Resumo
A decisão de se falar da produção poética de José Paulo Paes de acordo com as suas experiências biográficas tem a ver principalmente com o fato de que este poeta era avesso a qualquer forma de convenção, ele entendia que apesar de pertencer cronologicamente à geração modernista de 45 tinha mais características em comum com os primeiros modernistas, a geração de 20, como Mário de Andrade, Drummond de Andrade, Oswald de Andrade e outros escritores de sua época.
Além das influências literárias José Paulo Paes foi fortemente marcado pelos intelectuais com quem conviveu e pelos lugares que freqüentou como o circulo do café belas-artes, um lugar que reunia escritores, jornalistas e toda sorte de pessoas interessadas nas artes.
Desde a sua tenra idade até os seus últimos dias de vida, o escritor José Paulo Paes não cessou de receber influências e de ser ele próprio a influência para vários outros escritores que se iniciavam nos rumos da literatura, sobretudo a literatura infantil a que foi mais expressivo. Com toda versatilidade de um poeta modernista e fruto de uma geração de escritores que bebeu de todas as fontes José Paulo Paes só poderia ter uma poesia que encanta adulto e criança.
1 SOBRE JOSÉ PAULO PAES
Nascidoem Taquaritinga- São Paulo á 22 de julho de 1926, José Paulo Paes foi um dos mais importantes poetas da nossa literatura, mas além de escritor José Paulo Paes foi também um respeitável tradutor de obras literárias como os poemas do poeta inglês Levis Carroll e de clássicos da lingüística, sobretudo da semiótica, área em que tinha grande interesse. Ele era fluente nas línguas inglesa e francesa, que aprendeu quando ainda cursava o ensino ginasial, ele também traduziu obras de escritores russos, idioma que estudou e aprendeu sozinho com as suas habilidades de autodidata.
1.1 Amava a literatura e a química
José Paulo Paes era um leitor voraz e amante incondicional da literatura que aprendeu a gostar quando ainda morava na casa de seus avôs, mas apesar de seu amor ás letras o escritor paulista tinha apenas uma formação técnica no curso de química que era também uma de suas paixões, sobre a sua escolha pelo ramo da química, José Paulo Paes esclarece:
Um curso universitário exigira mais oito anos de estudo. Era de mais para quem queria se livrar o quanto antes da dependência financeira para com o pai e cuidar da própria vida. Ainda que atraído pela literatura, nem de longe me passou pela cabeça cursar letras, de onde eu sairia professor de português [...] não gostava de escola. Achei então que um curso de técnico de química seria uma boa opção. (PAES, 1996, P.29)
Outra razão que contribuiu para que José Paulo Paes optasse pelo curso de química foi o fato dele ter sido fortemente afetado pelos quadrinhos que traziam as aventuras de Flash Gordon e posteriormente pelo seriado de televisão do mesmo super-herói.
Penso que as histórias de Flash Gordon deve ser creditado o meu precoce interesse pelas ciências, em particular pela química. Num quartinho de madeira feito especialmente por meu pai nos fundos do quintal, montei meu laboratório. Para equipá-lo além de vidro de remédios vazios [...] provetas, copos graduados, tubos de ensaio e varetas de vidro, daquelas que se podem modelar no fogo.(PAES, 1996, P. 17)
José Paulo Paes trabalhou por vários anos na indústria química até se decidir pela literatura, atitude que teve total apoio de sua esposa Dora para quem ele dedicaria todas as suas poesias. Dora além de esposa era a principal incentivadora da produção de José Paulo Paes.
.2 Sobre o ginásio
Quando José Paulo Paes sai de Taquaritinga e vai morar em Araçatuba, onde cursa o ensino ginasial, ele entra em contato com uma produção literária que até então lhe era desconhecida, entre as obras com as quais toma contato nesse período destacam-se ‘o Corvo’ de Edgar Allan Poe, ‘Dom Casmurro’ e ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ de Machado de Assis e ‘Eu e outras poesias’ de Augusto dos Anjos. Sobre a influência de Augusto dos Anjos em sua produção poética José Paulo Paes afirma:
“‘Eu’ me pus a imitar desavergonhosamente os poemas cemiteriais do Eu e outras poesias. