INTRODUÇÃO
Este trabalho tem
como tema: Trajetórias Escolares e Destinos Improváveis: Processos de
Resistência. Compreende-se que a educação é um dos meios de acesso a posições
ocupacionais e de renda, hierarquicamente elevadas na sociedade capitalista,
todavia, na ausência de um nível educacional mais elevado é praticamente improvável
que o individuo consiga mobilidade social e econômica.
Neste sentido, percebe-se que a carência
ou supressão de políticas públicas, seguidas pelas desigualdades de
oportunidades educacionais e a indisponibilidade de recursos familiares socioeconômicos,
que são fatores importantes para o sucesso escolar dos estudantes, contribuem
para a exclusão e marginalização das classes desfavorecidas no que se refere à
educação superior no país. Contudo, apesar dessa marginalização viciosa, muitos
estudantes conseguem acessar o ensino superior. Este contexto tem gerado
discussões acerca das práticas utilizadas por jovens em desvantagem econômica,
que conseguem contornar as adversidades em todas as suas formas e acessar a
universidade pública.
No que tange as políticas públicas de
incentivo a educação superior, elas ainda não conseguem abranger uma imensa
parcela da população. Esse fato pode ser constatado nos índices educacionais
relativos ao ingresso da população de baixa renda nas instituições públicas de
ensino superior do país. A educação brasileira desde os tempos mais remotos foi
pensada para a classe dominante e nesse processo os desfavorecidos
economicamente ficaram à margem do sistema educacional. Este fato contribuiu
para que apenas recentemente uma pequena parcela de estudantes provindos de
meios populares conseguisse acessar o ensino superior nas instituições públicas
do país.
No entanto, desde 1988 a Constituição
Federal no artigo 205 afirma que “a educação, direitos de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Este direcionamento constitucional
ampara a sociedade brasileira no que tange os investimentos que influenciariam
no alcance e na qualidade da educação. Nesse sentido, de acordo com a LDB
9.394/1996 no seu artigo 43 que direciona quanto à finalidade do ensino
superior, e no inciso III desse mesmo artigo, determina que a educação superior
deva “incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e
desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive”. Essa
ideologia, no que concerne o ensino superior, busca dar clareza ao propósito da
educação nacional quando propõe a conscientização da pessoa enquanto cidadão
atuante na sociedade em que vive.
Nessa perspectiva, buscou-se analisar as
trajetórias escolares de acadêmicos oriundos de meios populares que conseguiram
ingressar em quatro instituições públicas brasileiras de ensino superior, sendo
que duas (02) estão localizadas na região norte: Universidade Federal de
Rondônia (UNIR) e Universidade federal do Amapá (UNIFAP) e duas (02) na região
sudeste: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Assim como cinco (05) relatos empíricos de
estudantes de baixa renda que ingressaram em uma Instituição Federal de Ensino
Superior (IFES) localizada no extremo Norte do País.
O estudo desta temática tornou-se objeto
de análise deste trabalho, motivado a partir de observações em sala de aula com
colegas que compartilharam suas trajetórias escolares, suas dificuldades de
acesso e permanência na instituição e também por vivenciar histórias
semelhantes a dos sujeitos analisados, bem como, pela participação nas
pesquisas no Grupo de Pesquisa Capital Social, Educação e Meio Ambiente (GPCEM)
que tem como objeto de estudo temas correlatos.
Nessa perspectiva, o Ministério da
Educação (MEC) com o objetivo de ampliar o acesso de pessoas oriundas de
classes populares ao ensino superior, criou em 2004 o Programa Conexões de
Saberes, que busca dar possibilidades aos estudantes de baixa renda, das
universidades públicas para que tenham condições de permanência nas
instituições contempladas pelo programa.
Além de dar suporte financeiro, as
principais propostas deste programa, é estreitar as relações entre os
estudantes universitários das instituições públicas e as comunidades populares
visando estabelecer um processo contínuo de qualificação, como pesquisadores
através de propostas pedagógicas, adquiridas nas universidades. Busca também,
desenvolver ações sociais nas comunidades por meio de diagnósticos previamente
coletados com o intuito de aproximar as comunidades populares e as
universidades e estabelecer uma reciprocidade entre conhecimento popular e
conhecimento acadêmico.
Neste sentido, o MEC, por intermédio dos
acadêmicos, elaborou quatro livros com memórias autobiográficas,contempladas
pelo programa, no qual contém relatos de vida e trajetórias escolares. Esses
memoriais subsidiarão os estudos a que se propõe o presente trabalho de
conclusão de curso. Diante disso, pretende-se, com a análise dos memoriais, contribuir
na compreensão desses casos de "sucessos improváveis" e entender de
que forma são elaboradas as trajetórias escolares de alunos provindos de meios
populares que acessam o ensino superior.
Para uma melhor análise, este trabalho propõe
levantar os seguintes questionamentos: Qual o perfil social dos alunos de
camadas populares que acessam o ensino superior? Quais mecanismos e
instrumentos foram utilizados por esses alunos para acessar a universidade?
Quais formas de colaboração em redes de relacionamento foram importantes para o
êxito desses sujeitos?
No transcorrer do trabalho, buscou-se
confrontar questões específicas dos memoriais com os estudos de importantes
teóricos nacionais e estrangeiros da sociologia da educação, tais como: Pierre
Bourdieu, Maria José Braga Viana, Bernad Lahire, Écio Portes, Nadir Zago, entre
outros, para explicar como os fenômenos do capital social, e apoio familiar
influenciaram no êxito escolar desses alunos para seu ingresso nas universidades.
A critério de contribuição nessa
discussão foram analisados também cinco (05) relatos empíricos de trajetórias
escolares de estudantes do Curso de Licenciatura de uma determinada IFES,
localizada no extremo Norte do País.
Sendo assim, este trabalho justifica-se
pela necessidade de lançar luz sobre essa problemática, em que se aponta como
hipótese inicial que alunos de camadas econômicas muito baixas que acessam a
universidade contam com um importante apoio da rede primária: família, parentes
e amigos que se constituem como formas de colaboração e solidariedade, pois a
presença de alunos de origem popular que ingressam no ensino superior tem
suscitado questionamentos a respeito das práticas utilizadas por esses jovens,
levando em consideração que os fenômenos de mobilização escolar não são
características relevantes nessas famílias.
Dessa forma, este trabalho tem por
objetivo analisar quais práticas socializadoras utilizadas por esses estudantes
que possibilitaram dar-lhes condições de longevidade escolar, êxito nos estudos
e acesso ás IFES.
Este trabalho esta dividido em cinco
capítulos, incluindo esta introdução e as considerações finais. No segundo
capítulo discute-se a teoria do capital social defendida por Pierre Bourdieu,
uma abordagem sociológica das trajetórias escolares na visão de Bernard Lahire,
de Viana, de Portes e de Zago, cujos trabalhos são voltados para essa temática.
No terceiro capítulo apresentam-se
reflexões acerca do contexto histórico da educação no Brasil; o perfil das IFES
que estes alunos frequentam; as desigualdades sociais no ensino superior brasileiro;
o contexto das ações afirmativas; as políticas governamentais no que tange os
programas voltados para o acesso ao ensino superior por segmentos populares,
dentre eles o programa conexões de saberes.
O método de procedimento tem como
objetivo a análise de conteúdo. No que tange os estudos e discussões
realizados, bem como dados levantados, foi utilizado o materialismo histórico
dialético, por se constituir em uma pesquisa que apresenta elementos da
trajetória de vida dos sujeitos, contidas nos memoriais escritos, bem como suas
condições materiais.
O quarto capítulo é destinado a análises
dos memoriais, as trajetórias sociais e escolares de estudantes populares. Nas
considerações finais procura-se responder as perguntas norteadoras.
Nesse sentido, se faz necessário
explicar as formas que levaram esses estudantes a acessar o ensino superior,
suas características sociais e culturais e as trajetórias escolares desses
indivíduos.
CAPÍTULO
I
1.1-CAPITAL
SOCIAL
As principais categorias teóricas que
subsidiarão a discussão e argumentação para responder as questões norteadoras
deste trabalho são: capital social, capital econômico, capital cultural e
trajetórias escolares, que serão discutidas por importantes teóricos da
Sociologia da Educação.
Na perspectiva de explicar a relevância
do capital social para a educação, dialogamos com Pierre Bourdieu e James
Coleman, autores imprescindíveis nesse debate, pois eles foram pioneiros no que
diz respeito ao conceito de capital na análise social para fazer referência não
apenas à sua forma econômica, mas também à sua forma cultural e social. Esta
categoria ganhou elaboração mais refinada a partir desses dois teóricos da
Sociologia da Educação. Estes sociólogos transformaram o capital social em um
tópico específico de estudo para tentar entender como indivíduos inseridos em
uma rede de relações sociais estáveis podem se beneficiar de sua posição ou
gerar externalidades positivas para os seus membros.
Para BOURDIEU (apud PISELLI, 1980) o conceito de capital social surgiu em
decorrência de estudos relativos ao estrato social, para indicar o significado
de família, de amizade, ou seja, o pertencimento a grupos específicos que se
relacionam mutuamente. Esses grupos permitem e ratificam as diferenças entre as
classes. Nesse sentido, as redes de relações sociais são particularmente
notadas em situações em que todos os componentes adquirem um resultado desigual
de um capital, seja ele social econômico ou cultural.
Bourdieu (1979), entendendo que a origem
social dos alunos influencia no que tange as desigualdades escolares e, que
essas desigualdades legitimam as regras sociais impostas pela classe
hegemônica, buscou também explicitar os fatores que poderiam contornar essa
realidade. Nesse sentido, o capital social seria um dos fatores importantes
para se obter êxito escolar, mas para isso precisaria estar associado ao
capital econômico e cultural, ou seja, o capital econômico não seria o fator
determinante para o sucesso escolar.
Bourdieu (1979) enfatiza que o capital
social está relacionado aos benefícios mediados pela rede extra-familiar e às
lutas internas travadas entre indivíduos ou grupos de diferentes camadas
sociais. Portanto, as oportunidades que os agentes têm de acumular ou de
reproduzir capital social dependem de sua posição dentro do sistema de
estratificação.
Ele utiliza ainda o conceito de campo
para referir-se ao ambiente no qual se manifestam as relações de poder. Isso
significa afirmar que, os campos se estruturam a partir de uma distribuição
desigual de um quantum social que
determina a posição ocupada por um agente específico. Esse quantum é denominado de “capital social”.
Os agentes que possuem um quantum de capital social reconhecido
pelo grupo recebem os benefícios relativos às posições dominantes, enquanto
aqueles que ingressaram recentemente em determinado campo, ou seja, que possuem
um volume pequeno de capital social ocupam as posições inferiores no campo.
Segundo BOURDIEU (apud RIBEIRO, 2004) o capital social é um ativo impessoal que
oferece vantagens aos indivíduos, famílias ou grupos que estão mais bem
relacionados. Para Ribeiro, Bourdieu em seus estudos de capital social afirma
existir uma desproporção em relação à distribuição e reprodução do poder e das
desigualdades sociais.
Assim sendo, os recursos disponíveis na sociedade,
inclusive o capital social, são distribuídos de maneira desigual, pois, fica
assegurada a reprodução das posições de domínio dentro do campo de relações
econômicas e, para os novos “jogadores” e aos mais débeis, é imposto um conjunto
de barreiras a fim de dificultar ou excluir essas classes do acesso aos bens
sociais (RIBEIRO, 2008, p.76).
Nessa perspectiva, Bourdieu (1979) vê o
campo como um espaço de correlações de forças, lutas e conflitos, no interior
do qual os agentes se enfrentam com meios e fins diferenciados conforme sua
posição relativa na estrutura, o que por sua vez está relacionado ao seu
interesse em conservá-la ou transformá-la. Nesse sentido, os recursos
disponíveis que circulam no grupo permitem que os seus membros tenham acesso a
benefícios materiais e simbólicos, que possibilitam a eles condições
estruturais de manutenção e reprodução de capital social.
Nesse sentido, Bourdieu (1979) emprega o
Habitus, outra categoria, para
entender os fenômenos do capital social.
Segundo ele, um agente social ao estar dotado de Habitus, é ao mesmo tempo indivíduo e sociedade. Este conceito permite,
seguramente, dar conta das circunstâncias cotidianas. Para BOURDIEU (apud RIBEIRO, 2008) do mesmo modo, o
campo é compreendido a partir das relações de forças que o caracterizam, que
dependem, por sua vez, da relação entre os diferentes recursos do próprio
campo.
O conceito de capital social em Bourdieu
é solidário com suas formulações sobre disposições duráveis (Habitus). O Habitus enfatiza a dimensão de um aprendizado passado que tende a
confrontar e a orientar a ação. É o sistema de esquemas para a elaboração de
práticas concretas, ou esquemas estruturados, incorporados pelos agentes sob a
forma de um senso prático que facilita sua orientação nos domínios relativos à
existência social.
Segundo Bourdieu (apud CANESIN, 1996, p. 08) “o Habitus
adquirido na família está no princípio da estruturação das experiências
escolares”, o Habitus transformado
pela ação escolar, ela mesma diversificada, estando por sua vez no princípio da
estruturação de todas as experiências ulteriores, por exemplo, da recepção e da
apropriação das mensagens produzidas e disseminadas pela indústria cultural ou
das experiências profissionais e, assim, por diante, de estruturação e
reestruturação.
Bourdieu (2004) focaliza, em sua
concepção sobre o conceito de capital social, o papel das redes de relações
sociais externas à família, na mobilização e reprodução desse tipo de capital.
Enquanto que, para Coleman (1988), o mais importante no capital social é a
qualidade de relações que nela se estabelecem transformando a família em uma
das redes chaves para a construção de capital social sob dois ângulos. O
primeiro enfoca o papel das famílias na construção de capital social extra-familiar,
ou seja, em redes sociais fora do lar. O segundo ângulo examina a constituição
do capital social na essência das redes familiares e a importância disto para o
desenvolvimento individual, especificamente para o desempenho escolar e
cognitivo dos filhos.
O conceito de capital
social é inerente à estrutura das relações sociais entre duas ou mais pessoas.
Comooutras formas de capital, o capital social é produtivo: é um recurso para a
açãoque torna possível ao ator (individual ou coletivo) a consecução de fins
não alcançáveis de outro modo. O capital social é o resultado de
estratégias de investimento, intencional ou não intencional, voltadas para a constituição
e reprodução de relações sociais duráveis, capazes de possibilitar, com o
passar do tempo, proveitos materiais e simbólicos. (COLEMAN APUD PISELLI 2005, P. 433).
Para COLEMAN (apud RIBEIRO, 2008), capital social é uma variedade de entidades de
dois elementos em comum: todas elas consistem num certo aspecto das estruturas
sociais e facilitam determinadas ações dos atores-pessoas ou atores coletivos no
interior da estrutura.
Para Coleman (1988), na estrutura social
o capital social cumpre a função de servir como recursos para que os atores
individuais atinjam suas metas e satisfaçam seus interesses. Pelo menos três
grupos de elementos fazem parte dessa funcionalidade: 1) obrigações,
expectativas e lealdade, 2) canais de informação e 3) normas e sanções
estabelecidas. Os primeiros podem contar com diversos graus de reciprocidade,
dependendo do tempo e do motivo. Os canais de informação reduziriam custos
através de pessoas que têm informações pertinentes e as compartilham com a rede
social. O terceiro tem por função específica inibir comportamentos negativos
que debilitam o capital social. Ele reconhece diferenças entre estruturas
sociais.
Consideram as necessidades concretas que
levam a interação social, a existência de fontes alternativas de recursos, o
grau de afluência dos recursos, a capacidade de gestão que as pessoas têm para
obter ajuda a coesão de redes sociais e a logística que dinamiza mais ou menos
os contatos sociais. Mas ele não é explícito em reconhecer estruturas sociais
excludentes que impedem o acesso de indivíduos ou grupos a recursos de que
precisam.
1.2-CAPITAL ECONÔMICO
Para BOURDIEU, (apud NOGUEIRA, 2001) o ambiente social é um campo de lutas no qual
os indivíduos ou grupos organizam táticas que permitem a melhora ou a manutenção
de sua posição social. Essas táticas
estão relacionadas com os diferentes tipos de capital.
O capital econômico, sob a forma dos
diversos fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens
econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais), que acumulado, reproduzido e
ampliado por meio de estratégias específicas de investimento econômico e de
outras, relacionadas a investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de
relações sociais podem possibilitar o estabelecimento de vínculos
economicamente úteis, a curto e longo prazo.
Para esse sociólogo, a educação escolar,
uma das formas do capital cultural, assim como o capital econômico são recursos
úteis na determinação e reprodução das posições sociais. A desigualdade na
distribuição das diferentes formas de capital justifica as diferentes
estratégias adotadas por cada individuo e se acomodam a elas, ou como eles são
excluídos do sistema educacional, por exemplo, as situações escolares.
As condições de estabilidade econômica são um fator
tranquilizador importante no universo das configurações familiares. Ou seja,
certa tranquilidade, uma relativa distância da sobrevivência material. Casa
própria, salários baixos, mas sempre disponíveis, ajuda de familiares, ou
duplas jornadas de trabalho para ambos os pais são circunstâncias que colocam
alunos em situação privilegiada em relação às demais famílias dos segmentos
populares. (LAHIRE APUD RIBEIRO,
2011, P. 64).
Nesse sentido, as famílias de meios
populares que possuem recursos financeiros, mesmo que pequeno, auxiliam seus
filhos com materiais didáticos e outros meios que lhes possibilitam absorver o
real significado do contexto escolar e dessa forma retribuir com resultados
positivos no que tange a aprendizagem. Esses recursos são: jornais, revistas,
livros, obras de arte, cinema, passeios a museus, acesso a internet etc. Todos
esses recursos proporcionam condições propicias aos estudos.
No entanto, para as famílias das camadas
populares em sua maioria essa suposta “estabilidade econômica”, mesmo escassa é
quase inexistente, isso faz com que eles busquem outros meios de apoio familiar
muitas vezes contando com o auxilio de pessoas próximas, estabelecendo assim
uma relação de reciprocidade e confiança.
Sob essa ótica, Bourdieu (1979) afirma
que o capital econômico não seria o fator determinante para o sucesso escolar,
mas seria um dos meios para alcançá-lo. Por sua vez, Coleman (1988) define o
capital econômico como renda, riqueza material e em termos dos bens e serviços
a que ele dá acesso. Para esse autor, o capital econômico é importante, pois
vincula a família a diferentes estratos sociais que possibilitam mobilidade
social para os agentes envolvidos nessas redes de relacionamentos.
1.3-CAPITAL CULTURAL
Para Bourdieu (1979), a noção de capital
cultural surge da necessidade de se compreender as desigualdades de desempenho
escolar dos indivíduos oriundos de diferentes grupos sociais. Sua sociologia da
educação se caracteriza, notadamente, pela diminuição do peso do fator
econômico, em comparação ao peso do fator cultural, na explicação das
desigualdades escolares.
Segundo este sociólogo, o capital
cultural existe sob três formas: no estado incorporado, no estado objetivado e
no estado institucionalizado. O estado incorporado acontece sob a forma de
arranjos duráveis do organismo, oferecendo como principais dados
característicos os gostos, a propriedade maior ou menor da língua culta e os
conhecimentos adquiridos no contexto escolar.
No estado objetivado, o capital cultural
é representado pelos bens culturais que o indivíduo pode ter acesso, tais como
esculturas, pinturas, livros, etc. Porém, para esses bens se solidificarem
economicamente é necessário possuir capital econômico.
O significado de Bourdieu (1980) para
capital cultural institucionalizado possui semelhanças com o conceito de
capital humano de Coleman (1988). Este último afirma que o capital humano é
igual ao grau de instrução das pessoas. Em se tratando de famílias, este tipo
de capital é importante para proporcionar um espaço cognitivo favorável à
aprendizagem escolar dos filhos. Nesse sentido, o capital cultural
institucionalizado se dá basicamente sob a forma de títulos escolares.
O
grau de investimento na carreira escolar está vinculado ao retorno provável que
se pode obter com o título escolar, notadamente no mercado de trabalho. Esse
retorno, ou seja, o valor do título escolar pode ser alto ou baixo; quanto mais
fácil o acesso a um título escolar, maior a tendência à sua desvalorização. É o
que o sociólogo francês chama de ‘inflação de títulos’, (BOURDIEU, 1980, P. 49.)
Diante disso, torna-se imprescindível
referendar LAHIRE (apud SETTON, 2011)
no que tange o capital cultural, pois segundo ele, as formas de acesso à
cultura através da leitura e escrita das famílias são demasiadamente
importantes. Todavia, a ênfase não seria apenas sobre tais habilidades, mas, sobretudo
sobre os resultados que esta infringe na socialização dos estudantes em um
tempo relativamente curto.
