente a todos sem exceção, sendo,
portanto, plenamente compreensível que se trate de forte afronta ao Estado
Laico, sim, pois, com essa postura apaga-se a existência daqueles que se
utilizam dessa moeda, mas que não professam a crença em deus.
Bastante curiosa é a postura adotada acerca da
imunidade religiosa, quanto a instituição de impostos sobre templos de qualquer
culto. Está prevista na Constituição Federal de 1988, no art. 150, VI, “b”.
Essa previsão tem como propósito impedir que o Estado se aproprie do seu poder
de tributar para embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos ou igrejas,
conforme predispõe o art. 19, I da CF/1988. De acordo com Lenza (2015, p.1178)
essa imunidade não deve abranger só os prédios destinados ao culto, mas também,
o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades da instituição
religiosa.
Reis e Almeida (IN: SILVEIRA; MORAES JÚNIOR, 2015,
p.214-215) destacam que “no decorrer de 1990 e 2000, alguns deputados estaduais
e federais conseguiram se eleger com apoio do eleitorado carismático e tiveram
importante atuação na arena parlamentar” que serviram para beneficiar os membros
da Renovação carismática.
Embora a justificativa constitucional seja no
sentido de proteger a liberdade religiosa, aponta Puff (2016) que, o que se
observa na prática é a proteção pontual a algumas instituições. É amplamente
observada a proteção a alguns movimentos legitimados a ponto de receber
favorecimento em suas práticas, valendo-se dos espaços públicos, enquanto que
outros são renegados, a exemplo das religiões de matrizes africanas que até
hoje sofrem para que sejam reconhecidos os espaços para a prática dos seus
cultos.
A RELAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA COM O
ENSINO (RELIGIOSO) NO AMAPÁ
A criação do Território Federal do Amapá, conforme
salienta Oliveira: Ferreira (2015, p.75), está diretamente relacionada aos
interesses da segurança nacional durante a Segunda Guerra Mundial, escolhido
estrategicamente devido a sua posição geográfica no norte do Brasil. Outro
interesse girou em torno das reservas minerais de manganês.
Destaca ainda Oliveira; Ferreira (2015, p.76) que o
projeto de desenvolvimento do TFA foi além do aspecto econômico e militar.
Pautou-se também no desenvolvimento sócio-cultural na região conduzido pelo,
então, primeiro governador do Território Federal Janary Gentil Nunes, em
1944.
As intervenções propostas por Janary ocorrem a
partir de 1945, conforme apontam Oliveira; Ferreira (2015, p.76-77) cujo plano
de governo era “Sanear, Educar e Povoar”, para assim elevar o nível moral do
caboclo pela educação.
A preocupação do governo Janary Nunes era “elevar”
o nível moral do caboclo por meio da educação. Essa medida visava torná-lo
“economicamente útil e socialmente aceitável”. Segundo Oliveira; Ferreira
(2015, p.76), as novas aspirações amazônicas visavam traziam o argumento de
integrá-la nacionalmente.
Para concretizar as mudanças almejadas, Janary
realizou algumas alianças. No campo educacional, uma das alianças estabelecidas
foi com a Igreja Católica que, refletindo a tendência do Governo Federal,
utilizou-se da disciplina Ensino Religioso, como “um instrumento moral de
formação para a juventude, uma estratégia de cooptação da Igreja e uma arma
contra o liberalismo” (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 77). Essa reordenação
proporcionada pelo governo do território afinou as relações entre o Estado e a
Igreja. Na realidade, o que ocorreu, segundo as autoras foi a repetição das
estratégias já adotadas, a nível nacional, por Getúlio Vargas para ascender ao
poder.
A partir de então, a Igreja Católica passou a fazer
uma série de adequações no seu quadro eclesiástico. Substituiu a Congregação
dos Missionários da Sagrada Família pelos missionários do PIME (Pontifício
Instituto das Missões Estrangeiras), cujo dinamismo apresentava maior
abrangência pelo número de padres, missas e dos sacramentos realizados
(OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 77-78).
Pondera Lobato (2013, apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015,
p. 78) que:
O clero também colaborou neste processo, promovendo construção de
igrejas e demais prédios para a estruturação da diocese: igreja de Nossa
Senhora da Conceição (1950-1954), prédio sede da Prelazia de Macapá (1950-1960),
prédio do Pensionato de São José de Macapá (1950-1960), capela Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro (1958), Hospital São Camilo (1960-1965), Igreja Nossa Senhora
de Fátima (1963-1965), igreja São Benedito (1963-1964), igreja Sagrado Coração
de Jesus (1964), Capela São Pedro (1964); dentre outras. (LOBATO 2013, apud
OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 78)
Oliveira; Ferreira (2015, p.78) apontam outros
instrumentos de propagação da ideologia católica, dentre eles estão: a fundação
de diversas escolas e do Jornal A Voz Católica, que passara a divulgar as
atividades paroquiais e a exercer a orientação educacional, aliado ao governo
Janary Nunes no sentido de formar uma sociedade voltada para o trabalho. Além
disso, a Igreja Católica passou a atuar junto ao povo dando assistência
religiosa, ao mesmo tempo em que exercia a vigilância por meio das homílias nas
missas e da elaboração do periódico a Voz Católica.
