O assunto que me foi confiado nesta série
é aparentemente meio desligado dos problemas reais: "Direitos humanos e literatura". As maneiras de abordá são muitas, mas não posso começar a faÌar sobre o tema específico sem fazer algumas reflexões prévias a respeito dos próprios direitos humanos.
É impressionante como em nosso tempo somos contraditórios neste capítulo, Começo observando que em comparação a eras passadas chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação.No entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima, servida frequentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar os desígnios da racionalidade.
Assim, com a energia atômica podemos ao mesmo tempo gerar força criadora e destruir a vida pela guerra; com o incrível progresso industrial aumentamos o conforto até alcançar níveis nunca sonhados, mas excluímos dele as grandes massas que condenamos à miséria; em certos países, como o Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssima distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria.
Ora, na Grécia antiga, por exemplo, teria sido impossível pensar numa distribuição equitativa dos bens materiais, porque a técnica ainda não permitia superar as formas brutais de exploração do homem, nem criar abundância para todos. Mas em nosso tempo é possível pensar nisso, e no entanto pensamos relativamente pouco. Essa insensibilidade nega uma das linhas mais promissoras da história do homem ocidental, aquela que se nutriu das ideia amadurecidas no correr dos séculos XVIII e XIX, gerando o liberalismo e tendo no socialismo a sua manifestação mais coerente.
Elas abriram perspectivas que pareciam levar à solução dos problemas dramáticos da vida em sociedade, E de fato, durante muito tempo acreditou-se que, removidos uns tantos obstáculos, como a ignorância e os
sistemas despóticos de governo,as conquistas do progresso seriam canalizadas no rumo imaginado pelos utopistas, porque a instrução, o saber e a técnica levariam necessariamente à felicidade coletiva.
No entanto,mesmo onde estes obstáculos foram removidos a barbárie continuou entre os homens. Todos sabemos que a nossa época é profundamente bárbara,embora se trate de uma barbárie ligada ao máximo de civilização. Penso que o movimento pelos direitos humanos se entronca aí, pois somos a primeira era da história em que teoricamente é possível entrever uma solução para as grandes desarmonias que geram a injustiça contra aqueles que lutam, os homens de boa vontade à busca, não mais do estado ideal sonhado pelos utopistas racionais que nos antecederam, mas do máximo viável de igualdade e justiça,em correlação a cada momento da história.
Mas esta verificação desalentadora deve ser compensada por outra mais otimista: nós sabemos que hoje os meios materiais necessários para nos aproximarmos desse estágio melhor existem, e que muito do que era simples utopia se tornou possibilidade real. Se as possibilidades existem,a luta ganha maior cabimento e se torna mais esperançosa, apesar de tudo o que o nosso tempo apresenta de negativo.
Quem acredita nos direitos humanos procura transformar a possibilidade teórica em realidade, empenhando-se em fazer coincidir uma com a outra. Inversamente, um traço sinistro do nosso tempo é saber que é possível a solução de tantos problemas e no entanto não se empenhar nela. Mas de qualquer modo, no meio da situação atroz em que vivemos há perspectivas animadoras.
É verdade que a barbárie continua até crescendo, mas não se vê mais o seu elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser ocultado e não proclamado.Sob este aspecto, os tribunais de Nuremberg foram um sinal dos tempos novos, mostrando que já não é admissível a um general vitorioso mandar fazer inscrições dizendo que construiu.
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