Segundo LAHIRE (apud SETTON, 2011)
considera que a existência de um capital cultural familiar, a posse de
diplomas, o gosto pela leitura ou a frequência a cinemas ou teatros vão
determinar, e não garantir mecanicamente a posse de cultura dos herdeiros. Sendo
assim, é necessário analisar os meios de transmissão e interiorização desses
recursos disponíveis na família que são alguns dos fatores responsáveis pelo
sucesso escolar.
CAPÍTULO II
2.1-
A ABORDAGEM SOCIOLOGICA DAS TRAJETÓRIAS ESCOLARES
Estudos que investigam processos que permitiram
o ingresso de jovens de meios populares no ensino superior surgiram no Brasil a
partir da década de 1990. Esses estudos, sobretudo, visam compreender as
práticas de colaboração em redes familiares que permitiram uma escolarização prolongada
para esses indivíduos, ou seja, entender o fenômeno que permitiu a esses jovens
romper com a tradição frequente no seu meio de origem de uma escolaridade de
curta duração.
Nesse sentido, pretende-se no decorrer
das análises das literaturas aqui expostas demonstrar como as trajetórias
escolares de sucesso são influenciadas pelos capitais econômico, social e
cultural de que fala Bourdieu e também a presença familiar abordada por Lahire.
Acredita-se que apesar do trabalho de Lahire ter sido realizado com crianças,
não desmerece a importância dessa pesquisa em relacioná-la ao sucesso escolar
em meios populares.
Dentre os estudiosos dessa temática no
Brasil, podemos citar: Portes, Viana e Zago, entre outros, que são referências
no Brasil no que diz respeito aos estudos relacionados às trajetórias escolares
de estudantes de baixa renda. Esses estudos apoiam-se em contribuições teóricas
produzidas no exterior, onde pesquisas relacionadas a esse tema são menos
recentes trazendo importantes contribuições ao chamar a atenção para aspectos
pouco explorados. Sendo assim, para reforçarmos a discussão a que se propõe
este trabalho, ou seja, trajetória escolar de estudantes de baixa renda
considera-se oportuno trabalhar com os teóricos estrangeiros Pierre Bourdieu e Bernard
Lahire, por terem produzido trabalhos relevantes nessa linha de pesquisa.
Estudos no campo da sociologia da educação produzidos no
Brasil e no exterior vêm fornecendo indicadores teóricos importantes para
problematizar o que tem sido chamado “longevidade escolar’, casos ‘atípicos’ ou
‘trajetórias improváveis” de estudantes dos meios populares, (ZAGO, 2006, P. 35).
Diante disso, acontecem no cenário
brasileiro discussões por diversos segmentos da sociedade (movimentos
sociais, intelectuais, pesquisadores, políticos etc.) acerca do acesso ao
ensino superior de estudantes de baixa renda. Em consonância com essas
discussões, atualmente ocorrem debates no que tange a políticas de ações
afirmativas como cotas raciais e cotas sociais, que visam favorecer classes
marginalizadas historicamente. Nesse contexto, muitas pesquisas têm sido realizadas
com o intuito de melhor e atender a esse público que luta por acesso à
universidade, sobretudo às públicas.
A partir da pesquisa realizada por
Lahire (1997) com crianças francesas, em seu trabalho intitulado: Sucesso
escolar em meios populares: As razões do improvável, ele investigou as relações
entre o desempenho escolar de 26 crianças (que frequentavam o equivalente ao 2º
ano no Brasil) provindas de meios populares e suas configurações familiares.
Segundo o autor, dentre os estudantes pesquisados há casos de “fracassos”
previsíveis, ou seja, lares com uma realidade difícil vivida por alunos cujos
pais possuem nenhuma ou pouquíssima escolarização, profissões não qualificadas,
o que pode ser considerado como baixo capital cultural, alguns, inclusive
imigrantes com pouco domínio da língua francesa etc.
Existem ainda casos de “fracassos”
improváveis, isto é, lares onde os pais possuem maior nível de escolarização,
por exemplo, com condições mais favoráveis a educação de seus filhos, com
desempenho escolar bastante ruim por estar abaixo da média exigida nas escolas,
até casos de “sucesso” de alunos que, apesar de viverem em condições bastante
difíceis no que tange o desempenho escolar, obtiveram um resultado considerado
excelente. Segundo Lahire (1997) no que tange as semelhanças de origem social e
condições de vida, as trajetórias escolares percorridos por esses alunos são
complexas e diversas. Nesse sentido, ele se deteve, entre outras causas, nas
razões do improvável.
Nessa perspectiva, Viana (2006)
investigou em seu trabalho denominado “Longevidade escolar em famílias de
camadas populares: Algumas condições de possibilidade”, uma problemática de
fundo comum: as condições que possibilitam o fenômeno, estatisticamente
improvável, da longevidade escolar em meios populares. Diante disso, a autora
analisou sete casos de estudantes de meios populares, que possuem como
características familiares, pais com baixo nível de escolarização e profissões
informais, que lhes ocasiona baixa remuneração, entre outros indícios que as
identificam como sendo oriundos de classes populares. Eles conseguiram
ingressar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esses sujeitos foram
selecionados no interior de um corpus
de 120 autobiografias escolares produzidas de forma escrita.
Nessa análise bibliográfica Viana (2006)
traz reflexões importantes para se pensar as relações de longevidade escolar
nas camadas populares. A autora também constatou a presença de práticas
socializadoras nessas famílias. No entanto, ela não encontrou
“superinvestimento familiar” entre os entrevistados, ao contrário das camadas
médias, onde as estratégias escolares são previamente definidas.
A contribuição de Écio Portes (1998)
relativa à trajetória escolar de estudantes desfavorecidos economicamente
decorre de uma pesquisa que buscou analisar o cotidiano universitário de um
grupo de alunos que ingressaram através do vestibular na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) em cursos considerados de alto nível, a constar: Ciência
da Computação, Comunicação Social, Direito, Engenharia Elétrica, Fisioterapia e
Medicina. Segundo o autor, são trajetórias “estatisticamente improváveis”, pois
elas contrariam as previsões acerca das possibilidades reais desses estudantes
obterem êxito nesses cursos como afirma Portes (1998, p. 11) “a entrada nessas
carreiras parece ser restrita àqueles que possuem um volume mais significativo
de capital escolar e cultural”.
Para sustentar sua pesquisa Portes
dialoga com Terrail, Laurens, Lahire, Viana, entre outros, com o intuito de
compreender as formas de acesso ao ensino superior por esses estudantes. Esses
trabalhos no Brasil tomam como ponto de partida o sujeito já no interior do curso
superior, ou seja, observam uma trajetória de “sucesso”. Portes, assim como
Viana e Lahire, encontrou alguns traços marcantes relacionados às redes
familiares que auxiliaram no ingresso desses jovens, a constar: à presença
frequente dos pais através de uma ordem moral doméstica, a atenção em relação às
atividades escolares dos filhos, ou até mesmo ao apoio de professores
direcionando os mesmos para a garantia de uma trajetória segura de
escolaridade.
Vale ressaltar, que Bernard Lahire utilizou
apenas as notas do exame nacional de Língua Francesa e Matemática, para essa
pesquisa, isso, no entanto, não diminui em nenhum momento a importância de seu
trabalho. Nessa perspectiva, a opção por seu trabalho diz respeito às reflexões
expostas relacionadas à complexidade das configurações familiares, que em
consonância com os investimentos pedagógicos proporcionaram aos seus filhos o
sucesso ou fracasso dos mesmos. De acordo com isso acredita-se que não é
objetivo deste trabalho encontrar uma definição para o que seria sucesso ou
fracasso escolar.
No entanto, devido á relevância desses
conceitos para este trabalho é importante enfatizar que todos os autores
brasileiros, de maneira geral, definem as trajetórias bem sucedidas desses
indivíduos como, “sucesso escolar” ou “longevidade escolar”, e atribuem como
indicador o ingresso no ensino superior. Em consonância com isso Lahire (1997, p.53),
afirma que: “não é papel do sociólogo, dizer o que é ‘fracasso’ e o que é ‘sucesso’
escolar. Estas palavras são categorias, primeiro e antes de tudo, produzidas
pela instituição escolar”
Nesse sentido, para Lahire (1997), não
se pode compreender o desempenho escolar dos alunos apenas como resultado das
condições sociais, econômicas e culturais de suas famílias,ou seja, somente
esses aspectos não refletem a complexidade e diversidade dos perfis
apresentados, pois é preciso investigar o contexto do lugar e a subjetividade
de cada indivíduo, além de muitos outros fatores que podem influenciar no
desempenho escolar de alunos de origem popular.
Essa subjetividade é o habitus que decorre das necessidades de
mudanças das condições sociais a que o sujeito está inserido. Segundo Bourdieu (1990,
p. 28) “o habitus é um conceito que
nos permite pensar sobre a mediação existente entre condicionamentos sociais e
subjetividade dos indivíduos”. Para Setton (2002) a superação da contradição
entre indivíduo e sociedade na obra de Bourdieu é compreendida por meio dessa
teoria que esta inserida em uma imensa variedade de situações sem que nem mesmo
o sujeito tenha consciência desse fato.
O todo social não se opõe ao indivíduo. Ele está presente
em cada um de nós, sob a forma do habitus,
que se implanta e se impõe a cada um de nós através da educação, da linguagem
etc. Tudo o que somos é produto da incorporação da totalidade. Habitus é o que permite aos indivíduos
fazer escolhas, tomar decisões, agir. (BOURDIEU, 2002, P.33).
Sendo assim, o habitus é um conjunto de percepções, valores que auxiliam o
indivíduo a circular, tanto física quanto simbolicamente no espaço social. É
formado por esquemas de percepção e de ação que fazem de cada agente um
indivíduo singular e, ao mesmo tempo, membro de um grupo ou classe social. É um
conjunto de disposições que se acumulam ao longo da vida e que se devem à
origem e à trajetória sociais. Ele é produto da incorporação da necessidade,
uma espécie de natureza, porém uma natureza socialmente construída.
Dentre outros fatores mencionados ainda
por Lahire que influenciariam no sucesso escolar, podemos citar aquele
referente ao aspecto psicológico, isto é, apesar de nem sempre ele mencionar
como psíquica algumas questões abordadas por ele, podemos inferir, por exemplo,
que os medos e os sofrimentos decorrentes de traumas que acontecem no interior
das relações familiares influenciam em atitudes negativas nas escolas.
Dessa forma, ele afirma que o aspecto
psicológico seria até mais importante que o capital cultural e a escolarização
dos pais. Segundo Lahire, (1997, pag. 345) “É sem dúvida preferível ter pais
sem capital escolar a ter pais que tenham sofrido na escola e que dela
conservem angústias, vergonhas, complexos, remorsos, traumas ou bloqueios”.
Com o objetivo de exemplificar o que seria
sucesso improvável, considera-se oportuno relatar um dos casos pesquisados por
Lahire. Por exemplo, é o caso de uma garota, filha de imigrantes argelinos, sua
mãe é faxineira e analfabeta, o pai por sua vez lê apenas em árabe e é operário
do setor de serviços. A família possui outros dois filhos que estão na escola e
são eles que auxiliam a irmã com as atividades escolares, muitas vezes são até
mesmo agressivos com ela.
Partindo dessa premissa,
observa-se então, que essa criança é a típica estudante de meios populares que
estaria fadada ao fracasso. No entanto, ela obteve 7,2 - considerada uma nota
excelente - no exame nacional. Mas,além disso, ela é descrita por seu professor
como ótima aluna, pois compreende as regras escolares. Segundo
Lahire, as famílias transmitem através de atitudes, hábitos e atos um conjunto
de procedimentos que se refletem na vida escolar de seus filhos:
A criança constitui seus esquemas
comportamentais, cognitivos e de avaliação através das formas que assumem as
relações de interdependência com as pessoas que a cercam com mais frequência e
por mais tempo, ou seja, os membros de sua família. Ela não “reproduz”,
necessariamente e de maneira direta, as formas de agir de sua família, mas
encontra sua própria modalidade de comportamento em função da configuração das
relações de interdependência no seio da qual está inserida. Suas ações são
reações que ‘se apoiam’ relacionalmente nas ações dos adultos, que sem sabê-lo,
desenham, traçam espaços de comportamentos e de representações possíveis para
ela (LAHIRE 1997, P.17).
Diante disso, observa-se que o sucesso
escolar é a combinação singular da configuração familiar a que os alunos estão
expostos que possibilita a explicação desse êxito escolar improvável, isto é,
apesar de muitos pais não terem condições de auxiliar seus filhos nas
atividades escolares, eles contribuem comprando livros, acompanhando a
biblioteca, ou simplesmente estimulando a dedicar-se aos estudos. Em suma, na
ausência de um capital cultural relativo à família, o que a pesquisa demonstra,
é que no interior dessas famílias existem práticas que viabilizam o sucesso
escolar, mesmo com todas as adversidades impostas pela situação, sejam elas de
ordem econômica, cultural ou social de sua família.
Bourdieu (1996) chama isso de osmose,
isto é, não existe uma ação intencional, metódica, isto acontece de forma
aleatória através de compra de livros, revistas, jornais, dicionários etc.
mesmo que muitos pais não tenham o hábito de ler, eles consideram importante
que seus filhos leiam. O mesmo acontece com as regras familiares relativas ao
horário de estudo, diversão, realização das atividades escolares ou
simplesmente ouvindo os relatos dos filhos sobre sua rotina escolar. As
crianças percebem que os pais, mesmo com todas as dificuldades que possuem, se importam
com o que acontece com elas e elas, por sua vez, buscam se empenhar nos
estudos.
Busca-se agora relacionar o trabalho de
Lahire com pesquisas realizadas no Brasil que abordam a problemática do acesso
de alunos provindos de meios populares que acessaram o ensino superior.
Diferente de uma visão conhecida pelos
sociólogos que se estabelece exclusivamente na relação entre a estrutura de
classe e os desempenhos escolares, esses estudos apoiam-se em um conjunto de
situações possíveis de explicar as trajetórias de êxito escolar. Além das
características sociais das classes desfavorecidas economicamente (tais como a
renda, ocupação e escolaridade dos pais), o interesse volta-se para outros elementos
que fazem parte das trajetórias escolares bem sucedidas, como as práticas
familiares no processo de escolarização.
Nessa perspectiva, segundo CHARLOT
(apud VIANA, 2006 P. 56) deve-se
considerar que o termo trajetória escolar, é o caminho constituído por fases
que no decorrer do tempo demonstram o valor escolar de um sujeito formando-se e
adquirindo consistência e, possibilitando dessa forma, em dados momentos,
prenúncio quanto ao futuro do percurso dentro do sistema de ensino.
Para alguns dos
jovens existe um “curso normal do tempo”, uma rotina da vida, uma sucessão
cronológica do tempo: “ Se é criança, tenta-se aproveitar a juventude e, ao
mesmo tempo, vencer nos estudos; obtêm-se diplomas, encontra-se um trabalho;
casa-se, têm-se filhos. Esses jovens inscrevem seus projetos no tempo longo de
uma “vida normal”, que inclui a geração dos próprios filhos. No entanto, essa
“vida normal” não está assegurada para jovens oriundos dos meios populares.
Para eles, o curso da construção da vida, no tempo, pode ser perturbado e,
muitas vezes, interrompido, para melhor ou para pior; a vida pode “balançar” em
função de um episódio, ligado, seja à família, ao trabalho, à escola, à
religião, à droga, a partir do qual há um “antes” e um “depois”. O tempo da
vida pode ser atravessado por rupturas que desorganizam o curso normal da vida.
Alguns desses jovens vivenciam esse fenômeno com algum nível de fatalismo.
Outros, ao contrário, pensam que é preciso “provocar” as coisas, porque nada,
jamais, vem sem esforço. (VIANA 2006, P. 202).
Diante disso, a autora
buscou identificar formas específicas de presença das famílias populares na
escolarização prolongada dos filhos focando, sobretudo, nas práticas
socializadoras como um espaço de constituição de disposições facilitadoras de
longevidade escolar nesses meios. Sendo assim, ela defende que esta seria uma
das formas por meio das quais as famílias populares estariam presentes na
escolarização prolongada de seus filhos.
Viana (2006) compreende o
conceito de mobilização escolar das famílias como atos sistemáticos e
intencionais visando sempre o bom rendimento escolar de seus filhos. A mesma
mobilização é percebida por Lahire (1997) em sua pesquisa com crianças
francesas. No entanto, Viana afirma que a longevidade escolar é possível sem
essas mobilizações familiares, justamente por ela não ter encontrado formas
específicas nos casos de estudantes de baixa renda em que ela estudou,
diferentemente do que acontece com estudantes de classe média.
Viana e alguns estudiosos
como Laurens e Zéroulou enfatizam que os casos de longevidade escolar em meios
populares podem ser explicados por uma forte mobilização escolar das famílias. Todavia,
se os trabalhos desses pesquisadores mostram que essa mobilização familiar é atributo
necessário para o sucesso escolar dos sujeitos analisados, em contrapartida,
outras pesquisas, que também abordam essa problemática relacionada ao sucesso
escolar em famílias populares, reconhecem predominantemente, a inexistência de
práticas familiares que possam ser consideradas como mobilização escolar.
Diante dessa constatação,
buscam-se outros fatores explicativos, além do apoio familiar, que influenciam
no sucesso escolar desses indivíduos. Haja vista, que as composições familiares
divergem nos aspectos sociais, econômicos, culturais. Dessa forma, a autora
constatou que existe uma autodeterminação nesses estudantes que os impulsionam
a não desistir diante dos obstáculos encontrados, ou seja, ela atribui essa
resignação construída na trajetória de escolarização subjetiva dos indivíduos: para
Viana (2005, p.52). “essas trajetórias supõe um querer e uma autodeterminação
imbatíveis, sobretudo dos filhos, condição sinequa
nonde (expressão estrangeira que requer uma nota explicativa) produção de
sobrevida escolar em meios populares”.
Outro aspecto abordado por
Viana, estar relacionado à importância que essas famílias dispensam com a
mobilização escolar. Mobilização esta compreendida como atitudes e práticas
voltadas e intencionalmente ordenadas para a garantia do bom desempenho escolar
dos filhos. Essas atitudes relativas à mobilização escolar dos filhos foram
encontradas também por Lahire em seu trabalho com crianças francesas e o mesmo
aconteceu com Portes em sua pesquisa com estudantes universitários.
Com o intuito de enfatizar
as práticas familiares encontradas pelos autores mencionados neste trabalho, no
que concerne ao valor da instituição familiar e ao desempenho escolar desses
estudantes para sustentar as questões que se apresentam neste trabalho,
considera-se também indispensável explicar o conceito de família, diante das
configurações familiares atuais. Sendo
assim, de acordo com o Dicionário Aurélio (1999, p.877), família significa:
”[...] o pai, a mãe e os filhos; pessoas unidas por laços de parentescos, pelo
sangue ou por aliança; [...] comunidade formada por um homem e uma mulher,
unidos por laço matrimonial, e pelos filhos nascidos dessa união”.
No entanto, na atualidade a
noção de família tem o significado bem mais amplo, portanto, de acordo com o
mesmo dicionário: “Grupo formado por indivíduos que são ou se consideram
consanguíneos uns dos outros, ou por um descendente de um tronco ancestral
comum e estranho admitidos por adoção”, ou até mesmo amigos que habitam o mesmo
espaço por um determinado tempo pode ser considerado família.
Nesse sentido, Pereira afirma
que a família tem papel fundamental como unidade de reprodução social. Para BOURDIEU
(apud PEREIRA, 2008, p. 29) “Esse papel é determinante na manutenção da ordem
social, na reprodução, não apenas biológica, mas social, isto é, na reprodução
da estrutura do espaço social das relações sociais”. Dessa forma, na teoria
desenvolvida por ele, o sucesso escolar está vinculado a redes de apoio
familiares (família, parentes, amigos), que se ajudam de diversas formas, seja
com apoio financeiro, moradia, alimentação, ou simplesmente com palavras de
incentivo.
Vale ressaltar outro aspecto
mencionado por Pereira que é em relação ao número de filhos das famílias das
classes populares, pois quanto menor o número de filhos, mais condições de
investimento financeiro torna-se possível para cada um dos filhos, seja em
educação, saúde ou lazer.
Limitando a própria
família a um número reduzido de filhos, quando não ao filho único, no qual se
concentram todas as esperanças e esforços, o pequeno burguês não faz mais do
que obedecer ao sistema de exigências que está implicado em sua ambição: na
impossibilidade de aumentar a renda, precisa reduzir a despesa, isto é, o
número de consumidores. (BOURDIEU, APUD
PEREIRA, 2011, P. 29).
