Ezequias de Souza Corrêa[1
Lorenna Luanda da Rocha
Braga[2]
Orientadora: Tânia Ataíde
de Ataíde[3]
RESUMO
Este artigo dedica-se a apresentar a análise de
duas obras do escritor José de Alencar que são, a saber: A viuvinha (1857) e
Senhora (1875). Dentro destes romances será destacada uma das principais
temáticas do autor: o casamento que pode ser visto como negócio (é o caso de
Senhora), mas também pode ser entendido como expressão de um sentimento amoroso
que supera qualquer provação, partindo de uma visão diacrônica o casamento será
abordado de acordo com o contexto histórico do século XIX, época em que se deu
a produção literária de José de Alencar.
Palavras-chaves: casamento; José de Alencar; A
viuvinha; Senhora; Romantismo.
RÉSUME
Cet article est dedique à
présenter l’analyse de deux ouvres d’écrivain José de Alencar qui sont “La
petit veuve” (1857) et “La madame” (1875). Dans cettes oeuvres sera soulignée
une dês principals témathiques d’auteur: Le mariage qui peut être voir comme
negocie (c’est le cas de “La madame”), mais aussi Il peut être entendu comme
expression d’um sentiment amoureux qui supere quelque provation, em partant
d’une vision diacronique Le mariage sera commenté d’accord avec Le contexte
historique Du siècle XIX, l’époque qui s’a donné la production littéraire de
José de Alencar.
Mots-clés: Le mariage; José
deAlencar; La petit veuve; La madame; Le Romantisme.
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
José de
Alencar é o principal romancista da escola Romântica no Brasil e o mais
celebrado de todos os prosadores desse período. Ele é também o introdutor dos
romances urbanos e, por essas razões, inscreve-se como sendo um dos maiores
nomes da Literatura Brasileira. As duas obras de Alencar a serem analisadas
são, a saber: A Viuvinha (1857) e Senhora (1875), ambas fazem parte do conjunto
de romances urbanos.
A
escolha destas duas obras para análise foi realizada a partir do seguinte
critério: em A Viuvinha
temos uma trama cujo tema principal é o casamento e a honra; já em Senhora
temos o amor como tema central, todavia haverá o elemento “vingança” que fará o
diferencial nesta trama, colocando o casamento na condição de mecanismo ou
instrumento de vingança.
Para
fundamentar este artigo científico foi essencial que se recorresse aos críticos
literários que estudaram a fundo o Romantismo no Brasil, como Douglas Tufano
(que prefaciou a segunda edição de “A Viuvinha” publicada pela editora moderna)
e também Márcia Kupstas (que assinou as notas de rodapé desta mesma edição).
Para analise do romance “Senhora” foi necessário lançar mão de autores como
Massaud Moisés com sua renomada obra “A historia da literatura brasileira” e
Arnold Hauser em “História Social da Arte e da Literatura”
Este
artigo tem por finalidade trazer à luz a perspectiva Romântica do casamento,
segundo as diversas possibilidades colocadas por José de Alencar nas duas obras
a serem estudadas. Para tanto, é fundamental analisá-las a partir do período em
que foram criadas, revelando assim os diversos olhares do autor.
1. ALENCAR: UM HOMEM DE SEU TEMPO
Com a
ascensão da classe burguesa ao poder, deu-se em diversos países europeus a
formação de um verdadeiro público leitor, coisa que até então não havia dentro
das antigas estruturas sociais. Tratava-se, particularmente das donas de casa,
mulheres de comerciantes e principalmente jovens sem qualquer preocupação que
para fugir do tédio cotidiano recorriam aos romances Românticos que eram
publicados diariamente e por vezes semanalmente nos famosos folhetins que
acompanhavam as edições de jornais do século XIX. Sobre isso, Douglas Tufano
declara (2004:7):
“a cidade da corte, formou-se um publico
leitor composto basicamente de jovens da classe rica, cujo ócio permitia a
leitura de romances e folhetins. Esse público buscava na literatura apenas
distração”
A
formação dessa classe de leitores foi ao mesmo tempo o resultado e a força
motriz que impulsionou uma literatura que se desenvolvia e que se popularizava
a medida que se enriquecia nos lugares que alcançava. Os autores, conscientes
ou não do papel de construtores dessa literatura canalizaram todo o seu poder
criativo em favor da emancipação de uma arte que abordasse temas que afetassem
diretamente o seu público leitor expondo histórias que tivessem haver com o seu
cotidiano, seus conflitos pessoais, seus anseios mais profundos, suas
frustrações, e, principalmente, que se estreitasse com suas vidas.