A aliança estabelecida entre a Igreja Católica e o
Estado, favoreceu a ação da Igreja por meio do PIME. Seus primeiros membros a
chegarem, ao Amapá (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 82), foram: Attílio Garré,
Giuseppe Maritano e Aristides Piróvano. Este último, após passar uma temporada
no sudeste brasileiro, veio para o, então, Território Federal do Amapá, a convite
do bispo de Santarém, Dom Anselmo Pietrulla. Somaram-se a ele outros
missionários que chegaram ao Brasil em navios mercantes fretados pelo governo
brasileiro. Ao chegarem ao Amapá, os clérigos foram recebidos por missa
acompanhado por um coro de professoras junto de várias autoridades, inclusive
de Janary Nunes.
Na lida missionária católica, os padres perceberam
que a rotina evangelizadora não seria fácil, conforme exposto em depoimento
concedido a Gheddo (2000 apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 84), Angelo Bubani,
um dos missionários atuantes no Território, fez a seguinte ponderação:
A nossa vida - diz Bubani - foi uma viagem constante, remo ou vela
barco, a cavalo, a pé, para visitar as comunidades dispersas. Um de nós foi em
torno de um mês depois, ele voltou para casa para descansar e começou outro
missionário. Ele comeu quase só a farinha de mandioca e peixe. A nossa paróquia
foi prorrogada 40.000 km quadrados, chegamos a ter 40 escolas nas quais se
ensina catecismo. A gente era muito religiosa e queria o sacerdote, mas só
éramos dois. (Gheddo, 2000 apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 84)
Todas as ações católicas, conforme ressalta
Oliveira; Ferreira (2015, p.78), eram registradas nos livros do Tombo da
Prelazia de Macapá e arquivadas na Cúria Diocesana de Macapá.
Aristides Piróvano, sobre sua ação evangelizadora,
relata que a carência espiritual de grande parte dos habitantes que
declararam-se católicos está no fato de que a sua religião foi reduzida ao
batismo dado em família e alguns festivais religiosos, realizados uma vez por
ano, em virtude da visita sacerdotal.
Consta, ainda, nos registros paroquiais, a
preocupação com grupos religiosos concorrente, tais como: maçonaria,
Espiritismo e evangélicos, sob as quais a Igreja Católica reforçava a
vigilância, bem como o uso dos seus instrumentos de propagação das ideias
católicas. Em paralelo aos instrumentos de difusão das ideias e práticas
católicas, foi lançado para circulação um “Bilhete Protestante”, que
identificava o Protestantismo, o Espiritismo, o Comunismo, a promiscuidade e a
imoralidade como opositores ao catolicismo e por isso deveriam ser combatidos e
extirpados, conforme se vê em Oliveira; Ferreira (2015, p. 86):
O discurso do A Voz Católica, agindo em confluência para com a
política do Estado, teve por objetivo, tanto na veiculação e assimilação quanto
na sua realização através da ação direta dos padres, formar uma sociedade
estruturada em torno do trabalho. Para tanto, não é à toa que os articulistas
do jornal sempre divulgavam e elogiavam o papel dos oratórios festivos e dos
colégios, pois a educação dos leigos seria de fundamental importância na
formação de trabalhadores cônscios de suas obrigações e responsabilidades,
afastados do comunismo e do protestantismo manter-se-ia a unidade do rebanho de
Cristo (sociedade) e a harmonia entre as classes. (Oliveira, 2011, apud OLIVEIRA;
FERREIRA 2015, p. 86)
Diante da constante ameaça religiosa concorrente (OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 86), A Voz Católica
“reforçava a argumentação sobre a necessidade de existência das escolas
católicas e justificava seu papel relevante perante a sociedade e o Estado”.
A preocupação concorrencial era tamanha que,
segundo Oliveira; Ferreira (2015, p. 87), Piróvano em carta dirigida ao Vigário
Geral da Prelazia prefere que em vez de construção de torre da Igreja,
primeiramente sejam construídas Escolas e Oratórios. Dessa forma, tudo indica
que a educação era vista como fundamental para a difusão da fé católica.
Mediante a reunião de esforços da Igreja e do
Estado, uma série de obras sociais são levantadas, conforme se vê:
Em 1948, os missionários encontraram no Amapá uma igreja, a Catedral de
Macapá; em 1964 havia fundado dez freguesias com igrejas alvenaria e dois
padres para cada (três para Amapá muito extenso), mais de 57 capelas e 118
subestações com capelas em construção (17). Além disso, as estruturas da
Prelazia de caridade e do bem-estar: 9 escolas de ensino fundamental (com 1.570
alunos e 1.159 alunos), outros oito escolas (secundárias e começar a trabalhar,
com 130 alunos e 340 alunos), sete clínicas médicas (com 31 mil consultas por
ano) , um jardim de infância (com 25 crianças), uma escola industrial (confiada
aos irmãos do PIME), a tipografia e a biblioteca católica St. Joseph (que
ajudou a despertar nas pessoas, até mesmo o mais simples, o desejo e gosto da
leitura); e uma dúzia de oradores paróquia. (GHEDDO, 2000, apud OLIVEIRA;
FERREIRA 2015, p. 86)
A subvenção dessas obras poderia ser concretizadas
por meio de doações vindas da Europa e Estados Unidos e da doação de materiais
de construção pelo Governo do Território. Essa parceria era justificada por
parte do governo, dado o fato de ambos pretenderem os mesmos objetivos.