Dessa
forma compreendemos que a composição reduzida da família, aliada às estratégias
escolares que visam o desempenho escolar de mobilização, possibilita
longevidade escolar comprovada, desde que haja controle de todas as outras
variáveis. Nesse sentido, LAHIRE, (apud SETTON, 2011) chama atenção para as
formas familiares de investimento pedagógico. Elas se referem ao empenho da
família em um projeto de ascensão social via sistema de ensino que se realiza
desde a procura por uma melhor escola pública da região à oferta de condições propícias
aos estudantes por meio da compra de livros e material didático.
Nesta
perspectiva, para LAURENS E ZÉROULOU (apud
VIANA; 2009) alguns estudos enfatizam que os casos de longevidade escolar em
meios populares podem ser explicados por uma forte mobilização escolar das
famílias. Sendo assim, a mobilização familiar seria condição indispensável para
se obter sucesso escolar. No entanto, o indivíduo de origem popular que não
possui estruturas familiares que supostamente lhes facilitariam absorver as
regras educacionais impostas pela classe dominante, faria “manobras” próprias
que de uma forma ou de outra lhes dariam condições de acesso ao ensino
superior.
Nesse
sentido, o fenômeno do sucesso escolar em meios populares seria uma forma de
mobilização tanto da família como do próprio sujeito que de alguma forma venha a
acessar o ensino superior dentro da probabilidade das exceções minimamente
comprovadas em casos singulares de êxito escolar.
CAPÍTULO
III
3.1-
CONTEXTO HISTÓRICO
Para
se descrever as quatro universidades públicas que os estudantes frequentavam na
época em que foram lançados os livros pelo MEC é necessário que se faça um
pequeno contexto histórico da implantação do ensino superior no Brasil. Segundo
ALMEIDA (apud SANTOS; 2006) o processo de fundação da educação superior é
bastante complexo existindo quatro (04) momentos peculiares quanto à esse nível
de ensino.
O primeiro momento se
estendeu do século XVI ao início do XIX, quando apenas uma parcela pequena da
população, que fazia parte da aristocracia brasileira encaminhava seus filhos à
metrópole portuguesa, onde principalmente na Universidade de Coimbra, concluíam
seus estudos. Um segundo momento está relacionado à vinda da família real
portuguesa para o Brasil em 1808 e persistiu até meados do século XX.
A atenção dada ao ensino superior
reforçava o caráter elitista e aristocrático da educação brasileira, que privilegiava
o acesso aos nobres, aos proprietários de terra e a uma camada intermediária,
surgida da ampliação dos quadros administrativos e burocráticos da época. (ARANHA,
2006, P.226)
O
terceiro momento do ensino superior, está relacionado ao processo de urbanização
das grandes cidades. Porém, ainda nesta fase não havia uma “democratização” do
ensino superior, pois os estudantes de baixa renda estavam excluídos desse
processo. No entanto, segundo Almeida (2006) nesta fase, houve um aumento
significante quanto ao número de alunos com idade mais elevada, de
trabalhadores em tempo parcial ou integral. Esse fato refletiu em um novo
perfil do alunado universitário. Porém, aqui ainda temos de forma predominante
indivíduos de camadas médias, ou seja, as chamadas camadas populares raramente
tinham acesso a esse nível de ensino.
Somente a partir da segunda metade da
década de sessenta se observa um acréscimo acentuado das vagas nas instituições
de ensino superior. Nesse novo cenário passa a existir uma “diversidade
acadêmica”, mesmo que parcial contrapondo-se à homogeneidade e exclusividade de
outrora. (FLORESTAN
apud ALMEIDA, 2006, p.03)
E
finalmente, na década de 1990 com os acontecimentos que surgiram em decorrência
da ampliação da educação fundamental e do ensino médio, surge uma clientela que
passa a reivindicar vagas no ensino superior. Essa exigência ocorre por parte
da classe média baixa e de baixa renda.
A ampliação dos níveis anteriores
acabou por trazer à cena nova exigência por vagas, agora no ensino superior, e
especialmente nas instituições públicas. A demanda parte de um novo estrato
social, que cursou majoritariamente a escola pública e que em geral não teria
as mesmas facilidades da classe média em financiar seus estudos superiores. É
sintomático desse novo perfil de estudantes o tipo de movimentos sociais que
surgiram reivindicando melhorias no acesso ao ensino superior, como o fenômeno
dos cursos pré-vestibulares alternativos, de baixo custo e voltados para alunos
carentes e/ou negros; as ações pela gratuidade nas taxas de inscrição dos
vestibulares; o movimento dos Sem-Universidade; o retorno da discussão sobre a
universidade popular; as propostas pelo fim do vestibular; e as políticas de
ação afirmativa através de cotas sociais e raciais. Numa conjuntura de
expansão, muitas dessas medidas alcançaram legitimidade política e ganharam
força no debate sobre democratização do final dos anos 90. (ALMEIDA 2006, apud
MOEHLECKE, 2004 P.42)
Esse fato, no entanto
não significou a democratização do ensino, pois para os alunos de baixa renda
que almejam acessar o ensino superior, ainda é preciso desviar de toda a sorte
de obstáculos, e um deles é o processo seletivo (também conhecido como
vestibular) adotado nas instituições brasileiras, que buscam principalmente
selecionar os “estudantes mais bem preparados”.
O processo de seleção adotado, o
vestibular, assentado no princípio da meritocracia e da equidade ignora as
desigualdades, servindo como máscara e justificativa para a indiferença às
desigualdades diante do ensino, da cultura e da renda. Nos termos de Bourdieu (2002, p.
53), “a equidade protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta aos
privilegiados”. “Assim, mesmo em um contexto de forte expansão da educação
superior, permanecem reduzidas as chances daqueles com menor quantidade de bens
econômicos e culturais chegarem ao ensino superior”. (PEREIRA; PASSOS, P. 22)
Dessa forma, o debate a
respeito das desigualdades sociais intensifica-se no decorrer dos anos de 1990,
e com isso, aos poucos, grupos historicamente marginalizados ganharam vez na
discussão, como os estudantes de baixa renda, os deficientes, os negros e os
indígenas.
Deste então, vêm sendo
discutida a melhoria e democratização do ensino superior pela sociedade civil e
organismos internacionais vêem exigindo do governo políticas públicas que
ampliem, não apenas o acesso, mas que garantam condições de permanência dos
estudantes de baixa renda nesse nível de ensino.
3.2 -
PERFIL DAS IFES ANALISADAS - UNIDADES ESPACIAIS DE REFERÊNCIA
É indispensável para
este estudo descrever o perfil das quatro (04) universidades que os estudantes
beneficiados pelo programa conexões de saberes frequentam. Sendo assim, duas
estão localizadas na região sudeste, são elas: UFRRJ (Universidade Federal
Rural do rio de Janeiro) e a UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro), elas situam-se no mesmo Estado. Sendo que as duas da região norte,
são: A Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e a Universidade Federal de
Rondônia (UNIR).
Como foi explicado
anteriormente, o ensino superior no Brasil iniciou tardiamente, se comparado
com outros países, inclusive da própria América Latina. Nesse sentido, as
instituições quando surgiram, não tinham estruturas de universidades, eram
apenas escolas destinadas à formação de profissionais para atender os membros
do Estado Nacional. Dessa forma, somente em 1909 surgiu a primeira instituição
com status de universidade, que foi a
Universidade de Manaus, hoje conhecida como Universidade Federal do Amazonas
(UFAM).
Dessa forma, as
universidades brasileiras são classificadas da seguinte forma: públicas e
privadas. A primeira é mantida pelo governo com recursos públicos, e os alunos
não necessitam pagar nada pelo ensino recebido. De acordo com a Constituição
Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(LDB) no Artigo 207 que direciona quanto à finalidade do ensino superior
brasileiro, afirma que: As universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
Em relação às instituições privadas os
mantenedores são empresários ou institutos e a educação fornecida possui um
custo mensal pago pelos estudantes que a frequentam, de acordo com a
constituição federal e a LDB, em seu artigo 209 (citado da mesma forma nas
duas), consta que: o ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas
as seguintes condições: Inciso I- Cumprimento das normas gerais da educação
nacional; II-Autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.
A UFRRJ foi fundada
com o decreto 8.319 em outubro de 1910, assinado por Nilo Peçanha, Presidente
da República, e por Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda, Ministro da Agricultura.
Este decreto estabeleceu as bases fundamentais do ensino agropecuário no
Brasil, criando a Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária,
inaugurada oficialmente em 1913. É considerada de grande porte, com um dos
maiores campus universitário do país e da América Latina, é também uma das mais
antigas do país com um imenso contingente de alunos de várias partes do país e
até mesmo do exterior. Historicamente a UFRRJ, é conhecida como Universidade
Rural do Brasil, por ter estabelecido as bases do ensino agropecuário no país.
Quanto a UNIRIO, é
uma instituição brasileira de ensino superior de nível federal, fundada em 1979
pela Lei n° 6.655, esta localizada na cidade do Rio de Janeiro e é a antiga
Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro. Através da
lei nº 10.750, de 24 de outubro de 2003, passou a se chamar Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, com sede na capital fluminense. É considerada uma das maiores do Brasil em
contingente docente e discente.
Nesse sentido, dentre
os diversos cursos ministrados na UNIRIO alguns são bastante tradicionais e
prestigiados. Vários deles, inclusive, precursores em suas respectivas áreas, datando
do início do século XX, como os de Medicina de 1912 e o de Enfermagem de 1890.
Outro curso bastante tradicional é o de Museologia, fundado em 1932, é o mais
antigo da América do Sul.
As outras duas
instituições estão na região Norte, são: UNIR e UNIFAP localizam-se em Estados
diferentes, e são consideradas as mais recentes e de menor porte do país. O
número de alunos que frequentam essas IFES, é relativamente pequeno se
comparado com as outras duas da Região Sudeste.
A UNIR é a maior
universidade do Estado de Rondônia, sendo a única pública, foi fundada em 1982.
Em 2008, a UNIR foi considerada pelo MEC, como a melhor universidade da Região
Norte, graças ao seu desempenho no Índice Geral de Cursos (IGC) origem do
sistema educacional.
Em relação à UNIFAP,
foi fundada em dez (10) de abril de 1987 e surgiu com a criação do Estado do
Amapá que até então era um território federal. Foi criada de acordo com a Lei
nº 7.596, de 10 de abril de 1987. É a única instituição pública federal do
Estado, possui 24 cursos e 6 campus localizados nos Municípios de Macapá, Santana,
Tartarugalzinho, Oiapoque, Laranjal do Jari, e Amapá.
CAPÍTULO
IV
4.1-DESIGUALDADES
SOCIAIS NO ENSINO SUPERIOR
As desigualdades de
acesso ao ensino superior são caracterizadas por muitas formas de exclusão,
dentre elas a mais visível seria a social, mais especificamente o fator
econômico se torna um entrave para as classes de baixa renda que almejam
acessar o ensino superior.
As desigualdades
escolares resultam de desigualdades sociais, ou seja, o sistema de ensino opera
sobre os estudantes uma ‘seleção natural’, segundo a qual os dotados dos
instrumentos de apropriação dos conteúdos escolares, no geral, em condição
econômica favorecida, estão mais aptos a obter sucesso nos processos de seleção
escolar e a ter uma escolarização prolongada com ingresso em carreira
universitária. (PEREIRA E PASSOS 2007; P. 20)
Nessa perspectiva, os indivíduos das classes
favorecidas - econômica, social ou culturalmente - tendem a obter êxito no
sistema escolar. Em contrapartida, os sujeitos das classes desvalidas que
conseguem ingressar no ensino superior apresentam vantagens sociais que os
diferenciam dos demais de sua classe social. Porém, isso não é suficiente, pois
devido ao seu escasso acúmulo de capitais, estes estudantes obtêm as posições
menos privilegiadas no ambiente acadêmico, esse fato influencia diretamente no
cumprimento das atividades acadêmicas, além das dificuldades no custeio dos
estudos e na inclusão social e simbólica, tudo em virtude de sua posição social.
Dessa forma, ao se fazer um paralelo
teórico entre igualdade e a desigualdade, historicamente segundo os ideais da
igualdade, nos deparamos com a concepção de justiça que explica e estabelece a
organização das sociedades modernas.
A igualdade é um projeto, um princípio
de organização que estrutura o devir de uma sociedade. […] O princípio de
igualdade […] é um movimento através do qual a sociedade procura libertar,
ainda que parcialmente, os indivíduos da sua história para lhes permitir
enfrentar melhor o seu futuro, abrindo-lhes um leque de escolhas que certas
circunstâncias do seu passado restringiram em demasia. A idéia de igualdade
instaura um combate contra o determinismo, a explicação linear do futuro pelo passado.
(FITOUSSI; ROSANVALLON apud SEABRA 2009, P. 74, 75)
Sendo assim, Seabra
(2009), afirma que as igualdades de oportunidades dentro do sistema educacional
são diferenciadas para aqueles que possuem recursos financeiros. Aos que são
desfavorecidos economicamente ficam relegados para as posições mais
indesejáveis, para as fileiras menos privilegiadas, e consequentemente, para os
diplomas de menor valor representativo no conceito da classe dominante.
Segundo Ferraz (2009)
as IFES por serem mantidas, essencialmente, por recursos públicos, administrados
pelo Estado, deveriam ser acessadas largamente pelas classes desfavorecidas
economicamente, não apenas por fazerem parte da grande maioria da população,
mas por ser desse estrato social que se origina grande parte dos impostos que mantém
essas instituições.
Dessa forma, mesmo
com todas as tentativas de possibilitar maior igualdade de oportunidades, tanto
ao nível das condições de acesso como das condições de permanência no sistema
educacional, os sistemas acabam causando uma segregação escolar, adquirindo,
diante disso, diversas formas de exclusão no interior do próprio sistema de
ensino.
Segundo BOURDIEU; CHAMPAGNE (apud SEABRA, 2009, p.79) “a escola atual, ao guardar no seu seio aqueles que
excluem, gera os “excluídos do interior”. De acordo com estes autores, a escola
exclui sempre, de uma maneira permanente e sutil, através de uma seleção cada
vez mais precoce, são “práticas de exclusões doces, ou melhor, insensíveis”.
Dessa forma, supõe-se
que uma das definições do que seria uma universidade democrática e socialmente
justa, seria levar em consideração, de que toda essa diversidade étnica e
social que forma o Brasil, tanto no que refere ao conhecimento produzido e
socializado,como nos três aspectos que fundamentam o ensino superior (ensino,
pesquisa e extensão), devem ser valorizadas na sua totalidade para que o
estudante carente consiga ingressar e se manter nesse nível de ensino.
A precariedade da Educação Básica
brasileira não é recente, e historicamente ela está aquém dos patamares
desejáveis de qualidade de ensino. O aluno que usufrui do ensino público muitas
vezes faz parte da classe social menos privilegiada da sociedade e acaba
sofrendo as consequências desse ensino deficitário. Geralmente este aluno, que
dispõe de menos recursos financeiros, não pode ter acesso a uma educação
privada, sente-se excluído, e, muitas vezes um aluno com um sentimento de
exclusão devido a sua classe social, acaba optando por uma desistência
antecipada, antes que o próprio sistema (educacional, social, econômico,
político, etc.) o elimine. (SOUZA E BRANDALISE, 2011, P.01).
Sendo assim, percebe-se um crescimento sutil
relativo ao ingresso de estudantes de baixa renda e negros no ensino superior.
Esse crescimento vem ocorrendo desde 1990, e deve-se, em parte, à
institucionalização por parte do Estado de ações afirmativas na área
educacional. Dessa forma, muitos
estudantes que não tinham chance de disputar a uma vaga no ensino superior
público, por diversas razões, tais como: Etnia e classe social, estão acessando
esse nível de ensino, em muitos casos, graças às políticas de ações
afirmativas.
4.2 -
CONTEXTO DAS AÇOES AFIRMATIVAS
As diversas discussões que ocorrem no
cenário político e educacional têm ocupado espaços relevantes no que concerne às
políticas públicas que visam à igualdade de oportunidades no ensino superior atual.
Nessa perspectiva, é indispensável destacar a importância do reconhecimento do
direito à igualdade que todos os cidadãos têm, no que tange a garantir o direito à diferença.
Sendo assim, surge a política de cotas
nas instituições de ensino superior, com o objetivo de garantir oportunidades
diferenciadas àqueles que têm necessidades diversificadas. Dessa forma, a
política de cotas é uma política afirmativa elaborada pelo Estado Brasileiro,
com o intuito de elevar o número de alunos oriundos de classes minoritárias
marginalizadas historicamente do ensino superior e de outros setores da
sociedade.
Nesse sentido, as políticas
de ações afirmativas têm seus alicerces históricos nos Estados Unidos, mais
precisamente em 06 de março de 1961, com a assinatura da Ordem Executiva, nº
10.9251, pelo presidente John Fitzgerald Kennedy. A Ordem instituía que
as empresas interessadas em firmar contratos com a administração pública, deveriam
promover a diversidade e a igualdade racial na composição de seu corpo de empregados.
As empresas
contratadas por entidades públicas ficavam obrigadas a adotar ‘uma ação
afirmativa’ com o objetivo de fazer crescer a contratação dos grupos que eram
considerados minorias, desigualados socialmente, e por extensão, juridicamente. (CRISPIM apud ATCHABAHIAN, 2011, p. 167)
No entanto, somente em 1963
o termo Ação Afirmativa, que foi criado pelo presidente John Fitzgerald
Kennedy, e nasceu da necessidade de enfrentamento da segregação racial e
promoção de igualdade entre negros e brancos nos Estados Unidos dos anos 1950 e
1960.
A princípio, as Ações
Afirmativas se definiam como um mero “encorajamento” por parte do Estado a que
as pessoas com poder decisório nas áreas públicas e privadas levassem em
consideração, nas suas decisões relativas a temas sensíveis como o acesso à
educação e ao mercado de trabalho, fatores até então tidos como formalmente
irrelevantes pela grande maioria dos responsáveis políticos e empresariais,
quais sejam, a raça, a cor, o sexo e a origem nacional das pessoas. Tal
encorajamento tinha por meta, tanto quanto possível, ver concretizado o ideal
de que tanto as escolas quanto as empresas refletissem em sua composição a
representação de cada grupo na sociedade ou no respectivo mercado de trabalho.
(GOMES, 2001, P. 05).
Dessa forma, no decorrer dos
anos 70, o significado de ação afirmativa, passou a estar ligado à efetivação
da igualdade de oportunidade por meio da obrigatoriedade na execução de cotas
rigorosas de acesso de representantes das minorias a determinados
estabelecimentos educacionais e esferas do mercado de trabalho. Nesse sentido,
as políticas de ações afirmativas vêm se moldando de acordo com as necessidades
atribuídas ao contexto de cada momento. Na atual conjuntura o mais notório é o
sistema de cotas, que estabelece um determinado número de vagas em espaços
específicos da sociedade.
Sendo assim, as ações
afirmativas ou políticas reparatórias buscam inserir indivíduos que são
marginalizados e que tiveram seus direitos mais básicos negados,
historicamente. Políticas como essas visam compensar a balança social, que
privilegia e beneficia determinados grupos hegemônicos, no que tange o acesso
aos bens sociais e materiais, ou seja, o individuo não é excluído somente pelo
contexto histórico, mas também pelo fator econômico que contribui para que ele
permaneça nesta situação de vulnerabilidade social.
Em relação ao Brasil as
discussões acerca das ações afirmativas ganharam força na década de 90, quando
se amplia o debate sobre a questão racial. A Constituição Brasileira prevê em
seu artigo 37 inciso III, a reserva de vagas para deficientes físicos na
administração pública. Esse fato tornou-se um dos momentos marcantes, em
relação às minorias, pois essa legislação visa proteger os direitos das pessoas
portadoras de deficiência física.
Em meados dos anos 90 o
governo da época, após diversos debates com a sociedade civil organizada, programou
através do Ministério da Justiça e por um grupo de intelectuais brasileiros e
norte-americanos, assim como lideranças e ativistas negros, uma reunião em que
abordaram questões relacionadas às ações afirmativas e multiculturalismo no
país. Em pouco mais de cinco anos, essas discussões deram origem a uma diretriz
do Ministério da Educação e surgiu a primeira reserva de vagas para negros em
uma universidade pública.
Nessa perspectiva, em 2001
as ações afirmativas tornaram-se uma ferramenta que visa reparar as
desigualdades sociais e raciais que surgiram através de discriminações e
conceitos negativos historicamente construídos, relativos às minorias no
Brasil. Esse fato teve maior repercussão em decorrência de uma forte
mobilização para a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, na África do
Sul.
Nesse sentido, em
decorrência da realização da Conferência de Durban, as autoridades responsáveis
sugeriram que diante das propostas apresentadas, especificamente nos parágrafos
107 e 108, são responsabilidades do Estado viabilizar políticas de ações
afirmativas, para suavizar um passado discriminatório.