Se nas
demais escolas literárias anteriores ao Romantismo os temas abordados diferiam
dos temas Românticos é porque elas, assim como qualquer movimento literário,
refletiam o contexto histórico quando de seu surgimento. No Barroco, por
exemplo, tem-se como uma de suas principais características o dualismo, que no
plano ideológico refletia o conflito do homem seiscentista em face do embate
entre a visão teocêntrica e antropocêntrica do universo.
No
Romantismo não haverá tão somente a influência dos acontecimentos sobre as
criações artísticas, mas também a busca da representação da sociedade que
vivencia este momento, como Hauser afirma, “o
movimento romântico é o primeiro a aceitar como ponto pacífico que o burguês é
a medida do homem” (p. 676). Um exemplo bem claro são os romances urbanos
que se popularizaram por esse período por meio dos folhetins.
Ainda Hauser diz:
“Pois o
romantismo era essencialmente um movimento burguês; na verdade, era a escola
literária burguesa por excelência, a escola que abolira para sempre as
convenções do classicismo, a retórica e as presunções palaciano-aristocráticas,
o estilo elevado e a linguagem refinada.” (p. 675-676)
Os
temas mais recorrentes nas criações dessa época são em regras gerais: o
casamento, amores impossíveis e amores não-correspondidos, mas de todos eles o
que mais se evidencia na obra de José de Alencar é o casamento, mais
especificamente o casamento burguês, cristão e ainda atrelado aos valores
morais aristocráticos.
1.1 O CASAMENTO NO ROMANCE URBANO “A VIUVINHA”
No romance A Viuvinha o casamento é tomado como
mecanismo de redenção, pois Jorge que outrora vivia uma existência errante e
desregrada, gastando a fortuna que seu pai lhe deixou com jantares amantes e
toda sorte de vaidades, procurou redimir-se e esquecer os erros do passado
encontrando no matrimonio um ato de purificação ou mesmo de reinvenção.
“Jorge esperava apenas esquecer de todo a sua
vida passada, apagar completamente os vestígios desses tempos de loucura, para
casar-se com aquela menina, e dar-lhe a sua alma pura e sem mancha” (P.18)
Sobre essa mudança no comportamento de Jorge que
ao abandonar uma vida de devassidão, entrega-se ao amor casto e sem mancha,
esta atitude de acordo com o narrador pode ser justificada com o seguinte
trecho da narração:
“Felizmente, como quase sempre sucede, no meio
das sensações materiais, a alma se conservara pura: envolta ainda na sua
virgindade primitiva, dormira todo o tempo em que a vida parecia ter se
concentrado nos sentidos, e só despertou quando, fatigado pelo excesso do
prazer, gasto pelas emoções repetidas de uma existência desregrada, o moço
sentiu o tédio e o aborrecimento, que é a última fase dessa embriaguez do
espírito” (P.18)
É como se no interior do personagem se
processasse uma espécie de contradição entre as atitudes desregradas e uma alma
que se mantinha pura para o dia do enlace amoroso que seria a realização
derradeira de um desejo de felicidade que se consagraria com o casamento.