Nessa época, passou a existir, segundo Negri (s/d
apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 88) “uma interpenetração entre o público e o
privado, no qual o Estado se eximia de construir escolas, especialmente na
periferia de Macapá e no interior do Território”, assim sendo se aproveitava da
estrutura escolar construída pela Igreja Católica, cedendo corpo docente e a
manutenção em troca da cessão das instalações para fins religiosos, não se
limitando apenas aos domingos.
Além disso, a ação católica ocorria também nas
dependências das escolas pertencentes ao Governo Territorial, conforme relatam
diversas passagens dos livros do Tombo da Prelazia de Macapá, com registros de
alunos de diferentes escolas participando de celebrações de missas, recebendo
comunhão e de celebrações ocorridas nas dependências das escolas. Por
conseguinte, assevera Negri (s/d apud OLIVEIRA; FERREIRA 2015, p. 89) que os
catequistas, com pelo menos a 4ª série primária além de instruir na fé
católica, ajudavam na alfabetização das pessoas sem escolaridade, auxiliados
por materiais católicos a fim de alcançar as finalidades de catequizar e
alfabetizar ao mesmo tempo.
Questão bastante relevante, acerca dessa
interpenetração o público e o privado, também ocorre na formação dos
professores e catequistas ao mesmo tempo. Neste caso a justificativa pairava no
argumento de que, como os professores cuidariam das futuras gerações era
necessário que fossem instruídos na fé católica.
Pondera Lobato (2013, p.121-122, apud OLIVEIRA;
FERREIRA 2015, p. 90), que essa união era em defesa do mesmo modelo sobre como
deveria ser ordenada a sociedade, acerca da base familiar, criação dos filhos,
idealizando papeis de obediência, resignação e dependência ao marido, no caso
das mulheres, e mesmo que esta ingressasse ao mercado de trabalho, sua
qualificação profissional estava atrelada às atividades domésticas. Todos esses
propósitos eram amplamente difundidos no Jornal A Voz Católica.
CAPÍTULO II – A ESCOLA JOSÉ BONIFÁCIO E
SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE DO CRIA-Ú (CURIAÚ)
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, tomou-se como objeto de estudo, o
exame do tratamento que é dado o direito a liberdade religiosa no bojo da
sociedade brasileira, fazendo-se um apanhado até se chegar a realidade do
Amapá, em especial a da Escola José Bonifácio, para se averiguar o respeito
dispensado direito fundamental de crença, no Estado Laico constitucional.
Elegeu-se como ponto de partida, a abordagem dos termos conceituais do que é
liberdade religiosa, laicidade demonstrando como ela veio sendo trabalhada ao
longo da história das constituições brasileiras. Concomitantemente a abordagem
histórica e constitucional tomou-se conceitos como secularização, pluralismo
religioso, laicidade rumo a construção da liberdade de crença e religião. A
partir de então foi possível se dimensionar os avanços e retrocessos sofridos
no decorrer do tempo até os dias atuais.
No segundo capitulo a abordagem voltou-se para a
realidade encontrada na comunidade quilombola de Curiaú, mais precisamente
demonstrar qual é a relação da Escola José Bonifácio com a comunidade, enquanto
espaço educativo e ao mesmo tempo ambiente de práticas comunitárias que
envolvem os mais diversos interesses, inclusive religiosos. Em um segundo
momento, averiguou-se a relação da escola com o Ensino Religioso. Nesse momento
o que se apontam são as visões acerca da disciplina e a importância atribuída a
esta enquanto campo de conhecimento fenomenológico sob um viés humanista.
Diante de toda a
investigação feita, para se verificar de que forma é garantida a diversidade
religiosa, sob a ótica do Estado Laico, enquanto um Direito fundamental, quando
da oferta do ensino religioso escolar na Escola Estadual José Bonifácio.
Concluiu-se que: embora a comunidade esteja inserida em um território
quilombola, onde os apelos para que as heranças sejam relembradas e, por
conseguinte preservadas, ainda assim, o Ensino Religioso trabalhado possibilita
o contato, mesmo que repentino com conteúdos atinentes a outras tradições
religiosas.
Quanto as hipóteses
levantadas de que aparentemente, por se tratar de uma realidade específica, na
qual se priorize o contato com as raízes ou heranças étnicas a laicidade
preconizada pelo Estado brasileiro não seja considerada, em partes se confirma,
pois o que se vê é um incentivo a raízes afro-brasileiras que rumam a
construção de uma identidade e por isso a escola é vista como um instrumento
nessa construção. E o ensino religioso priorizam o conhecimento acerca das
raízes ou heranças étnico religiosas, mas não desprezam o conhecimento sobre as
demais culturas religiosas.
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