107. Destacamos a
necessidade de se desenhar, promover e implantar em níveis nacional, regional e
internacional, estratégias, programas, políticas e legislação adequadas, os
quais possam incluir medidas positivas e especiais para um maior
desenvolvimento social igualitário e para a realização de direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as vítimas de racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, inclusive através do
acesso mais efetivo às instituições políticas, jurídicas e administrativas, bem
como a necessidade de se promover o acesso efetivo à justiça para garantir que
os benefícios do desenvolvimento, da ciência e da tecnologia contribuam
efetivamente para a melhoria da qualidade de vida para todos, sem
discriminação;
108. Reconhecemos a necessidade
de se adotarem medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de
racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito
de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação
efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que
impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar
a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos
e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade
de condições. Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance
de representação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos
partidos políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços
judiciários, na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns
casos devem exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para
igualdade de participação (DECLARAÇÃO DE DURBAN, 2001, p. 21).
De acordo com esse documento,
é função do Estado estimular a implantação e a ampliação de planos em âmbito
nacional que promovam a diversidade, igualdade, justiça social, oportunidades e
participação de seus cidadãos de todos os segmentos da sociedade brasileira. Sendo
assim, o governo brasileiro tem a obrigação de estabelecer e executar políticas
de combate ao racismo e toda forma de discriminações.
Em face desse compromisso
foi criado o Programa Nacional de Ações Afirmativas através do Decreto Federal
4.228/02, que lança as medidas de estímulo à inclusão de mulheres,
afrodescendentes e portadores de deficiência. Em 2003, de acordo com a Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), foi instituído o Decreto
4.886/03 que enfatiza que “para se romper com os limites da retórica e das
declarações solenes é necessária à implementação de ações afirmativas, de
igualdade de oportunidades, traduzidas por medidas tangíveis, concretas e
articuladas”.
Diante disso, em 2003 a Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi à primeira IFES a conceder reserva de
vagas de cotas raciais. Isso só foi possível em decorrência de uma lei aprovada
na Assembléia Legislativa Estadual. Neste mesmo ano outras instituições, como: Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS) também ofertaram vagas. E posteriormente em 2004, o sistema de cotas é
implantado pela Universidade de Brasília (UnB).
Diante dessa premissa surge uma
pequena mudança no quadro de vagas relativas ao acesso das minorias nas
instituições federais de ensino superior, que ficou mais evidente com a Lei nº
3.627, de 2004, que se instituiu o Sistema de Reserva de Vagas para estudantes
oriundos de escolas públicas, especialmente negros e indígenas. Em 2008 foi
apoiado no Projeto de Lei N.º 180/08, uma proposta de política de cotas, que
beneficiasse o ingresso de negros e pardos tanto nas universidades federais
quanto nas estaduais, bem como nas instituições federais de ensino técnico de
nível médio.
Nessa perspectiva, este
projeto ficou conhecido como “Lei de Cotas”, após a aprovação da Câmara
Federal. Ele busca beneficiar (negros, pardos, índios e estudantes de baixa
renda) na conquista por uma vaga nas universidades federais do país,
concorrendo dentro dos 50% das vagas que são reservadas para alunos egressos de
escolas públicas. Sendo assim, o sistema de cotas raciais foi aceito por
diversas instituições, cada uma com seu critério próprio de classificação,
sendo que os beneficiados devem constar nas três categorias exigidas: alunos de
escolas públicas, indígenas, negros ou pardos. Neste caso, observa-se que as
ações afirmativas não se destinam apenas as questões raciais, mas, sobretudo de
origem, de gênero e ainda a inclusão de deficientes.
No
entanto, em agosto de 2012 foi, sancionada a nova lei das cotas que estabelece
que 50% das vagas das universidades federais sejam destinadas a estudantes de
escolas públicas. A mesma reserva deve ser feita pelos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFES). Vale ressaltar que as instituições têm quatro anos
para se adequar à nova regra, que passou a vigorar para o vestibular de 2013
quando foi reservado um número mínimo de 12,5% das vagas para cotistas.
Nesse sentido, os alunos da rede pública que almejam
pleitear uma vaga deverão obedecer ainda a outros dois critérios: o de renda e
o étnico. De tal modo, que metade das vagas reservadas aos cotistas deverá ser
preenchida por jovens com renda familiar de até 1,5 salários mínimos por
pessoa. Isso significa que, quando as cotas estiverem plenamente adotadas 25%
das vagas de determinado curso serão preenchidas por candidatos de baixa renda
(desde que sejam provenientes da rede pública de ensino).
Sendo assim, o outro critério, além
dos candidatos autodeclarados negros, pardos e indígenas estarão garantidas,
dentre todas as vagas destinadas a cotistas, será um número de assentos
proporcional à participação dessas populações em cada estado brasileiro. Para
determinar esse percentual, serão observados dados demográficos do IBGE. Dessa
forma, observa-se no esquema abaixo uma divisão hipotética da distribuição pelo
sistema de cotas em uma universidade através do novo sistema de cotas de acordo
com o IBGE. Diante
disso, é necessário reconhecer que a política de ações afirmativas é um esforço
do governo na tentativa de amenizar as desigualdades sociais e raciais no
Brasil relativas, principalmente no quadro educacional, entretanto, deve-se salientar
que isso não é suficiente
Essa
proposta surge como aprimoramento jurídico de uma sociedade, cujas normas
pautam-se pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição entre
indivíduos livres, justificando-se a desigualdade de tratamento no acesso aos
bens e aos meios apenas como forma de restituir tal igualdade, devendo, por
isso, ter caráter temporário, dentro de um âmbito restrito. (FERRAZ, apud
MOEHLECKE, 2009, P. 04)
.
Em
suma, os argumentos a favor ou contra o sistema de cotas para o ingresso de
estudantes na educação superior pública e privada são constantes. Em relação
aos que se opõe, justificam que essa medida influencia a questão da
meritocracia e gera conflito entre os alunos que são favorecidos e aqueles que
ingressam na educação superior pelo vestibular.
Dessa forma, a luta pelo acesso
ao ensino superior por estratos sociais menos favorecidos tem levantado diversos
questionamentos, principalmente, aquelas que estão voltadas para as relações
sociais e raciais no Brasil que durante muito tempo estavam quase silenciadas e
que demonstram o quanto os estudantes de classes populares estiveram excluídos
do meio educacional.
Sendo assim, a questão do
sistema de cotas deve ser amplamente observada, para não cair em uma discussão
sem fundamentos e de senso comum, caso contrário, irá se tornar uma política de
caráter emergencial. Fato este que acaba por desmerecer esta política que tem
como objetivo construir um caráter democrático, voltada para a promoção de
acesso e manutenção de estudantes pertencentes a grupos sociais e
historicamente discriminados, nas universidades.
CAPÍTULO
V
5.1-
POLÍTICAS DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
Com o intuito de ampliar o acesso à
educação superior, o Governo Brasileiro criou programas que visam efetivar o
acesso e permanência das camadas baixas no ensino superior, considerando a
urgência de políticas especificas de reparação social e histórica para determinadas
classes sociais. Diante de todos os programas criados dois são relevantes para
este trabalho, pois são, atualmente, os que possuem maior demanda por
estudantes de classes populares. São eles: O Programa Universidades para Todos
(PROUNI)
e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
O PROUNI foi estabelecido pela Lei n°
11.096, de 13 de janeiro de 2005. Este programa concede bolsas de estudo
parciais e integrais para cursos de graduação e sequenciais em instituições de
ensino superior (IES) privadas. As IES que aderirem ao programa terão isenção
de alguns impostos e taxas federais, que devem ser pagas ao governo.
As condições para que o aluno concorra ao
PROUNI são as que ele tenha renda familiar de no máximo três salários mínimos e
tenha cursado todo o ensino médio em escolas públicas. Diante disso, a escolha
do candidato será feita pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Mesmo que o estudante não consiga bolsas integrais, ainda existe a possibilidade
de financiamento do estudo através do FIES.
Nesse sentido, o ENEM foi concebido em
1998, com o objetivo de avaliar anualmente o aprendizado dos alunos do ensino
médio em todo território nacional e, assim, fornecer informações para o
Ministério da Educação (MEC). De acordo com as informações colhidas, o MEC
organizaria políticas precisas e estruturais com vistas a melhorar o ensino
brasileiro de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino
Médio e Fundamental gerando, dessa forma, em conformação com os indicativos
relativos ao cruzamento de dados e pesquisas dos resultados do ENEM, alterações
nos mesmos.
Nessa perspectiva, O ENEM tem o objetivo
ainda de avaliar o desempenho individual do aluno ao final da educação básica.
Vale ressaltar, que o mesmo não tem caráter obrigatório, sendo sua adesão de
caráter facultativo. No entanto, a partir de 2009, o ENEM tornou-se também um
instrumento classificatório e seletivo para o acesso ao ensino superior.
Todavia, as IFES têm autonomia para escolher
entre quatro possibilidades de utilização do novo exame no que tange o processo
seletivo, a constar: a) com uma fase única, com o sistema de seleção unificada,
informatizado e on-line; b) como primeira fase; c) Combinado com o vestibular
da instituição; d) Como fase única para as vagas remanescentes do vestibular.
O
ENEM recebe críticas por parte de alguns segmentos da sociedade que afirmam que
este processo não leva em consideração as diferenças regionais brasileiras e
que por isso acabam beneficiando Estados mais desenvolvidos. Segundo Shiroma (2002, p. 119), “os
resultados dos exames nacionais de avaliação como o ENEM, são utilizados para
estabelecer um ranking institucional,
indicando dessa forma os centros de excelência”. Diante disso, as instituições
são obrigadas a estar inseridas nesse ranking,
visto que o governo federal repassa a maior parte dos recursos financeiros para
as instituições que apresentam os melhores resultados.
A pressão da avaliação externa desencadeia na educação
básica um processo que é muito comum no ensino superior: a disputa de
candidatos por vagas nas melhores escolas. O processo de seleção dos melhores é
sutil, a marginalização é dissimulada, um verdadeiro “apartheid” educacional. Apartheid que, operando uma seleção “nada
natural”, define quem pode ou não cruzar o portal do shopping educacional (SHIROMA
ET.ALL. 2002 P.119).
Dessa forma, no decorrer de onze edições, de
acordo com a tabela abaixo, a busca pelo ENEM aumentou consideravelmente,
passando de 150 mil para mais de quatro milhões de inscritos. Este aumento
expressivo, supostamente esta relacionado, com a utilização dos resultados do
exame por instituições de ensino superior, como critério complementar ou
substitutivo dos vestibulares. Esse foi o primeiro programa do governo que
buscou avaliar todo o sistema de ensino médio inserido no Brasil.
Demonstrativo do aumento da procura pelo ENEM:
Ano
|
Nº de inscritos
|
2010
|
4.611.441
|
2009
|
4.572.126
|
2008
|
4.018.070
|
2007
|
3.568.592
|
2006
|
3.742.827
|
2005
|
3.004.491
|
2004
|
1.552.316
|
2003
|
1.882.393
|
2002
|
1.829.170
|
2001
|
1.624.131
|
2000
|
390.180
|
1999
|
346.953
|
1998
|
157.221
|
Fonte: http://inep.gov.br
Todavia,
deve-se considerar, também, que o ENEM serve tanto para acesso às instituições
de ensino superior pública, como, às particulares, uma vez que é utilizado como
ferramenta de avaliação para aquisição de bolsa para o Programa Universidade
Para Todos (PROUNI).
Em se tratando do PROUNI, o ENEM
facilita o acesso de milhares de estudantes concluintes do ensino médio a uma
universidade particular. A bolsa é um benefício concedido ao estudante pelo
Governo Federal e não está condicionada a nenhuma forma de restituição
monetária ao governo, ou seja, concluído o curso, o bolsista não fica devendo
nada aos cofres públicos.
O PROUNI confere Bolsas de Permanência aos
estudantes comprovadamente carentes, sem recursos para se manterem nas
faculdades e tem como finalidade financiar, sobretudo, o transporte e a
alimentação de alunos com bolsa integral, matriculados em cursos presenciais
com no mínimo 6 (seis) semestres de duração e carga horária média superior ou
igual a 6 (seis) horas diárias de aula. A escolha dos bolsistas é feita
semestralmente, em janeiro e julho, de acordo com a disponibilidade
orçamentária e financeira do Ministério da Educação.
Nesse sentido, deve-se mencionar que
muitos estudantes de baixa renda que são favorecidos com o PROUNI, não teriam
meios para conquistar o seu acesso ao ensino superior e consequentemente não
iriam permanecer, devido a sua condição financeira. Nesse sentido, de acordo
com o MEC, desde sua criação até o segundo semestre de 2011, o PROUNI já
beneficiou cerca de 919 mil estudantes, sendo que desse percentual 67% foram contemplados com bolsas integrais
como mostra o quadro abaixo.
Nº de
bolsas de estudo parciais e integrais distribuídas pelo PROUNI:
|
Bolsas
parciais
|
Bolsas
integrais
|
Total
distribuído
|
2005
|
40.370
|
71.905
|
112.275
|
2006
|
39.970
|
98.698
|
138.668
|
2007
|
97.631
|
66.223
|
163.854
|
2008
|
99.495
|
125.510
|
225.005
|
2009
|
153.126
|
94.517
|
247.643
|
2010
|
125.922
|
115.351
|
241.273
|
Fonte: Sesu/MEC
Vale ressaltar, que a bolsa de estudo
integral é concedida somente para estudantes que não possuem diploma de curso
superior, e cuja renda familiar mensal, não ultrapasse o valor de até um
salário e meio, por pessoa. Já em relação às bolsas de estudos parciais com
cinquenta por cento (50%) ou vinte e cinco por cento (25%) são cedidas a alunos
que não tenham diploma de curso superior cuja renda familiar mensal não exceda
o valor de até três salários-mínimos per capita.
Todavia, as bolsas não são destinadas
somente para alunos da rede pública, mas também para alunos que cursaram o
ensino médio em instituições privadas na condição de bolsista integral, bem
como aos estudantes portadores de deficiência, professores da rede pública de
ensino, que desejam possuir um curso de licenciatura, Normal, Superior e
Pedagogia, independentemente de sua renda. Segundo Marrone (2011) esse programa
torna-se muito polêmico, por existirem determinados segmentos sociais,
políticos e educacionais que defendem que o dinheiro das isenções de impostos,
que são aplicados em instituições que aderem ao PROUNI, deveria ser aplicado,
somente, nas IFES públicas.
Nesse sentido, com o objetivo de
fomentar o ensino superior foi criado em 1999 o FIES. Esse programa é regulado
pela Lei Nº 10.260, de 12 de julho 2001, é operacionalizado por meio de empréstimo
recambiável e agenciado com a instituição financeira que o oferece. O programa
tem ganhado crescente participação das IES e, principalmente, dos estudantes em
todo país, por oferecer aos universitários escolhidos, recursos suficientes
para prover os custos de seus estudos e, dessa forma, concluir seu curso. A
participação das IES deve-se ao fato de que o governo possa garantir o
recebimento da parcela financiada pelo programa.
A adesão dos estudantes ao FIES, esta
relacionado aos juros, relativamente baixos, a expansão do Programa para a
pós-graduação, educação profissional, técnica de nível médio, e ainda beneficia
estudantes matriculados em programas de mestrado e doutorado, que sejam
reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com
avaliação positiva, e desde que haja disponibilidade de recursos, observada a
prioridade no atendimento aos alunos dos cursos de graduação. Esse fato acabou
favorecendo determinadas carreiras como as licenciaturas e a medicina no
tocante a possibilidade de diminuição das dívidas dos empréstimos. Diante
disso, designou-se um fundo que substitui os fiadores, ampliando prazos e
melhorando condições de pagamento.
Nesse sentido, o FIES, desde 2005,
passou a financiar as bolsas parciais dos alunos assessorados pelo PROUNI que
não participam dos processos seletivos regulares do FIES, sendo selecionadas
fases específicas para concessão de seus financiamentos. Dessa forma, a Caixa
Econômica Federal, que até recentemente era o único agente financeiro do FIES,
perdeu essa prioridade, ou seja, desde 2010 o Banco do Brasil também financia o
programa e oferece plano próprio de financiamento para estudantes. Em relação
aos profissionais da educação básica, que buscam qualificação em cursos de
licenciaturas, poderão quitar o financiamento, desde que trabalhem na rede
pública por 20 horas semanais, o que lhes garante redução de 1% da dívida por
mês trabalhado, isto acontece desde 2011.
Segundo LUCHMANN (apud PACHECO, 2007) é imprescindível
garantir que a população mais carente tenha a chance de fazer o curso de
graduação e, mais do que isso, que haja meios que favoreçam a estabilidade
desses estudantes nesse nível de ensino. No entanto, supõe-se que a variedade
de formas de acesso ao ensino superior, não garanta a conquista de um espaço
nas universidades, pois seria preciso considerar as intensas desigualdades
socioeconômicas do país e a baixa qualidade do ensino básico, que a maioria da
população tem acesso.
Nesse sentido, esses programas, de acordo com
Corbucci (2004, p. 698), “constituem-se iniciativa, ainda que tímida, de
redistribuição indireta da renda, ao transferir recursos de isenção fiscal a
estratos populacionais mais pobres já que tais recursos, caso fossem
arrecadados, não beneficiariam necessariamente esses grupos sociais”.
Longe de resolver ou de corrigir a distribuição desigual
dos bens educacionais, a privatização promovida pelo programa tende a
aprofundar as condições históricas de discriminação e de negação do direito à
educação superior a que são submetidos os setores populares. A alocação dos
estudantes pobres nas instituições particulares cristalizará mais ainda a
dinâmica de segmentação e diferenciação no sistema escolar, destinando escolas
academicamente superiores para os que passarem nos vestibulares das
instituições públicas e escolas academicamente mais fracas, salvo exceções,
para os pobres. (MANCEBO, 2004, P. 86).
Nessa perspectiva,
isso pode ser observado de acordo com o perfil dos estudantes que ingressam no
ensino superior através desses programas, esse fato mostra que a democratização
do ensino é bastante complexa no Brasil. Segundo Carvalho (2006) quando se
comparam os dados, da renda familiar per capita em salários mínimos da
população que frequentam esses programas nas faixas acima de três salários
mínimos (3s.m.), a proporção de estudantes é superior a 35%, ao passo que, com
a renda de até um salário (1s.m.), apenas 1,5% frequenta a graduação. Diante desses dados, é importante salientar
que de acordo com os dados do IBGE (2008), 86% da população de 18 a 24 anos
enquadram-se nos níveis de renda de menos de três salários mínimos exigidos do
público-alvo do PROUNI que não estão sendo contemplados pelo programa.
Desse modo, para FERRAZ (apud CHAUÍ 2009, p.04), “é necessário se
pensar a universidade sob outra perspectiva, cujo ponto central seria o
reconhecimento da função social da educação, comprometida com o desenvolvimento
social”. Nesse sentido, no que concerne às obrigações sociais das IFES, essas
não deveriam voltar-se para a exclusão dos cidadãos, para o fortalecimento das
relações do mercado, da competitividade e economias de recursos.
O Estado deveria
tomar a educação não pelo prisma do gasto público e sim como investimento
social e político; a educação deveria ser considerada como um direito, e não um
serviço; a utilização do fundo público deveria assegurar os direitos sociais; a
universidade deveria ter compromisso com a democratização do saber, dispondo de
autonomia institucional, intelectual e financeira. (FERRAZ apud CHAUÌ, 2009, P. 04).
Sendo assim, diante de um
quadro social e educacional tão desigual, cabe questionar a efetividade desses
programas, uma vez que as camadas de baixa renda não precisam apenas de
gratuidade integral ou parcial para estudar, mas de condições que apenas as
instituições públicas, ainda, podem ofertar, como: transporte, moradia
estudantil, alimentação subsidiada, assistência médica nos hospitais
universitários e bolsas de trabalho e pesquisa.
5.2 -
O PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES
No que tange as políticas públicas de
incentivo a educação superior no Brasil, elas ainda não conseguem abranger uma
imensa parcela da população, principalmente a de baixa renda. Esse fato pode
ser constatado nos índices educacionais relativos ao ingresso da população de
baixa renda nas instituições públicas de ensino superior do país. Segundo Zago
(2006, p. 228) “A expansão quantitativa do ensino superior brasileiro não
beneficiou a população de baixa renda, que depende essencialmente do ensino
público”.
É nesse sentido, que o governo brasileiro, através do Ministério da
Educação (MEC) com o objetivo de ampliar a permanência de pessoas oriundas de
classes populares ao ensino superior, criou o Programa Conexões de Saberes que
busca dar possibilidades aos estudantes de origem popular das universidades
públicas para que tenham condições de permanência nas instituições contempladas
pelo programa.