Para Carolina data mais notável que o casamento,
pois nele espera-se o cumprimento dos anseios de toda uma vida. Não há data
mais importante para mulher do que o dia de unir-se à pessoa amada. Basta
observar as palavras descritas pelo narrador:
“Nele se passa o maior acontecimento da sua
vida; ou realiza-se um sonho de ventura, ou murcha para sempre um esperança
querida que se guarda no fundo do coração; pode Sr o dia da felicidade ou da
desgraça, mas é sempre uma data notável no livro da vida ” (p.20)
Depois de descobrir que estava falido, Jorge
viu-se na impossibilidade de concretizar o casamento com Carolina, tudo porque
se via na obrigação de contar a mãe da moça sobre sua situação financeira,
todavia se ele abandonasse o compromisso traria desonra à moça:
“O seu casamento, pois, não podia mais
efetuar-se; o seu dever, a sua lealdade, exigiam que confessasse a D. Maria e á
sua filha as razões que tornavam impossível essa união” (p.27)
A gravidade do fato pode ser entendida por um
viés histórico. Por isso se faz necessário atentar para as palavras de Márcia
kupstas: “os padrões morais do século XIX
eram bastantes rígidos. O rompimento de um noivado constituía u8ma vergonha a
estigmatizar a moça solteira” (p.27)
Como final feliz dessa historia de amor e de
abnegação, Jorge consegue restituir o dinheiro perdido e principalmente
reconquista o matrimonio com Carolina, que passara tanto tempo a espera de seu
único e verdadeiro amor. É importante atentar para o fato de que Carolina é
marcada por uma característica peculiar às personagens românticas que é
justamente esse caráter excepcional do amor único. Basta observar:
“-Parece-lhe ridículo esse sentimento: não é
assim? Mas foi o primeiro, cuidei que fosse o ultimo. Deus não permitiu!... e
por isso às vezes julgo que cometo um crime aceitando outra afeição... devo ser
fiel a sua memória!... quem me diz que um remorso não envergonhara a minha
existência, que a imagem dele não virá constantemente colocar-se entre mim e
aquele que amar-me ainda neste mundo?... ambos desgraçados” (p.61)
Sobre este trecho, Márcia Kupstas, escreve: “observe a intensidade dramática dessa fala.
O caráter excepcional do amor único marca uma personagem idealizada, típica no
romantismo” (p.61)
Ao se debruçar pelas paginas do romance A
Viuvinha, o leitor irá perceber o espírito enlevado dos personagens, o amor
superando todas as barreiras e o casamento como final feliz desta magnífica
história. Estes exemplos muito recorrentes na trama são características
intrínsecas da escola Romântica e da obra de José de Alencar.
1.2 O CASAMENTO NO ROMANCE URBANO “SENHORA”
Nos
países europeus, o resgate dos ideais cavalheirescos e das tradições da Idade
Média (que seriam a origem da noção de honra e de amor à pátria que
fortaleceriam a identidade nacional) foi o meio pelo qual os autores da escola
romântica utilizaram para resgatar ou reinventar o passado histórico nacional.
O
exemplo dos países europeus, o movimento romântico no Brasil assumiu um caráter
nacionalista, ligado a luta antiescravista, colocando o branco europeu como
vilão, colonizador e opressor. Os intelectuais dessa época assumiram o
compromisso de forjar uma identidade nacional a partir da exaltação da figura
do índio idealizado como herói nacional.
Além de
cantar sua terra, José de Alencar também criticou os costumes da sociedade
burguesa daquele século. Ao mesmo tempo, retratava o cotidiano das senhoras num
estilo capaz de chamar-lhes atenção, utilizando uma linguagem rebuscada que
enriquecia seus textos. Era comum entre os românticos essa incoerência, pois,
ao mesmo tempo em que rebaixa, louva. Hauser comenta:
“O
romântico, era incapaz de comprometer-se e sentia-se exposto, indefeso, a uma
realidade esmagadoramente poderosa; daí o seu desdém pela realidade e seu
simultâneo endeusamento da mesma. Ou a violava, ou rendia-se-lhe cegamente e
sem resistência, mas nunca se sentia em pé de igualdade com ela.” (p. 673)
Um dos
temas que é bastante criticado por Alencar no livro “Senhora” é o casamento. Para o autor, que às vezes nitidamente tem
voz na narrativa, o casamento não era mais a união de um casal por amor e/ou
para o amor. Era apenas uma transação, um negócio lucrativo. Desde a escolha
dos capítulos, Alencar enfatiza o casamento como um
negócio: O preço, Quitação, Posse e Resgate são passos que devem
ser tomados por todos aqueles que efetuam um negócio lucrativo.
