9/14/2020

Açaí Chula (crônica)

     


Bora falar de açaí? Gosto demais desse carocinho revestido de um pouco de massa preta, que quando colocada sob fervura e depois amassada, gera um suco delicioso que todo amapaense adora. Acredito que não existe outra fruta regional que seja tão querida e que dê tanto pano pra manga quanto o açaí, ou seja, não tem outra fruta que suscite tanta história e que esteja tão impregnada no imaginário amazônico. Não sei por que ainda não existe uma lenda sobre o açaí, ou se existe, não tenho conhecimento.

Para começar, de quem foi à ideia de subir naquela palmeira magrela, arrancar o cacho preto que ali crescia e fazer um sumo delicioso? Suspeito que foram os índios. Quem descobriu que colocando a fruta de molho na água quente amoleceria a massa? Quem pensou na ideia de amassá-la com as próprias mãos e depois quem decidiu que era preciso colocar na máquina de açaí? Aliás, quem inventou a máquina de açaí, também conhecida como “batedeira ou amassadeira”? E quando foi que tomamos gosto pelo açaí? E em que momento da vida, exatamente, o açaí nos foi apresentado? Todas essas perguntas me ocorrem quando penso no nosso precioso líquido.


O meu pai conta que há muitos anos atrás, nos garimpos da Guiana Francesa, ninguém tomava açaí. Os franceses, achavam que o açaí era uma fruta venenosa. Não sei de onde eles tiraram essa ideia, mas isso teve as suas reverberações pelos lados daqui. Dizia-se, por exemplo, que o açaí com manga fazia muito mal a saúde e que açaí com limão era morte na certa.


Recentemente descobriu-se que o açaí é uma fruta rica em ferro, mas o corpo humano só consegue absorver o ferro existente no açaí se lhe for acrescentado algumas gotas de limão. Na região sul do país os caras estão misturando o açaí com tudo, com manga, com leite condensado, com mamão, com laranja, com tudo mesmo. Suspeito de que eles não gostam do sabor, por isso misturam com qualquer coisa, também pudera, nem considero que seja açaí o que eles tomam. O que eles chamam de açaí lá para o sul aqui é chamado de chula, que nada mais é que o açaí ralo e sem graça. Se eles beberem do açaí que a gente toma, não vão querer misturá-lo com nada.


Gosto da palavra açaí. Não tenho certeza, mas acho que é de origem indígena, deve ser por isso que gosto. O excesso de vogais (abertas e tônicas) no idioma de nossos ancestrais sempre me chamou a atenção. No Maranhão as pessoas chamam o açaí de Juçara, acho que também é palavra de origem indígena, igualmente bonita, mas não tanto quanto açai.


Do lado da casa dos meus pais tinha um cortiço. O fluxo de pessoas ali era muito grande, principalmente de pessoas vindas do Maranhão para tentar a vida em Macapá. Fico pensando como as coisas deviam ser difíceis no Maranhão para as pessoas tentarem a vida em Macapá, logo em Macapá, que é uma cidade tão pobre e sem perspectiva, mas a coisas eram assim.


Muitos maranhenses retornaram à sua terra natal, mas outros ficaram por aqui e conseguiram se estabelecer, entre eles, o falecido “seu Ailton”, mais conhecido pela galera como o “açaí azedo”. A verdade é que o apelido não fazia jus ao produto fornecido pelo nosso vizinho.


O açaí que ele vendia não era azedo, porém os demais vizinhos que gostavam de fazer troça resolveram colocar-lhe esse apelido. O seu Ailton morreu e deixou o negócio para suas filhas (ele tinha quatro) que conseguiram tocar o negócio para frente e hoje têm um dos melhores pontos de açaí do bairro.


Logo no início de seu pequeno empreendimento o “açaí azedo” teve alguma dificuldade em vender o seu produto. Ele abriu um ponto na beira da rua, colocou a tradicional plaquinha vermelha, que identifica os pontos de venda, mas ao invés de escrever açaí, ele escreveu juçara. Na rua ninguém sabia do que se tratava, por isso ele não vendia muito. A coisa mudou quando uma vizinha, a dona do cortiço, lhe informou como chamávamos açaí em nossa terra.


Nessa época, ninguém chamava de ponto de açaí o lugar onde se vende o açaí. Naquela época, chamávamos de amassadeira ou de batedeira de açaí, mas hoje em dia as pessoas falam em ponto de açaí ou vitaminosa. Não sei de onde eles arrancaram a palavra vitaminosa, coisa mais estranha e genérica. Pelo que eu sei vitaminosa pode ser um lugar que venda qualquer tipo de vitamina. Acho que essa palavra nem existe no dicionário.


Outra lembrança que tenho é que quando íamos até “amassadeira” comprar o açaí, a gente levava as panelas para que o vendedor colocasse o açaí. Naquela época o açaí ainda não era vendido em sacolas plásticas. Às vezes acontecia da gente levar uma garrafa pet de um ou dois litros e aí era bom porque com a garrafa não tinha como a gente ser logrado pelo vendedor.


    Lembro também das filas que se formavam para comprar açaí. Hoje em cada esquina você encontra um ponto de açaí, mas naquela época as vendas eram mais escassas. Formavam-se as filas e as pessoas estavam lá com suas panelas ou garrafas pet, que não eram tão comuns como hoje em dia.

    

    Na fila do açaí a gente encontrava panela de todo tipo: Panelas de alumínio, de aço inox, de cobre, panelas de cerâmica e tinha até as panelas de pressão. Rolava uma coisa meio de status social na fila do açaí. Se você tivesse uma panela mais bonita significava que você estava podendo. Acho que o açaí faz parte da história de todo amapaense e todo amapaense tem uma boa história envolvendo o açaí. E você, qual a sua história sobre o açaí?


Nenhum comentário:

Postar um comentário