Vale ressaltar, que uma das
características mais relevantes do programa, é o abarcamento do sistema de
educação básica nessa política de inclusão, e em geral, da escola pública em
particular, como ambientes propícios para o desenvolvimento de estratégias de
articulação entre universidades e comunidades populares. Nesse sentido, o
programa Conexões de Saberes, desde o segundo semestre de 2006 faz parceria com
o Programa Escola Aberta, suscitando de forma mais calorosa a urgência de
enfrentamento com as questões que envolvam não somente a educação superior, mais
também a escolarização na educação básica.
À questão da educação
básica e/ou da escola pública emerge de forma mais ou menos indireta no âmbito
do próprio debate sobre a construção de políticas públicas voltadas para o
acesso e permanência de jovens de origem popular na Universidade pública – eixo
central em torno do qual se estrutura o programa Conexões de Saberes (MEC,
2007, p. 2).
As principais propostas do Programa além
de dar suporte financeiro é estreitar as relações entre os estudantes universitários
das instituições públicas e as comunidades populares visando estabelecer um
processo contínuo de qualificação como pesquisador através de propostas
pedagógicas adquiridas nas universidades, busca também, desenvolver ações
sociais nas comunidades por meio de diagnósticos previamente coletados com o
intuito de aproximar as comunidades populares e as universidades e estabelecer
uma reciprocidade entre conhecimento popular e conhecimento acadêmico.
O Programa se propõe a consolidar e ampliar suas frentes
de atuação, visando o fortalecimento de esforços na construção e implementação
de políticas públicas baseadas no diálogo e na troca de saberes permanente
entre comunidades de baixa renda, escolas e universidades, voltadas,
principalmente, para a democratização do acesso e da permanência, com sucesso,
nos diferentes níveis do sistema de ensino público. (FERRAZ 2009, p. 09)
Nesse sentido, o Programa
foi criado pela Resolução/CD/FNDE/Nº 052, de 25 de outubro de 2004, em parceria
com o Observatório de Favelas Populares do Rio de Janeiro, foi difundido
nacionalmente nesse mesmo mês, sob a coordenação da Secretaria de Educação
Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC,
em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO). Conta ainda com o apoio do Ministério do Esporte, Ministério
da Cultura e do Ministério do Trabalho e Emprego, além de diversas Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação.
O Programa pretende
ampliar o escopo das atividades da escola contribuindo para a melhoria da
qualidade da educação no país, promovendo maior diálogo, cooperação e
participação entre os alunos, pais e equipes de profissionais que atuam nas
escolas, tendo sempre em vista a necessidade de redução da violência e da
vulnerabilidade socioeconômica nas comunidades escolares (FERRAZ, 2009, p.15).
Sendo assim, no que tange os
critérios para a seleção dos candidatos as bolsas do Programa, é necessário que
os estudantes se declarem sem condições financeiras para custear a manutenção
dos materiais dos estudos, assim como a alimentação, transporte e etc. De acordo com a tabela abaixo houve uma
considerável evolução quanto ao número de beneficiados e de instituições que
aderiram ao programa.
Evolução-Conexões
de Saberes
Piloto
|
Universidades
|
Bolsistas
|
2004
|
5
|
75
|
2005
|
14
|
210
|
2006
|
26
|
520
|
2007
|
31
|
775
|
2008
|
33
|
2.200
|
Fonte: MEC/2013
Diante disso, vale ressaltar
que apesar da constatação de que aumentou a participação das IFES que aderiram ao
programa, assim como, o número de beneficiados, a permanência de estudantes no
ensino superior, não é função exclusiva de ações de assistência socioeconômica,
mas também de ações de natureza sócio-pedagógica e acadêmica que reconhecem e
valorizam a trajetória destes estudantes, criando na instituição um ambiente
intelectual receptivo aos saberes que trazem em função de suas experiências
escolares, culturais e existenciais.
5.3 -
METODOLOGIA
Na universidade, o
papel do aluno torna-se mais ativo na aprendizagem e na metodologia científica,
a disciplina encarregada de fornecer ao aluno os elementos necessários para
este auto-aprendizado. Segundo Demo (1996) a proposta atual da metodologia
científica é a de introduzir na academia o gosto pela pesquisa. Para tanto,
faz-se necessário à determinação de algumas normas, que têm por finalidade
validar um estudo científico, ou seja, os métodos de pesquisa.
Nessa perspectiva, no
que tange os estudos e discussões realizados, bem como os dados levantados,
concluiu-se que em termos metodológicos o mais adequado é a abordagem do
materialismo histórico-dialético, por se constituir em uma pesquisa que
apresenta elementos da trajetória de vida dos sujeitos, contidas nos memoriais
escritos por esses estudantes, bem como sobre suas condições materiais. Segundo Malagodi (1988, p. 15) “O caráter
genérico do materialismo histórico dialético provém do empenho de compreender o
conjunto do movimento e o contexto de vida das sociedades, ou seja, o passado,
o presente e suas disposições futuras”.
Neste sentido, o materialismo histórico
dialético é uma concepção filosófica que defende que o ambiente, o organismo e
os fenômenos físicos tanto modelam os animais e os seres humanos, sua sociedade
e sua cultura quanto são modelados por eles. Dessa forma, ao analisar a teoria
da sociedade, descobre-se o choque existente entre as classes sociais e seus
efeitos sobre o futuro da mesma sociedade. Sendo assim, os recursos materiais
estão em uma relação dialética com o psicológico e social. Todavia, essa
concepção se opõe ao idealismo, que acredita que o ambiente e a sociedade com
base no mundo das ideias, são criações divinas que seguindo as vontades das
divindades são influenciadas por uma força sobrenatural.
De acordo com essa teoria as relações
sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas, ou seja, o
capitalismo, que ao adquirir novas formas de trabalho, modifica os homens e o
seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida e modifica também todas as
relações sociais. Dessa forma, o modo
pelo qual a produção material de uma sociedade é realizada constitui o fator
determinante da organização política e das representações intelectuais de uma
época.
Sendo assim, a base material ou
econômica de uma sociedade constitui a infraestrutura social, que exerce
influência direta na estrutura macro, ou seja, nas instituições jurídicas,
políticas (as leis, o Estado) e ideológicas (as artes, a religião, a moral). Na teoria Marxista, a base material é formada
por forças produtivas (que são as ferramentas, as máquinas, as técnicas, tudo
aquilo que permite a produção) e por relações de produção (relações entre os
que são proprietários dos meios de produção, as terras, as matérias primas, as
máquinas e aqueles que possuem apenas a força de trabalho).
A
inclusão do materialismo histórico dialético, como abordagem metodológica
justifica-se para a análise dos memoriais que serão apresentados nesse
trabalho, pois o estudo da sociedade, da economia e da história, é necessário
para explicar que o capital social influencia nas trajetórias escolares.
O método de procedimento que será
utilizado para explicitar as mensagens expostas nos livros será a análise de
conteúdo, que segundo Severino (2007) é uma metodologia de análise de
informações constantes em um documento, sob a forma de discursos pronunciados
em diferentes linguagens: escritos, orais, imagens, gestos, isto é, um conjunto
de técnicas de análise das comunicações.
Em consonância a isso Moraes (1999)
afirma que: a análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada
para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos.
Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou
quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão
de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum.
Ainda segundo OLABUENAGA
e ISPIZÚA (apud MORAES, 1999), a
análise de conteúdo é uma técnica para ler e interpretar o conteúdo de toda
classe de documentos, que analisados adequadamente nos abrem as portas ao
conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social, de outro modo,
inacessíveis.
Dessa forma, a matéria-prima da análise
de conteúdo pode constituir-se de qualquer material oriundo de comunicação
verbal ou não-verbal, tais como: cartas, cartazes, jornais, revistas, informes,
livros, relatos autobiográficos, discos, gravações, entrevistas, diários
pessoais, filmes, fotografias, vídeos, etc. Contudo os dados advindos dessas
diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando,
então ser processados para, dessa maneira, facilitar o trabalho de compreensão,
interpretação e inferência a que aspira a análise de conteúdo.
Sendo assim, essa metodologia de
pesquisa faz parte de uma busca teórica e prática, com um significado especial
no campo das investigações sociais. Constitui-se em bem mais do que uma simples
técnica de análise de dados, representando uma abordagem metodológica com
características e possibilidades próprias.
Na
sua evolução, a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta
objetividade dos números e a fecundidade sempre questionada da subjetividade.
Entretanto, ao longo do tempo, têm sido cada vez mais valorizadas as abordagens
qualitativas, utilizando especialmente a indução e a intuição como estratégias
para atingir níveis de compreensão mais aprofundados dos fenômenos que se
propõe a investigar (MORAES 1999, P. 35).
Nesse sentido, como método de
investigação, a análise de conteúdo compreende procedimentos especiais para o
processamento de dados científicos. É uma ferramenta, um guia prático para a
ação, sempre renovada em função dos problemas cada vez mais diversificados que
se propõe a investigar. Pode-se considerá-la como um único instrumento, mas
marcado por uma grande variedade de formas e adaptável a um campo de aplicação
muito vasto, qual seja a comunicação.
Em face da necessidade de pesquisa
empírica para a realização deste trabalho de conclusão de curso, foram
analisados cinco (05) memoriais escritos por acadêmicos que se declararam
comprovadamente carentes, de um curso de Licenciatura de umas das IFES mais
jovens do país, localizada no extremo Norte.
Assim
pode-se entender que a pesquisa empírica é o recolhimento de dados a partir de
fontes diretas (pessoas) que conhecem, vivenciaram ou tem conhecimento sobre o
tema, fato ou situação e que, podem causar diferenciação na abordagem e
entendimento dos mesmos, conduzindo a uma mudança, acréscimo ou alteração
profunda, relevante que não distorça, agrida ou altere o conteúdo principal,
mas sim que o enriqueça e transforme em conhecimento de fácil compreensão e
também sentindo-se atraído por tal. (PORTELA 2011, P.01)
Neste sentido, a análise de memórias é
uma produção de relatos de vida, que diante de uma situação criada nas
dificuldades socioeconômicas, permite ao sujeito dar um novo significado a sua
experiência de vida. Esse tipo de pesquisa é necessário por:
Produzir
uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato
coerente de uma sequencia de acontecimentos com significado e direção, talvez
seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação comum da
existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar. (BOURDIEU
APUD PORTES, 1996, P.185)
Neste sentido, segundo Demo (2000, p.
21): "face empírica é baseado em fatos da realidade produz e analisam
dados procedendo sempre pela via do controle empírico e factual”. Para Demo
(1994, p. 37): “a valorização desse tipo de pesquisa é pela possibilidade de
oferecer maior concretude às argumentações, por mais tênue que possa ser a base
factual”. O significado dos dados empíricos depende do referencial teórico, mas
estes dados agregam impacto pertinente, sobretudo no sentido de facilitarem a
aproximação prática.
Sendo assim, o motivo de se escolher o
estudante pobre, justifica-se, pela utilização da expressão, (LAURENS apud PORTES, 1998, p. 241): “retirar o
véu que recobre os itinerários sociais atípicos e o sucesso escolar no meio
popular”. Dessa forma, as análises empíricas desses memoriais são necessárias
para reforçar a pesquisa dos memoriais apresentados nos quatro livros
publicados pelo MEC que serviram de suporte para este trabalho. Dessa forma,
nos quatro livros selecionados para esse estudo, constam 138 memoriais do
universo de 100%, sendo que desse total 55,79% representa o percentual de alunos
de classe popular e 44,20% são de classe média baixa.
Nesse sentido,
observou-se também que os alunos considerados de classe média baixa, possuem
uma vida financeira estável, mesmo que não seja abastada. Isso pode ser
identificado quando eles mencionam que seus pais possuem ensino médio, parcial
ou completo, existem outros membros da família com curso superior (tios,
irmãos), seus pais têm emprego fixo etc. diferentemente dos estudantes de
classe popular, ou seja, seus pais são analfabetos (total ou possuem o ensino
fundamental incompleto), têm profissões populares.
Sendo assim, do total
de alunos de baixa renda, será analisada uma amostra de onze (11) memoriais que
corresponde a 14% dos memoriais que subsidiarão a pesquisa. Também serão analisados cinco (05) relatos
empíricos de trajetórias escolares de estudantes desfavorecidos economicamente,
que acessaram uma IFES no extremo Norte do País.
138 memoriais do
universo de 100%
Classe popular
|
55%
|
Classe média baixa
|
44%
|
Nesse
sentido, este trabalho se ocupa com a reconstrução e análise da trajetória
escolar de universitários com o objetivo de compreender as práticas
socializadoras familiares utilizadas por esses estudantes que deram condições
de longevidade escolar, de tal forma que possibilitou que eles acessacem o
ensino superior, apesar de todas as adversidades impostas ao estudante de baixa
renda.
CAPÍTULO
VI
6.1-
ANÁLISE DOS MEMORIAIS
Diante da compreensão que as análises
dos memoriais são pertinentes para a conclusão deste trabalho, propõem-se após a
leitura e releitura dessas autobiografias, definir e organizar algumas
categorias de análise. Entre as categorias podemos citar: o perfil social das
famílias; as práticas de leitura e escrita entre os alunos e suas famílias; a
ordem moral doméstica; as redes de relacionamento extra-familiar e parentesco;
a participação dos pais com a vida escolar dos filhos, as estratégias
familiares para acessar o ensino superior e a importância desse nível de ensino
para esses estudantes.
Os alunos de camadas populares precisam encontrar um
conjunto de estratégias para garantir a longevidade escolar. Muitas vezes o
percurso é interrompido pelas condições estruturais pelas quais passam esses
alunos. Eles precisam fazer um intenso investimento de si mesmo para conquistar
certos objetivos, como por exemplo, o de ingressar na universidade (RIBEIRO
2011, P.07).
Diante disso, pretende-se colaborar na
apreensão desses casos de "sucessos improváveis" e perceber de que
forma são organizadas as trajetórias escolares de alunos oriundos de meios
populares que acessam o ensino superior. Sendo assim, no que tange a alguns
investimentos pessoais dos alunos, durante seu percurso escolar, consideram-se
relevantes as experiências desde o início do processo de escolarização, até as
singularidades dos processos de mobilização pessoal e o envolvimento com
pessoas que se tornaram referência para esses acadêmicos. Além disso,
destacam-se outros aspectos fundamentais para o ingresso nas IFES, como a
frequência a cursinhos preparatórios; a rotina de estudo; os planos para o
futuro; as estratégias empregadas visando à permanência na universidade.
Neste sentido, após
esse conjunto de definições, serão descritas as análises dos memoriais de
acordo com os teóricos da Sociologia da Educação mencionados anteriormente, com
intuito de fazer um paralelo com a teoria do capital social escolar, defendida
por Bourdieu.
A
minha origem é muito simples, venho de uma terra onde as pessoas são bastante
humildes. Meus pais, filhos de agricultores, começaram a trabalhar cedo para
ajudar a sustentar a família. Minha mãe trabalhava como empregada doméstica e o
meu pai como servente na construção civil. Eles não conseguiram avançar
muito na escola, pois meu pai parou de estudar na sexta série do ensino
fundamental, e minha mãe na quarta série primária. (Tatiane, UFRRJ, 2009, p..
15).
“Minha
família teve sua origem no interior do sertão de Pernambucano, região forte, lugar
onde desde cedo as pessoas são obrigadas a trabalhar para sobreviver o que,
junto com o baixo acesso a educação, contribuiu para o baixo nível de instrução
de meus pais que não completaram nem o ensino fundamental, e também, lugar onde
se aprende a viver em coletivo como forma de superar as dificuldades” (ALISSON,
UFRRJ, 2009, p. 15).
“Meu pai é filho de
mãe solteira, foi criado com parentes, nunca frequentou a escola como aluno
(...), minha mãe veio de uma família muito pobre e numerosa, tinha 22
irmãos... lê com muita dificuldade (...) da união com meu pai teve 8
filhos”(Lucinéia, UNIR, 2009,p. 48)
“Minha
família é composta por seis pessoas. Meus pais são de origem nordestina. Meu
pai sempre esteve à procura de melhores oportunidades de trabalho (...), mas
sem uma profissão definida e sem muito estudo teve muitas dificuldades de
encontrar trabalho fixo e satisfatório.” (ELIZEU, UNIFAP, 2009, P. 35) (grifos
nossos)
As narrativas acima
demonstram que quanto à origem social dos estudantes universitários, de uma
forma geral, seus pais têm funções populares, baixo nível de escolarização, são
imigrantes de regiões com poucas perspectivas econômicas, com uma família
numerosa. O fato de esses estudantes serem oriundos de meios populares pode ser
comparado ao trabalho de Lahire (1997) com crianças francesas no que tange a origem
social e condições de vida. Em sua pesquisa ele percebeu que os pais eram em,
sua maioria, imigrantes, analfabetos (ou apenas com ensino fundamental), e exerciam
funções populares etc.
Diante disso, nota-se
que a origem social dos agentes analisados faz relação com a teoria de capital
cultural defendida por Bourdieu (1979) relativas ao acúmulo e aquisição desse
tipo de capital que associados entre si favorecem o acesso à educação. A
acumulação inicial do capital cultural, segundo Bourdieu (1979, p.76): “começa
desde a origem, sem atraso, sem perda de tempo, pelos membros das famílias
dotadas de um forte capital cultural”.
Nesse sentido, no caso dos alunos em que o
capital cultural familiar é pequeno ou inexistente, procuram-se outros fatores
que possibilitam a longevidade escolar, pois o tempo de acumulação do capital
cultural envolve praticamente todo o processo de vivência, inclusive dos pais,
que influencia diretamente na trajetória escolar prolongada dos filhos.
Nessa perspectiva, é
imprescindível mencionar novamente a pesquisa relativa à trajetória escolar de
estudantes de baixa renda, produzida por Viana (2006) em que ela pesquisou as
condições que possibilitam o fenômeno, estatisticamente improvável, da
longevidade escolar em meios populares, pois são famílias que apresentam
características semelhantes a dos atores aqui analisados, tais como: baixo
nível de escolarização, profissões informais, que lhes ocasiona baixa
remuneração, entre outros indícios que as identificam oriundos de classes
populares.
Nesse sentido, Viana
(2003) buscou compreender as origens e efeitos desse fenômeno de sucesso
escolar em camadas populares. Assim, a autora afirma que a dissociação entre
escolarização e renda familiar influencia na valorização contemporânea relativa
à individualização do sujeito (condição de expressão de si) e no fenômeno do
prolongamento da escola. Tais fatores provocam o adiamento da entrada no mercado
de trabalho e, portanto, no acesso à independência econômica das famílias. Paradoxalmente,
esse prolongamento dos estudos traria efeitos perversos para aqueles que não
conseguem empreender uma escolarização completa, estando excluídos do mercado
de trabalho mais qualificado.
Dessa forma, os
indivíduos desfavorecidos economicamente e que não possuem um nível de
escolarização exigido para o mercado de trabalho, ficam relegados para as
profissões menos valorizadas, e consequentemente, acabam sendo obrigados a
migrarem para profissões informais, inclusive em muitos casos seus filhos
tornam-se “herdeiros” dessas profissões, pois precisam entrar no mercado de
trabalho precocemente para auxiliar seus genitores no sustento da família. Isso,
em muitos casos, dificulta a continuação dos estudos, como se verifica nos
fragmentos abaixo:
“Sou
atrasada nos estudos, devido minha data de nascimento, lembro como era fanática
para começar a estudar, mas infelizmente não comecei quando quis, e sim quando pude.
Por isso fui muito cobrada por meus pais para sempre estar entre os melhores da
classe sem poder contar com a ajuda deles, devido à falta de instrução, pois o
meu pai nunca terminou o ensino fundamental e minha mãe depois de muito tempo
sem estudar concluiu o ensino médio, depois de mim. Sempre estudei nas
escolas próximas a minha casa economizar dinheiro que não tinha no orçamento da
minha família”. (ROBERTA, UNIFAP, 2009, P. 69)
“Comecei
a estudar aos seis anos, no entanto faltei muitas vezes às aulas, a
necessidade fazia com que meus pais nos levassem para na época da colheita de
algodão. Era muito sofrido, pois a gente saia de casa ás 4 horas da
manhã e só voltávamos ás 8 horas da noite em cima de um caminhão” (LUCINÉIA,
UNIR, 2009, P. 48).
“Minha
avó me matriculou em um colégio público, quando eu tinha 12 anos. Eu fui
amparado pela Lei e não precisei cursar a 1ª e a 2ª séries, começando a cursar
a 3ª com algumas dificuldades que me levaram a repetência. Fiz supletivo na 5ª
série para me adiantar, pois já estava com quinze anos, mas não tive sucesso e
retornei a minha escola de origem” (LUIZ, UNIRIO, 2009, P. 104).