A história
é narrada em media res, isto quer dizer que ela inicia no meio da ação: Aurélia
Camargo já é uma moça rica e a mais cobiçada da sociedade fluminense. Mora com
uma parenta e tem como tutor seu tio (Lemos). Naquela época, a família era
constituída por pais, filhos, tios e primas solteiras. A mulher não podia morar
sozinha por conta dos preceitos ainda machistas. Alencar, sobre a parenta de
Aurélia comenta:
“Mas essa
parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da
sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa
emancipação feminina.
Guardando
com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava um instante do
firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações como entendesse.”
(p.17)
Machista,
diacronicamente falando, era a visão das próprias mulheres, que criticavam
todos os modos desenvoltos de Aurélia (p.19). O narrador também, ao tratar em
vários trechos sobre os costumes da época em que a mulher utilizava o cérebro –
“onde residem as faculdades especulativas
do homem” (p. 29) - ao invés do coração, seu foco natural. É importante tratar
disto neste artigo porque a partir do papel da mulher aqui colocado, pode-se
entender como funcionava o casamento no século XIX. Como se vê no fragmento
abaixo do romance:
“Felizmente
D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma vigorosa educação que recebera,
antiga educação brasileira, já bem rara em nossos dias, que, se não fazia
donzelas românticas, preparava a mulher para as sublimes abnegações que
protegem a família e fazem da humilde casa um santuário” (p. 42)
Nota-se um
cuidado no preparo da mulher para os afazeres domésticos, quando não se
proporcionava a elas serem românticas.
As
mulheres se casavam cedo, e, quando passavam da idade (mais ou menos 22 anos)
já estavam condenadas ao “aleijão social,
que se chama celibato” (p. 42). Aquelas que conseguiam, tratavam do assunto
seriamente já no namoro. Como já se sabe Aurélia não foi criada como uma
donzela romântica, mas ajudava sua mãe em casa. Numa conversa entre mãe e filha, onde a
primeira enaltece a beleza da segunda, uma resposta muito incomum do que se
esperava de uma mulher na idade de Aurélia é dada: “Casamento e mortalha no céu se talham” (p. 83).
Entretanto,
quando a personagem estava só, pensava no assunto:
“O
casamento, quando acontecia pensar nele alguma vez, apresentava-se a seu espírito
como uma coisa confusa e obscura; uma espécie de enigma, do seio do qual se
desdobrava de repente um céu esplêndido que a envolvia, inundando-a de
felicidade” (p. 84).
Percebe-se a magia envolta do assunto até por quem tinha características de mulher mais liberta dos conceitos vigentes.
Aurélia havia prometido a sua mãe que o primeiro que a pedisse em namoro aceitaria para amenizar a angústia em não vê-la casada. Contudo, recusa o primeiro pretendente, Torquato Ribeiro, por conta do amor que sente por Seixas. Aqui o casamento adquire um novo conceito: o do enlace romântico e da felicidade eterna.
Antes do matrimônio se concretizar existia uma fase anterior, a do namoro. No século XIX “o namoro existia enquanto estratégia de sedução. Numa outra perspectiva, como forma de alcançar o casamento, a respeitabilidade e a aceitação sociais”. Aurélia se encantou por Fernando desde a primeira vez que o viu. O namoro começava à distância, nas cumplicidades da janela da casa da moça; depois, o pretendente passou a freqüentar a casa da menina, sempre vigiados pela mãe de Aurélia. Ainda:
“O namoro correspondia a uma fase preliminar cuja seqüência última, já oportunamente o dissemos, finalizava no matrimônio, procurando-se, quantas vezes, através deste meio ascender social e economicamente. Daí que o casamento não significasse, na maior parte dos casos, o culminar lógico de uma relação de amor, mas a confluência de interesses familiares”.