“Aos
sete anos de idade, comecei a estudar em uma escola no município de Monte
Alegre no interior do Estado do Pará, onde cursei até a quarta série. Nesse
período estudava pela manhã e à tarde tinha que ajudar meu pai na roça, coisa
que eu não gostava muito. Na localidade em que estava o ensino era só até a
quarta série. Por isso fui fazer a quinta série na cidade próxima e morar com
meus avos maternos. Nessa época eu trabalhava como vendedor de lanche nas escolas, para
poder comprar o material escolar”. (ELIZEU, UNIFAP, 2009, P. 35) (grifos
nossos)
Nessa perspectiva, constata-se
com esses fragmentos que os estudantes iniciaram seus estudos ainda na
infância. No entanto dois deles, Luiz e Roberta, relatam que devido às
dificuldades, principiaram os estudos tardiamente em virtude da necessidade de
auxiliar no sustento da família. Esse fato ocasionou alguns constrangimentos
para eles, como no caso de Luiz que repetiu o ano. Isso, no entanto, não
permitiu que essas pessoas desistissem de seus objetivos de estudar, pois suas
famílias acreditavam que o estudo era necessário para talvez mudar a realidade
em que estavam.
Percebe-se no relato
de Luiz que a pessoa que lhe incentivou a estudar foi sua avó. O mesmo
aconteceu com Elizeu, que por não poder continuar seus estudos em seu local de
origem precisou residir com seus avôs em outro Município, e mesmo assim tinha
que trabalhar como ambulante para arcar com seu material escolar. Essas
singularidades são defendidas por Lahire (1997), quando ele afirma que não se
pode compreender o desempenho escolar dos alunos apenas como resultado das
condições sociais, econômicas e culturais de suas famílias, isto é, somente
esses aspectos não refletem a complexidade e a diversidade dos sujeitos
analisados.
Nesse sentido, os
estudos de Bourdieu (2001) sobre capital social, são necessários para
relacionar com este trabalho, pois o capital social é constituído pelo conjunto
dos recursos relacionais que o indivíduo em parte herda e em grande parte
constrói por si só, dentro da família e em outros círculos sociais. Dessa
forma, o capital social que se constitui como um recurso imprescindível para o
crescimento intelectual da criança não existe somente dentro da família. Pode
ser encontrado também fora, na comunidade, ou seja, nas relações extra-familiares.
Esse fato pode ser percebido no relato de Elizeu que teve a ajuda dos avós para
prosseguir nos estudos. No entanto, a sua autodeterminação foi extremamente
importante para a sua trajetória.
Nesse sentido,
Ribeiro (2011) afirma que essa força que impulsiona esses sujeitos para lutar
contra o destino natural que, em tese, teriam, é denominada de processo de
resistência, ou seja, trata-se de um conjunto de atitudes, comportamentos e
estratégias, que são influenciados principalmente pelo capital econômico e
cultural, variando de pessoa para pessoa, que os fazem vencer as barreiras do
improvável estatisticamente. Segundo Ribeiro (2011, p.09): “Processos de
resistência, portanto, deve ser entendido muito mais do que forma de
resistência. Esta pode ser efêmera, passageira, já aqueles são, geralmente,
duradouros e permanentes, ainda que possam ser interrompidos por um período”.
Sendo assim, a força
que os move, na concepção de Bourdieu (1990) é classificada com a subjetividade
que esta relacionada ao habitus, que
por sua vez decorre das necessidades de mudanças das condições sociais a que o
sujeito se encontra. Nessa perspectiva, Viana (2009) relata que existe uma
autodeterminação nesses estudantes que os impulsiona a não desistir diante dos
obstáculos encontrados, ou seja, há uma resignação construída na trajetória de
escolarização pessoal dos indivíduos.
Em contrapartida em
alguns casos a própria família, por diversas razões, impediu que esses
estudantes tivessem sequência em sua trajetória escolar. Isso pode ser
observado nos memoriais abaixo:
“Faltei
muitas vezes às aulas, a necessidade fazia com que meus pais nos levassem para
trabalhar na época da colheita de algodão e demais colheitas. Era muito
sofrido, pois a gente saía de casa, às 4 horas da manhã e só voltávamos às 8
horas da noite naquele frio terrível e em cima de um caminhão que nem que nem
sequer tinha cobertura de proteção. Na hora do almoço, a comida estava gelada,
pois, havia sido preparada, às 3 horas da manhã, no entanto éramos conhecidos
como ‘bóias frias’. Concluí à 4ª série, sem nunca ter reprovado, mas
minha mãe não me deixou continuar os estudos. Aos 10 anos comecei a
trabalhar como babá e aos 14, como doméstica na casa da diretora da escola em
que eu estudei. Ela me ofereceu uma vaga para eu estudar, mas minha mãe não
deixou, porque as aulas eram à noite, chorei muito. Uma amiga ofereceu os
livros para que eu não precisasse comprar, mesmo assim minha assim não teve
jeito perdi essa oportunidade, não por mim, mas por ter que obedecer minha
mãe”. (LUCINÉIA, UNIR, 2009, P. 48)
“Meus
irmãos e eu sempre estudamos em escolas públicas.Nossos brinquedos eram doados,
éramos humildes, mas muito felizes. Recordo-me das vezes em que minha irmã
e eu ajudávamos nossa mãe a lavar roupas e a servir de babá, para comprarmos os
materiais pedidos na escola. Tanto foram os dias em que vi mamãe chorar
por não ter condições de nos ajudar, isto me deixava muito triste, mas
adquiri força para me dedicar aos estudos para, quem sabe um dia, modificar
aquele cenário”(VERA LÚCIA, UNIFAP, 2009, P. 86).
Meu
pai, um homem, semianalfabeto, trabalhador, oriundo de comunidades nordestinas,
que as duras custas conseguiu aprender uma profissão nas muitas obras em que
trabalhou no ramo de construções civil, defendia, dentro de sua própria
realidade, a minha inserção no mesmo processo, a fim de garantir o meu sustento
através de uma profissão. Essas eram as suas falas: “Esse menino tem é que aprender
uma profissão, você tem que parar de fazer ele sonhar tanto”. Enquanto
minha mãe, com um grau de instrução um pouco maior fazia das tripas coração,
incentivando a mim e aos meus irmãos a continuarem os estudos. Foi dela própria
a iniciativa de voltar a estudar e com muitas dificuldades, além de estar
grávida, cursar e terminar o antigo ginásio. No entanto, com poucos recursos
sucumbi aos anseios do meu pai. Sem saber ao certo a importância de continuar
os estudos,mergulhei em muitas obras, ajudando meu pai.Por morarmos em uma
invasão sofríamos constantemente com a falta de saneamento básico, tráfico de
droga. Perdi as contas de quantas mortes presencie de amigos, vizinhos, jovens
dizimados pelo tráfico, essa sempre foi minha realidade. Aos 13 anos, comecei a
vender picolé no trem e, por ser ilegal, vivia correndo dos policiais. (JÚLIO,
UNIRIO, 2009, P. 80)
“Minha
vida escolar começou aos três anos, numa escola na Maré, na qual estudei até a
primeira série do Ensino Fundamental, mas essa escola não era reconhecida pelo
MEC. Quando fui para a segunda série, mamãe resolveu me matricular em uma
escola qualidade e reconhecida e foi o período escolar mais difícil da minha
vida, pois não tinha base educacional, por ter vindo de uma escola de baixa
qualidade. Sofri muito preconceito nas escolas por ser a “favelada”, a
“pobrezinha”, e isso me segregou nas salas de aula, pois ninguém quer
ser amiga de uma moradora de favela. Tem muita gente que acredita que em
comunidade popular só mora gente ruim e de má índole. Por um tempo isso me
afetou demais tinha vergonha da minha realidade e comecei a agir com violência
física quando me atingiam verbalmente. Mas, conversando com uma professora, entendi
que isso não resolveria nada, que deveria ser o contrario, eu deveria mostrar
com meu desempenho escolar que era superior a todas as adversidades “(CAROLINE,
UNIRIO, 2009, P. 39). (grifos nossos)
Observam-se nessas
narrativas que as trajetórias de vida dessas pessoas são marginais, atípicas,
conflituosas, extremamente sofridas, com pouca expectativa de ascensão social.
Em alguns casos até os próprios pais não os incentivaram a dar continuidade nos
estudos. Este fato nota-se nos depoimentos de Lucinéia e Júlio. No entanto,
essas dificuldades não foram empecilhos para que eles desistissem de seus
sonhos de estudar e mudar sua realidade social e econômica, ao contrário, as
adversidades reforçaram a certeza de que somente os estudos podiam reverter à
situação em que se encontravam.
Diferentemente do
relato de Júlio e Lucinéia, no depoimento de Vera Lúcia foi o sofrimento de sua
mãe que não tinha condições de proporcionar uma vida com o mínimo de conforto
aos filhos que lhe impulsionou a estudar. Caroline por sua vez foi incentivada
por uma professora que através de palavras de apoio percebeu o seu valor
enquanto pessoa. Portes (1998) encontrou em sua pesquisa com estudantes carentes
traços marcantes relacionados às redes familiares, e até mesmo apoio de
professores que auxiliaram seus alunos direcionando-os para a garantia de uma
trajetória escolar segura.
A solidariedade por
parte dos professores em muitos casos foi fundamental para a continuidade
escolar dessas pessoas. Mas não somente isso, eles foram movidos por uma
determinação pessoal, forjada nas dificuldades que encontraram em sua
trajetória escolar. Portes (1998) em seu trabalho com famílias populares identificou
práticas familiares que teriam favorecido o acesso e permanência dos filhos no
sistema de ensino: a ordem moral doméstica, a presença constante das mães no
trabalho escolar, e principalmente, formas de solidariedade extra-familiar.
Esse apoio fora do núcleo familiar mostrou-se extremamente importante, tanto
material como psicologicamente, nessa construção de uma trajetória escolar
prolongada.
Para Terrail (1990,
P. 239), ”o sucesso escolar dos egressos das famílias populares implica
penetrar em um universo hostil, no qual a diferença não pode ser vivida como
justaposição, mas como oposição, antagonismo, repressão das palavras e das
práticas familiares”. Sendo assim, percebe-se que as várias formas de atitudes
empreendidas tanto pela família quanto pelos amigos são fundamentais para que o
estudante oriundo de meios populares possa romper com o estatisticamente
improvável e, consequentemente, ingressar no ensino superior como se verifica
nos fragmentos a seguir:
“Eu
queria alcançar um grande objetivo, vencer o fantasma do vestibular, e por
várias vezes pensei que não conseguiria realizar este sonho. Resolvi montar um
grupo de estudo, composto por 5 rapazes e uma 1 moça que era eu. Éramos
bastante distintos, tínhamos sonhos diferentes, no entanto com um objetivo em
comum o de nos tornarmos acadêmicos. Os meninos me ajudaram a compreender as
inúmeras formulas de matemática e física, incentivaram-me a ler jornais e
livros, a debater, tirar dúvidas com os professores e a dialogar com minha
família”. (VERA LÚCIA, UNIFAP, 2009, P. 86)
“Após
o ensino médio a próxima etapa é a mais almejada por todos. Para conseguir esse
‘pódio’ necessita-se abrir mão de algumas regalias e confortos. Logo dedicação
e o esforço tornam-se os maiores responsáveis por mais essa conquista. Uma
vitória recheada de sacrifícios, choros e claro, muita alegria, pois mesmo nas
maiores dificuldades, tendo que pegar o sol das doze horas da manhã todos os
dias ao voltar do cursinho de bicicleta. Ao chegar no degrau mais alto
e ao olhar para trás e avaliar todos os momentos que passei até aqui, nenhum se
compara com a alegria que senti ao ver as lágrimas de satisfação deslizarem
pela face cansada de minha mãe, que sacrificou toda sua vida pelos filhos, essa
é a melhor recompensa que uma garota pobre de bairro periférico, proveniente de
escola pública e cursinho pré-vestibular gratuito pode pedir a Deus”. (ANA
CLÁUDIA, UNIFAP, 2009, P. 15)
Aos
quarentas anos, percebi que não seria tão fácil arrumar emprego, pois as
dificuldades que encontrei por causa da minha origem negra e da minha idade, me
dei conta de que o futuro seria o estudo. E assim fui, fiz cursinho pré-vestibular,
durante dois anos, sendo que no primeiro e no segundo vestibular que fiz fiquei
na segunda fase, mas minha força de vontade e minha persistência em busca do
meu objetivo me animaram a tentar mais uma vez. Na terceira tentativa fui
feliz, fui aprovada, sinto-me feliz em ter alcançado esse objetivo,
hoje sou citada como exemplo por todos que me conhecem. Minhas filhas me olham
com orgulho, minha família se transformou, pois todos hoje buscam também
alcançar seus objetivos. (TEREZINHA, UNIR, 2009, P. 78)
Quando
se nasce numa família de classe popular, tendemos a sonhar baixo, a crer que
certos lugares não nos pertencem e isso nunca entrou em minha cabeça. Sou a
primeira pessoa da família a estar numa universidade publica e sei que sou um
orgulho para todos e um incentivo para que outros também consigam. Agradeço a
minha mãe, que sempre acreditou em mim, mesmo quando nem eu mesma acreditava. E
tem uma frase que ela me fala até hoje: ”isso ninguém tira de você”. (CAROLINE,
UNIRIO, 2009, P. 39) (Grifos nossos)
Percebe-se que essas
pessoas tinham o objetivo de ingressar no ensino superior, todavia tiveram que
transpor obstáculos que normalmente são impostas ao aluno estudante de baixa
renda que cursou todo ensino básico em escolas públicas e, que por vezes, tem
um ensino deficiente na maioria das escolas. Dessa forma, tiveram que
frequentar cursinhos pré-vestibulares que lhes forneceram uma base educacional,
proporcionando assim, o acesso ao ensino superior público. Isso pode ser
constatado na declaraçãode Vera Lúcia quando ela afirma que precisou do
cursinho e do auxilio dos colegas para compreender as disciplinas de ciências exatas
como matemática e física.
Em meio a essas
dificuldades percebe-se que o apoio da mãe foi imprescindível nessa trajetória
escolar como no caso de Ana Claudia e Caroline que dedicam seu sucesso as suas
mães. Sendo assim, os processos de resistência estão também ligados a uma
mobilização pessoal muito forte, que os impulsiona ao sucesso escolar como
Terezinha que aos quarenta anos resolveu voltar a escola e tornou-se exemplo
para os filhos.
Sendo assim, considera-se
que trajetória escolar desses estudantes apesar de ser tortuosa é constituída
por etapas que demonstra que o empenho familiar ou individual pode ser
considerado um fator determinante que ao adquirir consistência possibilitou o
ingresso nas IFES. Dessa forma, para esses jovens não existe um percurso da
vida escolar que deveria ser natural a todos, ou seja, uma fase ininterrupta do
tempo, que inicia na infância, perpassa pela juventude e, culmina com a posse
de diplomas, estabilidade profissional e constituição da família, como acontece
com a maioria dos jovens da classe média.
Segundo Viana (2006, p. 202)
“O tempo da vida pode ser atravessado por rupturas que desorganizam o curso
normal da vida. Alguns desses jovens vivenciam esse fenômeno com algum nível de
fatalismo. Outros, ao contrário, pensam que é preciso “provocar” as coisas,
porque nada, jamais, vem sem esforço”. Sendo assim, a entrada na universidade
de pessoas de camadas desfavorecidas economicamente, que antes não tinham
acesso é fato positivamente consumado, pois para esses indivíduos a educação é
um mecanismo de mobilidade social importante, que pode ampliar seus horizontes
em busca de uma vida digna, ou pelo menos mais confortável em relação a dos
seus genitores. Portanto, de acordo com os memoriais desses alunos a educação,
possibilitou que eles não ficassem à mercê do paradigma educacional
estabelecido pela sociedade capitalista.
6.2 -
AS TRAJETÓRIAS SOCIAIS E ESCOLARES DE ESTUDANTES POPULARES.
O diálogo da teoria
com a empírica que se estabelece neste trabalho provém de memoriais de
estudantes universitários que ingressaram em um curso de licenciatura de uma
instituição pública federal, localizada no extremo norte do país. Dessa forma, do universo de 48
(quarenta e oito), que frequentam essa turma, foram selecionados somente 05
(cinco). Isto posto, a intenção é compreender as circunstâncias complexas a
partir da reconstrução da trajetória escolar, mas que é também social, desses
alunos. Acredita-se que a reconstrução escolar avalia de forma abrangente a
herança cultural, econômica e social dos sujeitos, e mostra também a carga de
sentimentos de orgulho despertada na pessoa ao acessar a educação superior.
Sendo assim, seguem os cinco relatos
que mostram as circunstâncias complexas atuantes, nas quais, os jovens
investigados foram efetivando ações que possibilitaram a eles chegar a um
espaço “improvável”: a universidade pública.
Herança cultural:
“Minha trajetória escolar me concebeu o quanto
o estudo é relevante para vida pessoal e profissional de um indivíduo. Meus
pais são oriundos da região amazônica, são semianalfabetos, ela trabalhava como
empregada doméstica e ele carpinteiro, juntos tiveram 13 filhos.
Comecei a estudar aos sete anos de idade, não fiz o jardim de infância,
ingressei diretamente na primeira série. Estudei nessa escola até a sexta série
do ensino primário na época, com a separação dos meus pais, minha mãe tomou uma
atitude de sair da casa que ajudou a construir, deixando o meu pai com a casa e
fomos morar alugado em outro bairro, próximo do centro” (ALUNO A).
“Eu
nasci no dia 09 de novembro de 1979, filha de pais nordestinos, minha mãe
maranhense (dona de casa), meu pai cearense (motorista), ambos estudaram até a
5º serie do fundamental, tiveram cinco filhos (quatro mulheres e um homem), sou
a segunda filha do casal. Comecei a minha trajetória escolar com quatro anos, estudei no
jardim de infância em Santa Inês – MA, devido algumas dificuldades financeira,
minha avó foi buscar a minha família para morar neste Estado,e passamos a morar
ao lado da casa de meus avôs no bairro Alvorada, então a minha mãe me
matriculou na escola que ficava próximo de casa, lá eu estudei da 1ª a 4ª
série”. (ALUNO B).
“Minha
família é oriunda do interior da região amazônica, minha mãe é dona de casa e
estudou até a 4ª série do fundamental. Minha avó e analfabeta só sabem assinar
o nome, e é servente concursada da prefeitura há 20 anos. Somos 5 irmãs, no
entanto sou a única que mora com a minha
avó desde pequena. Sou também a primeira
filha e a primeira neta.Iniciei meus estudos aos 5 anos de idade numa escola no
Rio Cupixi, contudo não valeu meu pré-escolar porque a professora não tinha
diploma e a escola não era regularizada.”. (ALUNA C).
“Meus
pais são do interior da Amazônia, meu pai é carpinteiro, e estudou até a 4ª
série do fundamental. Minha mãe é dona de casa e analfabeta, eles tiveram doze
filhos. Eu nasci em 1977 no interior e meus irmãos também nasceram nesta localidade.
Iniciei meus estudos com sete anos de idade, porém nos mudamos para a atual
capital onde residimos. Foi aí que começou as dificuldades, pois eram muitos
filhos para por na escola e sustentar. Meus irmãos mais velhos tiveram que
trabalhar logo para ajudar no sustento da família. Em pouco tempo eu também
comecei a trabalhar de babá e assim o tempo foi passando, e quando entrei na
escola para fazer a 1ª série eu tinha 12 anos” (ALUNO D)
“Sou
de uma família paraense, tenho 11 irmãos, sou fruto do segundo casamento, tenho
3 irmãos e sou a única filha mulher, todos nos concluímos os estudos em escolas
públicas. Meu pai é soldador eminha primeira experiência escolar, foi quando eu
tinha 4 anos. No ano de 1987, devido ao falecimento de minha mãe, vitima de acidente
de trânsito, vim para este estado, com meus irmãos e meu pai. Iniciei meus
estudos com 5 anos em uma escolinha de reforço, pois nessa época não havia
escola disponível para minha faixa etária, meu pai não pagava mensalidade, ele
colaborava com o lanche, era uma espécie de escola comunitária, fiquei 2 anos
nessa escola e com 7 anos meu pai me matriculou em outra escola pública, que
ficava próximo de casa, estudei 4 anos nessa escola, e tive que ser transferida
para outra escola, pois não tinha a 5ª série (6º ano) ” (ALUNA E) (Grifos
nossos).
Observa-se que os
sujeitos analisados são oriundos do interior da Amazônia, com exceção de um
universitário que veio do Nordeste. Todos eles possuem pais com baixa
escolaridade, profissões populares, as famílias são numerosas e devido a
condições econômicas, principalmente, acabaram migrando para a cidade em busca
de emprego ou até mesmo estudo para os filhos. Sendo assim, no que tange as
configurações das famílias, segundo Ribeiro (2011) eles são “nativos“ da região
amazônica.
Essa região possui
peculiaridades que a difere do restante do Brasil, ou seja, o campesinato
caboclo amazônico é composto por ribeirinhos que vivem dos recursos naturais as
margens dos rios e igarapés e sobrevivem da caça e da pesca, residem em
palafitas, muitos têm dificuldades para colocar seus filhos na escola, pois
nessa região o ensino, quando existe, no máximo vai até o fundamental como se
verifica no relato da aluna “C”, que precisou migrar para a cidade, para
continuar os estudos e, além disso, a escola anterior não era reconhecida.
Dessa forma, ao
chegarem à cidade, essas pessoas acabam exercendo profissões populares
justamente por causa de sua baixa escolaridade. O que para elas torna-se
bastante incomoda, pois elas precisam do auxilio dos filhos para sustentar a
família, como no caso da aluna “D” que trabalhou de babá desde pequena. Isso
fez com que ela abandonasse os estudos, retornando, somente, aos doze anos de
idade. Outra questão comum aos cinco estudantes é o acesso à educação para
essas famílias na cidade, onde muitas vezes não existem escolas perto de suas
casas e por esse motivo precisam transferir seus filhos para outra escola, para
continuarem estudando.
A
mobilização familiar é voltada, em primeiro lugar, para a sobrevivência, e é
graças ao rendimento coletivo do grupo, decorrente do trabalho de seus
integrantes, que este tenta assegurar suas necessidades básicas. A participação
dos filhos no trabalho, para um número significativos deles teve lugar ainda na
infância. Essa inserção acontece geralmente nos serviços domésticos, para as
meninas, tomando conta da casa quando a mãe trabalha fora, ou em ocupações como
babás ou empregadas domésticas. Para os meninos, as atividades são bem mais
variadas, na maioria das vezes ligadas aos serviços de ajudante de pedreiro,
pintor, limpeza de terrenos, comércio ambulante, etc. (ZAGO, 2011, P.26).
Nesse sentido,
nota-se que essas famílias são muito pobres, que associado ao número
considerável de filhos, torna-se um entrave para a continuação dos estudos. (ABRANCHES apud PORTES, 1998, p. 09): “a pobreza é
‘destituição, marginalidade e desproteção’ dos meios de sobrevivência física,
dos benefícios do progresso, do acesso às oportunidades de moradia, escolares,
habitacionais, de saúde, de trabalho etc.”, que são determinadas pela
inoperância das políticas públicas. Esses indivíduos de acordo com suas
necessidades buscaram meios para sobreviver na cidade.
A
estabilidade profissional do chefe de família permite claro, sair da gestão do
cotidiano "no dia a dia”, mas, também oferecer os fundamentos de uma
regularidade doméstica de conjunto: regularidade das atividades e dos horários
familiares, limites temporais estruturados e estruturantes. (LAHIRE 1997, P.
24)
Dessa forma, na
perspectiva de Bourdieu (1998), as trajetórias escolares de estudantes
provenientes de famílias de camadas populares acontecem dentro de um contexto
social e circunstâncias que resultam no reduzido (ou insuficiente) capital
econômico, cultural e escolar da família à qual eles pertencem. Com base nisso (LAHIRE,
1997,154) afirma que: “aquilo que se ‘transmite’ de uma geração a outra é muito
mais que um capital cultural. É um conjunto feito de relações com a escola e a
escrita, de angústias e de vergonhas, de reticências e rejeições, de sistema de
defesa diante de julgamentos externos, de relações com a autoridade e com o
tempo...”. No entanto, apesar das adversidades eles não desistiram do sonho de
estudar como se verificará nos relatos a seguir:
Início da caminhada:
“Saí
de uma escola de periferia para uma escola do centro era outra realidade,
estudei da sétima série ao terceiro ano do ensino médio, terminei meu ensino
médio tarde com 22 anos, não ingressei logo na universidade, pois
comecei a trabalhar no comercio, para poder ajudar a minha mãe a criar
meus irmãos mais novos, minha mãe hoje ela é aposentada mais sempre trabalhou
em casa de família para poder colocar o que comer, vestir e as outras despesas
como, por exemplo, materiais escolar para todos nós. Perdi treze anos da minha vida ao
trabalhar no comercio, até que resolvi voltar a estudar” (aluno A).
“Como
nessa escola só tinha até a 4ª série a minha mãe conseguiu uma vaga em outra
escola, que ficava um pouco distante de casa, quando tinha o dinheiro do ônibus
eu ia e voltava de ônibus , quando não tinha eu ia e voltava a pés, para chegar
nessa escola eu caminhava por uma hora, estudei nessa escola três anos.A época
em que estudei nessa escola não foi um momento bom para a minha família, pois
meu pai ficou desempregado, e eu tinha que ir de bicicleta carregando a minha
irmã para irmos estudar, me lembro de que nessa escola tinha uma
disciplina educação para o lar onde era necessário comprar alguns materiais
para a confecção de algumas atividades, como meu pai não tinha condições de
comprar eu ficava só olhando os outros fazerem. Para cursar o 2º grau
minha mãe teve que passar mais uma vez à noite na fila. Passei 3 anos estudando
nessa escola, era uma escola que eu tinha que ir de ônibus, e o governo não
oferecia mais a passagem integral para os estudantes, então tinha que pagar a
meia-passagem, ficou difícil para o meu pai sustentar cinco filhos na escola,
mais mesmo assim ele trabalhava noite e dia para nos proporcionar uma educação”
(aluno B).
“Moro
com minha avó porque no Município onde residíamos não tinha vaga para eu
estudar. Aos 6 anos vim morar com minha avó, onde fiz o pré-escolar novamente e
os 7 anos ingressei na primeira série. No momento sou estagiária, mas nós
sempre sobrevivemos com o salário dela. Eu sempre estudei em escolas públicas,
e minhas irmãs estudam em escola pública ainda, pois, por serem menores que eu,
ainda não concluíram seus estudos. Fui auxiliada por minha tia no processo de
aprendizagem da leitura e minha avó foi a principal responsável por me manter
na escola e apoiar meus estudos. Eu e minha avó temos uma relação
harmoniosa, e até hoje se preciso de apoio material e financeiro ela esta
pronta para me ajudar” (Aluna C).
“Fiz
a 1ª série de aceleração e passei para a 3ª série. No ano seguinte fui
transferida para outra escola, nessa eu fiquei até a 6ª série. Fiquei sem
estudar depois dessa época, pois eu tinha me casado, e retornei para estudar na
EJA anos depois. Estudei um ano e depois parei novamente, tinha que trabalhar e
estudar e eu não estava dando conta de fazer as duas coisas. Então foram mais
alguns anos sem estudar, foi quando percebi a necessidade de concluir meus
estudos e retornei no ano de 2003 para fazer a EJA. Conclui o ensino
fundamental com muitas dificuldades, pois já estava muito desatualizada e os
conteúdos e as disciplinas eram diferentes da época em que eu parei, mas com
muito esforço consegui vencer” (aluna D).
“Conclui
meu ensino fundamental, claro que com bastantes dificuldades, pois com a morte
da minha mãe, meu pai mergulhou de vez no alcoolismo, como forma de tentar
fugir dos problemas decorrentes da morte dela. Largou o emprego de soldador em
uma firma de construção civil, e nossos problemas só aumentaram, pois passamos
muitas dificuldades, principalmente para nos mantermos na escola, nessa época
era exigido que os alunos fossem devidamente uniformizados, e como não podíamos
entrar todos os dias meu pai nos acompanhava até a coordenação para assinarmos
uma autorização. Interessei-me em fazer o processo seletivo para uma escola que
tinha o curso de magistério, assim eu estudava em casa, e tive ajuda de dois vizinhos nas
matérias que eu tinha mais dificuldades, graças à Deus consegui passar e foram
4 anos me profissionalizando na área da educação” (Aluna E) (Grifos
nossos)
Os depoimentos
demonstram que ao almejar uma escola melhor para os filhos, as famílias
populares encontram muitos percalços nessa trajetória, como relata o aluno “A”
que ao ser transferido para uma escola sentiu a diferença no ensino e ao
terminar a educação básica fez o que muitos jovens de camadas populares de
certa forma fazem, obrigados, eles ingressam no mercado de trabalho para
auxiliar no sustento da família adiando assim o acesso ao ensino superior.
As
condições de estabilidade econômica são um fator tranquilizador importante no
universo das configurações familiares. Ou seja, certa tranquilidade, uma
relativa distância da sobrevivência material. Casa própria, salários baixos,
mas sempre disponíveis, ajuda de familiares, ou duplas jornadas de trabalho
para ambos os pais são circunstâncias que colocam alunos em situação
privilegiada em relação às demais famílias dos segmentos populares. Setton
(2002 apud Lahire, 2011, p. 64).
O ingresso
precocemente no mercado de trabalho por esses jovens dificulta, e muito, o
acesso ao ensino superior. Sendo assim, os transtornos também foram muitos para
a aluna “B” que foi excluída da aula de educação para o lar por não possuir o
material exigido pela escola.
”Do
ponto de vista dos “vencidos do sistema”, dos que não são ouvidos, os alunos
“menos bons e menos dignos” que a escola meritocrática de massas termina por
criar. A “máxima” que acompanha a organização e funcionamento da escola, o sucesso para todos, é uma frase vazia,
porque contradiz os próprios princípios meritocráticos sobre os quais essa
escola se funda. Atualmente, do ponto de vista da igualdade de oportunidades de
acesso á escola, a democratização escolar até pode ser considerada uma
realidade; no entanto, essa escola, aparentemente mais justa que a do passado, criou
novas situações e sentimentos de injustiça entre os diferentes atores” (GIOVANNI;
DUBET , 2011, P.103).
Nesse sentido, quando
a escola não se preocupa em incluir todos os seus alunos nas atividades
escolares ela causa constrangimentos que repercutem, muitas vezes, em evasão.
Em relação à aluna “C”ela pôde contar com a ajuda da tia no processo de
alfabetização, isso foi muito vantajoso, pois sua avó não tinha condições para
desempenhar esse papel por ser analfabeta.
Existe a necessidade do cursinho preparatório:
“Fiz
um cursinho pré-vestibular gratuito, para me situar como estava a minha
situação escolar, pois estava muito tempo parado, em 2006 fiz meu primeiro
vestibular, passei na primeira fase por muito pouco não consegui entrar,
continuei estudando, em 2007 tentei novamente, mas agora para o curso de
Geografia, novamente passei na primeira fase e fiquei na segunda, meu objetivo
de cursar o ensino superior estava escapando, pois já não tinha mais esperança
e nem paciência para estudar, mais incentivado por outros colegas para não
desistir, resolvi fazer de novo o vestibular” (aluno A).
“Quando
eu terminei o 2º grau eu não tive condições de pagar a inscrição para prestar
um vestibular, pois nessa época só quem tinha condições de entrar em uma universidade
eram pessoas bem de vida, então passei dois anos sem estudar, então resolvi
fazer o teste de seleção para o Magistério, passei e fiquei estudando por
quatro anos nessa escola.
No
ultimo ano o governo do estado passou oferecer a inscrição de graça para
estudantes que terminavam em escola publica, então eu fiz o vestibular e só
passei na 1ª fase. Em 2004 eu fiz o pré-vestibular gratuito, mais infelizmente
minha mãe nesse mesmo ano faleceu, eu ainda cheguei a fazer a prova mais não
passei. Por essa situação eu fiquei três anos sem estudar, nesse período minha
irmã e eu sofremos um acidente de ônibus, impedindo-me de cursar um cursinho,
devido os gastos que tivemos com o acidente” (aluno B).
“Durante
toda minha carreira escolar no ensino básico sempre tive o apoio de minha
família. Concluir meus estudos no ensino básico no ano de 2008 fiz cursinho
pré-vestibular gratuito e finalmente, no ano de 2009, eu consegui ingressar na
universidade, fiquei em quarto lugar fui aprovada para o curso de Licenciatura,
o qual espero estar concluindo em 2013” (aluna C)
“No
ano de 2006 iniciei o ensino médio na EJA, fiz o 1º ano em 2006 e em 2007 o 2º
e o 3º ano junto. Logo em seguida comecei um cursinho pré-vestibular gratuito.
Neste mesmo ano saiu á lista dos alunos para fazerem a inscrição do vestibular.
Nesta época o governo pagava a inscrição de alunos de escolas públicas. Então
chegou o grande dia da prova do vestibular, com todas as dificuldades que
passamos no decorrer do ensino médio, como falta de professores e muitas outras
coisas, eu fui com fé e a coragem fazer o vestibular, pois vi ali a minha
chance de ingressar em uma universidade” (aluna D).
“Conclui
o 2º grau e passei 5 anos sem tentar o vestibular, por causa do nascimento da
minha filha, que sem ter com quem deixar, tive que adiar meu sonho de entrar em
universidade. Passado esse tempo, fiz minha inscrição em um cursinho pré-vestibular
gratuito, só tínhamos que comprar a camisa, estudava no turno da noite, ele
fica longe da minha casa, muitas vezes meu marido me levava de bicicleta, era o
ano de 2008, e eu decidi que aquele era o meu ano de ingressar de vez para o
ensino superior, estudava também em casa, acompanhando a revisão do cursinho
que era transmitido pela televisão por volta de 1 hora da noite, eu acompanhava
tudo, todos os dias” (aluna E).
Os estudantes da rede
pública de ensino trazem uma defasagem educacional muito grande, se comparado
com os alunos que estudam em escolas privadas. Nesse sentido, os acadêmicos
pesquisados precisaram frequentar cursinhos preparatórios para compensar a
deficiência nas disciplinas, o aluno “A”, por exemplo, somente conseguiu
ingressar no ensino superior na terceira tentativa, quando estava quase
desistindo, mas o apoio dos colegas foi determinante para sua persistência.
O mesmo aconteceu com
a aluna “B”, que somente obteve êxito na terceira tentativa. As alunas C, D e E
passaram na primeira tentativa, no entanto, todos eles frequentaram cursinho
pré-vestibular gratuito, e também foram contemplados com a isenção na taxa de
inscrição para o vestibular. Esses sujeitos demonstram em seus relatos que as
dificuldades foram, demasiadamente exaustivas, quase insuportáveis, mas o
desejo de cursar o ensino superior era maior.
As
trajetórias de vida desses sujeitos são singulares, atípicas, extremas,
marginais e excepcionais. Mas, fazem parte de um mosaico diversificado que
demonstra como grupos familiares ou atitudes individuais são capazes de tomar
determinadas decisões que revelam estratégias vinculadas a metas de vida. Está
claro que além de processos de ajuda advindo de membros das famílias em algum
momento eles perceberam individualmente, o quanto tinham que se apegar aos
estudos para vencerem barreiras e as dificuldades sociais e educacionais. Fica claro
que as condições objetivas acabam influenciando muito nas decisões dos sujeitos
que precisam adiar o sonho de chegar à universidade. (RIBEIRO 2011, P.13)
Sendo assim, a persistência é uma
característica marcante nesses jovens, como se percebe no último relato, a
seguir, pois o improvável tornou-se realidade.
“Em
2008 com todos meus esforços consegui ser aprovado, para mim foi uma alegria
muito gratificante entrar em uma instituição Federal, onde muitos almejam uma
vaga. Antes a universidade era almejada pelos filhos de famílias classe média
alta, hoje a realidade e outra, os filhos de famílias populares também fazem
parte dessa realidade” (aluno A).
“Em
2008 me matriculei em um cursinho de graça, mais passei várias dificuldades
tanto financeira quanto de doenças no meio de meus parentes, Mais em meio
tantas dificuldades eu conseguir fazer o vestibular que era oferecido à
inscrição de graça para alunos que estudaram em escola pública. Fiz a prova e
passei em 2º lugar para o curso de Licenciatura, eu e minha família ficamos
muito felizes por essa benção concedida por Deus, pois sou a primeira da minha
família a ingressar em uma instituição federal. A minha mãe sempre dizia que ela não
tinha dinheiro para deixar para nós, por isso ela se esforçava em deixar os
estudos como herança porque isso ninguém ia nos tomar. Meus pais não
concluíram seus estudos mais sempre tiverem a certeza que a educação mudaria
nossas vidas, eu agradeço a Deus pelo esforço que meus pais tiveram para que
pudéssemos estudar” (Aluno B).
”Em
2008 passei no vestibular das duas instituições do Estado na federal e na
estadual. Optei pela federal, mas eu estava grávida e passei por uma cesariana
inesperada. O bebê havia passado da hora de nascer e houve várias complicações
e acabei passando 16 dias na maternidade. Tive que entrar com pedido para
trancar minha matrícula do 1º semestre sem saber de nada. Ao retornar no 2º
semestre me deparei com situações difíceis, sem ninguém para me orientar tive
que lutar para não perder minha vaga, pois havia muitas disciplinas acumuladas,
foi aí que entrei com pedido de transferência para a turma 2009. Na coordenação
do cursodisseram que a prioridade era para quem estava estudando normalmente,
como eu não estava só havia uma disciplina que eu podia fazer. Quando eu
resolvi que não ia mais atrás, que iria deixar como estava e então neste mesmo
dia recebi uma ligação dizendo que meu pedido havia sido aceito, mais fizeram
eu prometer que realmente iria estudar, que não iria parar ou abandonar. Agora
imagine se eu estava lutando para permanecer como eu não iria estudar. Só tem
uma coisa que poderia me tirar do curso: a morte. Na minha família eu sou a
única que esta fazendo o ensino superior. Por isso, para mim e minha família é muito
importante esse momento em que estou vivendo, mesmo com todas as dificuldades
me considero uma vencedora” (aluna D).
“Consegui
passar no vestibular, em um curso de licenciatura, meu pai e meus irmãos ficaram
muito felizes, e eu mais ainda, tinha realizado um sonho. Mas a minha permanência
na universidade era apenas uma das dificuldades que eu encontrei na minha
caminhada acadêmica, pois dependia de ônibus para chegar até a universidade,
sem contar que muitas vezes tinha que voltar a pé, pois tinha que economizar
passe escolar. Mas na vida nada vem fácil, então encaro esses fatos com uma motivação,
para conseguir o meu tão sonhado diploma superior e colocar em prática tudo que
aprendi nesses anos de ensinamentos, e continuo aprendendo tanto no que tange o
curso de como também com a maior professora que já conheci: a VIDA!!!”(aluna
E). (Grifos
nossos)
Ao ingressar no
ensino superior, esses jovens encontram uma das muitas etapas a serem vencidas,
pois se deparam com situações adversas que, muitas vezes, acabam por excluir os
estudantes de baixa renda. A permanência não é fácil, e existem ainda as
dificuldades que fogem a sua competência, como aconteceu com a aluna “D”, que
após o nascimento de sua filha não conseguiu acompanhar a turma a qual ela
tinha prestado vestibular, sendo obrigada a transferir-se para outra turma para
dar continuidade a seus estudos. Nessa perspectiva, os processos de
resistências foram decisivos para sua permanência.
“Por
processos de resistência entende-se, a capacidade que esses sujeitos encontram
para lutar contra o destino natural que, em tese, teriam: jamais cursar uma
universidade publica federal ou mesmo o ensino superior. Entende-se que se
trata de um conjunto de atitudes, comportamentos e estratégias (influenciadas
que são pelos capitais econômico e cultural, principalmente), variando de
sujeito para sujeito, que os fazem vencer as barreiras do improvável
estatisticamente. Afinal, se não foi tão difícil acessar a universidade, devido
o modelo de seleção, para eles permanecer cursando é um enorme desafio que
requer o cumprimento de metas subjetivas. Processos de resistências, portanto,
devem ser entendidos muito mais do que formas de resistência. Esta pode ser
efêmera, passageira. Aqueles são geralmente duradouros e permanentes, ainda que
possam ser interrompidos por um período”(Ribeiro, 2011, p. 09).
Nesse sentido, os
fragmentos extraídos dos relatos, demonstram que o processo de resistência fica
evidente diante de tantas dificuldades que esses estudantes tiveram para
acessar e se manter no ensino superior. Suas trajetórias são marcadas por
percalços decorrentes de profundas desigualdades sociais que imperam no país.
Dessa forma, a narrativas escritas por eles são marcadas por sentimentos que
apontam para o processo de resistência pautada em um objetivo, a saber:
ascensão educacional e social. E como se eles quisessem provar para a sociedade
que, a pesar de todas as dificuldades, eles não desistiram de suas metas,
portanto, são capazes de melhorar suas condições socioeconômicas, culturais e
humanas através da educação, como afirma a aluna B: “A minha mãe sempre dizia
que ela não tinha dinheiro para deixar para nós, por isso ela se esforçava em
deixar os estudos como herança porque isso ninguém ia nos tomar”.
Assim sendo, a particularidade
de cada história imprime intensidade e dinâmica próprias de acordo com a
trajetória de cada um. Essas singularidades são debitadas às experiências
escolares, culturais e sociais vividas por esses sujeitos, mesmo que os
memoriais mostrem os caminhos desses jovens, até o momento do ingresso na
universidade, esse sucesso não se explica apenas através de variáveis ou
fatores explicativos.