O trecho acima faz lembrar Seixas. Ele estava encantado por Aurélia, como todos os outros homens e era como honra ser o escolhido entre todos. Porém, quando pediu a mão de Aurélia nem pensou nas conseqüências imediatamente. Todavia, por ser um homem que freqüentava a alta sociedade, passou a raciocinar logo após o pedido sobre as conseqüências do casamento com uma moça pobre: não se vive de amor, mas de dinheiro. Assim, entre a afeição e as conveniências, o amor e o interesse, Seixas preferiu o segundo:
“Calculou os encargos materiais a que ia sujeitar-se montar casa e mantê-la com decência... O casamento visto por esse prisma aparecia-lhe como um degredo, que inspirava-lhe indefinível terror”. (p.94)
Apesar de já ter dado sua palavra, Fernando voltou atrás para casar-se com outra que tinha dotes para lhe dar. Para ele, retirar sem motivo uma promessa formal de casamento era algo muito grave que desairava um cavalheiro. Mas:
“Quando Seixas convenceu-se que não podia casar com Aurélia, revoltou-se contra si próprio. Não se perdoava a imprudência de apaixonar-se por uma moça pobre e quase órfã, imprudência a que pusera remate o pedido de casamento. O rompimento deste enlace irrefletido era para ele uma coisa irremediável, fatal, mas o seu procedimento o indignava”. (p.94)
Aurélia foi poupada de uma vida sem elegâncias, porém sofreu a pior das dores: a do amor. Das vezes que se lembrava de Seixas e de como ele lhe havia poupado de casar com Torquato por conveniência, agradecia. Mas para Seixas “o casamento, desde que lhe não trouxesse posição brilhante e riqueza, era para ele nada menos que um desastre” (p.100). Por isso, comprometeu-se com Adelaide Amaral, pois o pai da moça lhe havia prometido 30 contos de réis. Porém, “já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa” (p.110).
Enquanto Seixas pensava no casamento como um meio de ascensão social, Aurélia prefere vê-lo como a unidade do amor. Moisés (2007), sobre isso diz que o casamento ficava entre o dinheiro e o sentimento:
“Aurélia prefere o segundo ao primeiro, como típica romântica adolescente que é, mas vale-se daquele para obter esse, o que continua a circunscrevê-la ao mesmo âmbito moral, e assim o dinheiro acabava impondo o valor que o espírito burguês lhe atribuía.” (p.151)
Quando Aurélia ascendeu economicamente pode vingar-se de Seixas, comprando-o por 100 contos de réis sem que ele sequer soubesse quem era a mulher que oferecia o valor considerável. Já na câmara nupcial, Aurélia pode desabar: “estamos quites, e posso chamá-lo meu, meu marido, pois é este o nome de convenção” (p.111). Nada mais humilhante para um homem como Seixas.
O narrador também opina sobre o casamento. Para ele:
“O casamento é geralmente considerado como a iniciação do mancebo na realidade da vida. Ele prepara a família, a maior e mais séria de todas as responsabilidades. Atualmente esse ato solene tem se perdido muito da sua importância; indivíduo há que se casa com a mesma consciência e serenidade, com que o viajante aposenta-se em uma hospedaria” (p.132).
Nota-se a crítica direta aos valores que estavam sendo mudados. Entretanto, anterior ao casamento, Aurélia fez – como o costume ditava – o enxoval da casa: “que horas encantadoras passara ali nos dias que precederam a cerimônia, quando ocupava-se com o preparo e adereço desses aposentos, destinados ao homem a quem ia unir-se para sempre...” (p. 135). Segundo Barreira:
“A noiva abastecia a casa de roupas e pequenos utensílios domésticos que integravam um enxoval cuidadosamente preparado ao longo dos anos. Várias superstições envolviam o casamento.”
Seixas e Aurélia são um casal de aparências. Fora de casa são perfeitos, cheios de graça, de amor, de cumplicidade. Dentro, alfinetam-se ironicamente e ao mesmo nível. Aurélia não se submete como se cria no século XIX. Barreira cita que:
“Júlio Dantas, já em 1922 na arte de amar, recomendava ao recém-casado que educasse a mulher, como a um primeiro filho, no respeito pelas coisas sagradas. E acrescentava: ‘Não há felicidade no casamento, quando a mulher não reconhece a superioridade do marido’.”
Assim, o casal sobrevive por um ano, quando os dois novamente começam a deixar o orgulho de lado e voltam a se tratar como amantes. O amor supera o dinheiro, típico do Romantismo. Moisés (2007) bem finaliza:
“Em suma: combinam-se personagens ou interesses com exclusivo objetivo do casamento, como se outra meta existencial não se divisasse no horizonte. Assim, a própria ideologia burguesa, a que pertencia Alencar, condicionava o elogio do processo preservador das conveniências: a família organizada com base no casamento, e este no dinheiro, em torno de que tudo gravita inclusive a honra” (p. 392).