Dessa forma, as
trajetórias escolares surgem em um contexto no qual a sua construção ocorreu em
um cenário desfavorável para esses sujeitos, ou seja, foi possível perceber as
pressões pela quais eles passaram, como por exemplo, a aprovação no vestibular,
que infringe nos estudantes das camadas populares um processo doloroso, pois
eles têm que disputar com alunos de classe média uma vaga nas universidades,
sendo que estes apresentam maiores vantagens por estarem mais bem preparados,
uma vez que eles vêm de lares que oferecem uma série de recursos que lhes
beneficiam. Como afirma Bourdieu (1979) que os sujeitos mais dotados de capital
social teriam mais êxito dentro do sistema educacional.
Dessa forma, a
intenção deliberada de reconstruir a trajetória escolar desses sujeitos, visa
promover e servir de modelo para aqueles outros jovens provenientes de meios
populares, por apresentar um caráter de complexa singularidade na sua constituição,
por outro lado essas memórias fortalecem a identidade desses estudantes dando
um significado a sua existência dentro de uma sociedade capitalista fortemente
marcada pela desigualdade social. Contribui, ainda, para o esclarecimento de
que o empenho individual juntamente com a mobilização da família e das redes de
relacionamentos extra-familiares são fatores imprescindíveis que possibilitam a
construção de uma trajetória escolar de sucesso pouco conhecida, como as aqui
relatadas.
CONCLUSÃO
Este trabalho de
conclusão de curso teve como objetivo analisar quais práticas socializadoras
familiares utilizadas por estudantes de meios populares possibilitaram dar-lhes
condições de longevidade escolar, êxito nos estudos e acesso as IFES. As
análises mostram que as famílias desses sujeitos não possuíam projetos de
ascensão educacional definido, justamente por possuírem baixo capital cultural,
pouca escolaridade, são desprovidos de recursos financeiros, possuem ocupações
populares, famílias numerosas e reduzida rede de relacionamentos extra-familiar.
Sendo assim, a
trajetória escolar desses estudantes, muitas vezes foi interrompida, devido às
péssimas condições econômicas de suas famílias, que exigiam que eles
contribuíssem com a renda familiar. Em outras situações essa trajetória foi
descontinuada devido às adversidades que não estão relacionadas somente a
recursos financeiros, mas que de alguma forma influenciaram nesse percurso.
Nesse sentido, constatou-se
que a mobilização pessoal desses alunos foi o diferencial para o seu sucesso. Na
impossibilidade, na maioria das vezes, de encontrar em casa referências de
pessoas que tinham um acúmulo de capital social, cultural e escolar induziu
esses alunos a buscar referências em outras instâncias, como nas relações extra-familiares.
Assim, apesar de alguns membros da família terem sido mencionados como
referência, houveram também professores, vizinhos e membros de grupos de
estudos, que serviram de norte para alguns dos sujeitos analisados.
Para esses
estudantes, a escolarização está intimamente relacionada à melhoria de condição
de vida socioeconômico, ou seja, para eles, parece estar obvio que, através dos
estudos, eles poderão ascender socialmente, poderão ter garantia de bons
empregos e boa condição na vida. No entanto, eles tinham também um sonho, uma
meta de cursar o ensino superior. Essa mobilização pessoal foi determinante para
o acesso ao tão almejado ensino superior em uma IFES.
Dessa forma,
apresentando as singularidades dos percursos escolares de cada um dos
universitários analisados, pode-se inferir que a configuração de fatores que
compõem a trajetória escolar de cada um deles ultrapassou as expectativas
familiares, pois em sua maioria, eles são os primeiros de suas famílias a
acessarem o ensino superior, tornando-se assim, um orgulho e exemplo para os
demais membros da família.
Em suma, pode-se
afirmar que os estudantes vivenciaram uma pluralidade de experiências
diversificadas e, às vezes contraditórias, que fazem parte de um contexto
singular, múltiplos e heterogêneos, que somadas às dimensões já examinadas,
reafirmam uma contradição socialmente construída de que somente os dotados de
recursos materiais acessam o ensino superior. Dessa forma, esses estudantes em
uma trajetória marcada por sofrimento e angústias conseguiram vencer as
barreiras estatisticamente improváveis.
Todavia, as
considerações aqui apresentadas não podem ser consideradas conclusivas.
Percebeu-se que mais difícil do que acessar, na educação superior, existe a
dificuldade de permanecer na instituição e concluir o curso. Nesse sentido,
segundo esses estudantes, programas como o Conexões de Saberes garantem a
permanência de alunos de meios populares. Assim, o conceito de sucesso escolar
defendido nesta pesquisa tem um caráter processual que ainda não se configurou
em todas as suas dimensões, merecendo, portanto, ser continuado em pesquisas
futuras.
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ANEXO A - ALUNO
A: MINHAS CAMINHADAS
Minha
trajetória escolar me concebeu o quanto o estudo é relevante para vida pessoal
e profissional de um indivíduo. Meus pais são oriundos da região amazônica, são
semianalfabetos, ela trabalhava como empregada doméstica e ele carpinteiro,
juntos tiveram 13 filhos. Comecei a estudar aos sete anos de idade, não fiz o
jardim de infância, ingressei diretamente na primeira série. Estudei nessa
escola até a sexta série do ensino primário na época, com a separação dos meus
pais, minha mãe tomou uma atitude de sair da casa que ajudou a construir,
deixando o meu pai com a casa e fomos morar alugado em outro bairro, próximo do
centro.
Saí
de uma escola de periferia para uma escola do centro era outra realidade,
estudei da sétima série ao terceiro ano do ensino médio, terminei meu ensino
médio tarde com 22 anos, não ingressei logo na universidade, pois comecei a
trabalhar no comercio para poder ajudar a minha mãe a criar meus irmãos mais
novos, minha mãe hoje ela é aposentada mais sempre trabalhou em casa de família
para poder colocar o que comer, vestir e as outras despesas como, por exemplo,
materiais escolar para todos nós. Perdi treze anos da minha vida ao trabalhar
no comercio, até que resolvi voltar a estudar.
Fiz
um cursinho pré-vestibular gratuito, para me situar como estava a minha
situação escolar, pois estava muito tempo parado, em 2006 fiz meu primeiro
vestibular, passei na primeira fase por muito pouco não consegui entrar,
continuei estudando, em 2007 tentei novamente, mas agora para o curso de
Geografia, novamente passei na primeira fase e fiquei na segunda, meu objetivo
de cursar o ensino superior estava escapando, pois já não tinha mais esperança
e nem paciência para estudar, mais incentivado por outros colegas para não
desistir, resolvi fazer de novo o vestibular.
Em
2008 com todos meus esforços consegui ser aprovado, para mim foi uma alegria
muito gratificante entrar em uma instituição Federal, onde muitos almejam uma
vaga. Antes a universidade era almejada pelos filhos de famílias classe média
alta, hoje a realidade e outra, os filhos de famílias populares também fazem
parte dessa realidade.
ANEXO B - ALUNA
B: MINHA LUTA
Eu
nasci no dia 09 de novembro de 1979, filha de pais nordestinos, minha mãe é
maranhense (dona de casa), meu pai cearense (motorista),ambos estudaram até a
5º serie do fundamental, tiveram cinco filhos (quatro mulheres e um homem), sou
a segunda filha do casal. Comecei a minha trajetória escolar com quatro anos,
estudei no jardim de infância em Santa Inês – MA, devido algumas dificuldades
financeira, minha avó foi buscar a minha família para morar neste Estado,
passamos a morar ao lado da casa de meus avôs no bairro Alvorada, então a minha
mãe me matriculou em uma escola que ficava próxima de casa, lá eu estudei da 1ª
a 4ª série.
Como
nessa escola só tinha até a 4ª série a minha mãe conseguiu uma vaga em outra
escola, que ficava um pouco distante de casa, quando tinha o dinheiro do ônibus
eu ia e voltava de ônibus , quando não tinha eu ia e voltava a pés, para chegar
nessa escola eu caminhava por uma hora, estudei nessa escola três anos.
Em
1994 nós nos mudamos para outro bairro, então a minha mãe conseguir vaga em
outra escola, ela passou a noite na fila, onde eu fiz a oitava série, essa
escola ficava em outro bairro, e era necessário ir e voltar de ônibus. A época
em que estudei nessa escola não foi um momento bom para a minha família, pois
meu pai ficou desempregado, e eu tinha que ir de bicicleta carregando a minha
irmã para irmos estudar, lembro-me que nessa escola tinha uma disciplina
educação para o lar onde era necessário comprar alguns materiais para a
confecção de algumas atividades, como meu pai não tinha condições de comprar eu
ficava só olhando os outros fazerem. Pelo meio do ano o governo da época passou
a oferecer passagem de ônibus integral para os estudantes que obtinha a
carteirinha de estudante, foi quando deu uma melhorada para chegarmos à escola,
passei um ano nessa escola.
Para
cursar o 2º grau minha mãe teve que passar mais uma vez à noite na fila. Passei
3 anos estudando nessa escola, era uma escola que eu tinha que ir de ônibus, e
o governo não oferecia mais a passagem integral para os estudantes, então tinha
que pagar a meia-passagem, ficou difícil para o meu pai sustentar cinco filhos
na escola, mais mesmo assim ele trabalhava noite e dia para nos proporcionar
uma educação.
Quando
eu terminei o 2º grau eu não tive condições de pagar a inscrição para prestar um
vestibular, pois nessa época só quem tinha condições de entrar em uma
universidade eram pessoas bem de vida, então passei dois anos sem estudar,
então resolvi fazer o teste de seleção para o Magistério, passei e fiquei
estudando por quatro anos nessa escola. No ultimo ano o governo do estado
passou oferecer a inscrição de graça para estudantes que terminavam em escola
publica, então eu fiz o vestibular e só passei na 1ª fase.
Em
2004 eu fiz o pré- vestibular em um cursinho gratuito, mais infelizmente minha
mãe nesse mesmo ano faleceu, eu ainda cheguei a fazer a prova mais não passei.
Por essa situação eu fiquei três anos sem estudar, nesse período minha irmã e
eu sofremos um acidente de ônibus, impedindo-me de cursar um cursinho, devido
os gastos que tivemos com o acidente.
Em
2008 eu me matriculei no cursinho de graça, mais passei várias dificuldades
tanto financeira quanto de doenças no meio de meus parentes, Mais em meio
tantas dificuldades eu conseguir fazer o vestibular que era oferecido à
inscrição de graça para alunos que estudaram em escola pública. Fiz a prova e
passei em 2º lugar para o curso de Licenciatura, eu e minha família ficamos
muito felizes por essa benção concedida por Deus.
Enfim
eu passei toda a minha trajetória escolar estudando em escola publica, meus
pais passaram grandes dificuldades para manter a mim e meus irmãos na escola. A
minha mãe sempre dizia que ela não tinha dinheiro para deixar para nós, por
isso ela se esforçava em deixar os estudos como herança porque isso ninguém ia
nos tomar. Meus pais não concluíram seus estudos mais sempre tiverem a certeza
que a educação mudaria nossas vidas, eu agradeço a Deus pelo esforço que meus
pais tiveram para que pudéssemos estudar.
ANEXO C - ALUNA
C: MINHA TRAJETÓRIA
Minha
mãe é amapaense e teve 5 filhas, sou a primeira filha de minha mãe e a primeira
neta de minha avó.Minha mãe é dona de casa e estudou até a 4ª série do
fundamental. Minha avó é analfabeta, só sabe assinar o nome, e é servente
concursada da prefeitura há 20 anos. Eu sempre estudei em escolas públicas, e
minhas irmãs estudam em escola pública ainda, pois, por serem menores que eu
ainda não concluíram os seus estudos. Concluir meus estudos no ensino básico no
ano de 2008 na escola Estadual Professor Francisco Waley Lobato Lima.
Iniciei
meus estudos aos 5 anos de idade numa escola no Rio Cupixi, contudo não valeu
meu pré-escolar porque a professora não tinha diploma e a escola não era
regularizada. Aos 6 anos vim morar com minha avó, onde fiz o pré-escolar
novamente e os 7 anos ingressei na primeira série.
Durante
toda minha carreira escolar no ensino básico sempre tive o apoio de minha
família. Fui auxiliada por minha tia no processo de aprendizagem da leitura e
minha avó foi a principal responsável por me manter na escola e apoiar meus
estudos. Eu e minha avó temos uma relação harmoniosa, e até hoje se preciso de
apoio material e financeiro ela esta pronta para me ajudar.
Sempre
estudei em escola pública, o ensino fundamental e médio.Concluir meus estudos
no ensino básico no ano de 2008 fiz cursinho pré-vestibular gratuito e
finalmente, no ano de 2009, eu consegui ingressar na Universidade Federal do
Amapá (UNIFAP), no quarto lugar fui aprovada para o curso de Licenciatura, o
qual espero estar concluindo agora em 2013.
ANEXO D - ALUNA
D: CAMINHO TORTUOSO
Meus
pais são do interior do Pará, meu pai era carpinteiro, e estudou até a 4ª série
do fundamental. Minha mãe é dona de casa
e analfabeta, eles tiveram doze filhos. Eu nasci em 1977 no interior e meus
irmãos também nasceram nesta localidade. Iniciei meus estudos com sete anos de
idade, porém nos mudamos para a atual capital onde residimos. Foi aí que
começou as dificuldades, pois eram muitos filhos para por na escola e
sustentar.
Meus irmãos mais velhos tiveram que trabalhar
logo para ajudar no sustento da família. Em pouco tempo eu também comecei a
trabalhar de babá e assim o tempo foi passando, e quando entrei na escola para
fazer a 1ª série eu tinha 12 anos. Fiz a 1ª série de aceleração e passei e
passei para a 3ª série. No ano seguinte
fui transferida para outra escola, nessa eu fiquei até a 6ª série.
Fiquei
sem estudar depois dessa época, pois eu tinha me casado, e retornei para
estudar na EJA anos depois. Estudei um ano e depois parei, tinha que trabalhar
e estudar e eu não estava conseguindo dando conta de fazer as duas coisas.
Então foram mais alguns anos sem estudar, foi quando percebi a necessidade de
concluir meus estudos e retornei no ano de 2003 para fazer a EJA. Eu concluí o
ensino fundamental com muitas dificuldades, pois já estava muito desatualizada
e os conteúdos e as disciplinas eram
diferentes da época em que eu parei, mas com muito esforço consegui vencer.
No
ano de 2006 iniciei o ensino médio na EJA, fiz o 1º ano em 2006 e em 2007 o 2º
e o 3º ano junto. Logo em seguida comecei um cursinho pré-vestibular gratuito.
Neste mesmo ano saiu á lista dos alunos para fazerem a inscrição do vestibular.
Nesta época o governo pagava a inscrição de alunos de escolas públicas. Então
chegou o grande dia da prova do vestibular, com todas as dificuldades que
passamos no decorrer do ensino médio, como falta de professores e muitas outras
coisas, ei fui com fé e a coragem fazer o vestibular, pois vi ali a minha
chance de ingressar em uma universidade.
E
então em 2008 passei no vestibular das duas instituições do Estado, a federal e
a estadual. Optei pela federal, e assim sai do ensino médio direto para a
universidade, fiquei muito feliz. Mas eu estava grávida e passei por uma
cesariana inesperada. As aulas iriam iniciar em 3 de março e tive bebê dia 24
de fevereiro. O bebê havia passado da hora de nascer e houve várias
complicações e acabei passando 16 dias na maternidade. Detalhe, tive entrar com
pedido para tranca minha matrícula do 1º semestre sem saber de nada. Ao retornar
no 2º semestre me deparei com situações difíceis, tive lutar para não perder
minha vaga.
Foram
dias difíceis sem ninguém para me orientar, haviam muitas disciplinas
acumuladas. Só pude fazer uma disciplina na turma, foi aí que entrei com pedido
de transferência de turma para a turma 2009. Na coordenação do curso não me
deram muita esperança e disseram que a prioridade era para quem estava
estudando normalmente, como eu não estava só havia uma disciplina que eu podia
fazer na turma que era sociologia I.
Eu
já estava cansada de fazer documentos e deixar na coordenação, as aulas já
haviam começado na turma 2009 e eu estava perdendo aula. Foi quando eu resolvi
que não ia mais atrás, ia deixa como estava e então neste mesmo dia recebi uma
ligação do DERCA dizendo que meu pedido havia sido aceito, mais fizeram eu
prometer que realmente iria estudar, que não iria parar ou abandonar. Agora imagine se eu estava lutando para
permanecer como eu não iria estudar.
Não
é qualquer pessoa que faz um vestibular e ingressa assim tão rápido como eu. Só
tem uma coisa que poderia me tirar do curso: a morte. Na minha família eu sou a
única que esta fazendo o ensino superior, todos os meus irmãos terminaram o
ensino médio e prestaram vestibular, mas como não passaram desistiram. Por
isso, para mim e minha família é muito importante esse momento em que estou
vivendo, mesmo com todas as dificuldades me considero uma vencedora. Estou
muito feliz que praticamente terminamos o curso. Obrigado meu Deus!!
ANEXO E - ALUNA
E: CAMINHEI, CONQUISTEI E VENCI!!!
Sou
de uma família paraense, tenho 11 irmãos, sou fruto do segundo casamento, tenho
3 irmãos e sou a única filha mulher, todos nos concluímos os estudos em escolas
públicas.
Em
Belém estudei em escolinha chamada Fé em Deus, essa foi a minha primeira
experiência escolar, tinha 4 anos. No ano de 1987, devido ao falecimento de
minha mãe, vitima de acidente de trânsito, vim para este Estado com meus irmãos
e meu pai.
Iniciei
meus estudos com 5 anos em uma escolinha de reforço, pois nessa época não havia
escola disponível para minha faixa etária, meu pai não pagava mensalidade, ele
colaborava com o lanche, era uma espécie de escola comunitária, fiquei 2 anos
nessa escola e com 7 anos meu pai me matriculou em outra escola pública, que
ficava próximo de casa, estudei 4 anos, e tive que ser transferida para outra
escola, pois não tinha a 5ª série (6º ano) e fui estudar em outra escola
pública, lá eu conclui meu ensino fundamental, claro que com bastante
dificuldades, pois com a morte da minha mãe, meu pai mergulhou de vez no
alcoolismo, como forma de tentar fugir dos problemas decorrentes da morte dela.
Largou o emprego de soldador em uma firma de construção civil, e nossos
problemas só aumentaram, pois passamos muitas dificuldades, principalmente para
nos mantermos na escola, nessa época era exigido que os alunos fossem
devidamente uniformizados, e como não podíamos entrar todos os dias meu pai nos
acompanhava até a coordenação para assinarmos uma autorização.
Me
interessei em fazer o processo seletivo
para uma escola que tinha o curso de magistério, estudava em casa, e tive ajuda
de dois vizinhos nas matérias que eu tinha mais dificuldades, graças à Deus
consegui passar e foram 4 anos me profissionalizando na área da educação.
Conclui
o 2º grau e passei 5 anos sem tentar vestibular, por causa do nascimento da
minha filha, que sem ter com quem deixar, tive que adiar meu sonho de entrar na
universidade. Passado esse tempo, fiz minha inscrição em um cursinho
pré-vestibular gratuito, só tínhamos que comprar a camisa, estudava no turno da
noite, ele fica longe na minha, muitas vezes meu marido me levava de bicicleta,
era o ano de 2008, e eu decidi que aquele era o meu ano de ingressar de vez
para o ensino superior, estudava também em casa, acompanhando a revisão do
cursinho que era transmitido pela televisão por volta de 1 hora da noite, eu
acompanhava tudo, todos os dias.
Então,
consegui passar no vestibular, em um Curso de Licenciatura, meu pai e meus
irmãos ficaram muito felizes, e eu mais ainda, tinha realizado um sonho. Mas a
minha permanência na universidade era apenas uma das dificuldades que eu
encontrei na minha caminhada acadêmica, pois dependia de ônibus para chegar até
a universidade, sem contar que muitas vezes tinha que voltar a pé, pois tinha
que economizar passe escolar, nesse período tive a oportunidade de estagiar em
duas escolas particulares que aliviaram um pouco a situação, mas por pouco
tempo, porque o término de curso vem o TCC e temos que ter dinheiro pra comprar
livros indicados pelos orientadores, as escolas particulares já não contratam
por estarmos terminando o curso e isso dificulta ainda mais a vida de um
acadêmico, mas na vida nada vem fácil, então encaro esses fatos com uma
motivação, para conseguir o meu tão sonhado diploma superior e colocar em
prática tudo que aprendi nesses anos de ensinamentos, e continuo aprendendo
tanto no que tange o curso como também com a maior professora que já conheci: a
VIDA!!!