Na perspectiva Alencariana a felicidade humana só é possível com a completude do casamento e este e viável com a condição financeira que subsidiará o casal. Não à toa, Fernando e Aurélia resistem a todas as provações e finalmente rendem-se ao poder curador do amor e ao conforto que o dinheiro pode dar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto em “A Viuvinha”, quanto em “Senhora” o casamento exerce papel fundamental no desenrolar da trama. Em “A Viuvinha ” a descoberta da falência financeira de Jorge o leva a romper o casamento com Carolina. Já em “Senhora” o casamento é usado como instrumento de vingança em favor de Aurélia Camargo contra Fernando que a deixou por razões financeiras.
Diante desse quadro é possível enxergar duas visões a respeito do casamento. José de Alencar faz uso no romance “A Viuvinha” de uma perspectiva do casamento nos moldes românticos, pois Carolina e Jorge casam-se porque estão apaixonados e não há nenhuma outra razão que justifique o matrimônio. Em “Senhora”, todavia, o casamento é para Aurélia Camargo um meio de possuir a Seixas para dele se vingar.
Em Senhora o tema máximo da escola Romântica – o amor – está presente, todavia, atrelado a um forte desejo de vingança que culminará na realização amorosa de Seixas e de Aurélia. O desejo de casamento por parte de Seixas acontece por status, ficando em segundo plano o amor. Já Aurélia parte da vingança para a realização primeira do seu sonho de casar com quem realmente ama.
Inicialmente, no namoro, o dinheiro – ou melhor, a falta dele – é motivo de separação do casal. Como bem se sabe, Fernando prefere uma boa vida que uma união sem grandes perspectivas financeiras, ou seja, uma existência que o arrancasse da cômoda vida de freqüentador da alta sociedade burguesa. Aurélia, entretanto, como mulher que sofre pelo amor perdido, não vê cabimento na atitude de Seixas ao preferir outra que ele nunca amou, do que a ela a quem sempre quis.
O dinheiro, que antes separou o casal, agora os une: a felicidade de Seixas ao saber que unirá o útil ao agradável casando com a mulher que ama e tendo status o atrai imensamente. Fernando é um homem egoísta. Ele se casa primeiramente pensando no seu bem-estar e não
Por razões diferenciadas, Fernando e Aurélia unem-se
No romance “Senhora” José de Alencar abandona de certa forma as convenções platônicas muito características nos personagens românticos e parte para uma visão mais realista da condição social dos protagonistas Aurélia e Fernando, que são menos idealizados do que Jorge e Carolina, por exemplo. Faraco adverte que se José de Alencar não tivesse falecido se tornaria o fundador do Realismo no Brasil
“Alencar não teve tempo de passar do quinto capitulo da obra que lhe teria garantido o lugar de primeiro escritor do Realismo brasileiro.” (p.22)
A obra a que Faraco (apud. Alencar, 2002) se refere é Exhomem, romance que assinaria sob o pseudônimo de Synerius onde se mostraria contrário ao celibato clerical (tema muito recorrente por aquele período), mas que infelizmente não chegou a concluir por conta de seu falecimento. Isto reforça a idéia do surgimento de inclinações Realistas dentro do romance “Senhora”.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. A pata da Gazela. São Paulo: Ática, 2002.
________. A Viuvinha. 2.ed. São
Paulo: Moderna, 2004.
________. Senhora. 34.ed. Rio
de Janeiro: Ática, 2003.
BARREIRA, Cecília. “O casamento
e a família” Pesquisado em 02 de fevereiro de 2011 às 14:11h. Disponível em
.
HAUSER, Arnold. História Social
da Arte e da Literatura.
MOISÉS, Massaud. História da
Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo. 6. Ed. São Paulo: Cultrix. P.
391-392
MOISÉS, Massaud. A Literatura
Brasileira através dos textos. 26.ed. São Paulo: Cultrix, 2007. P.151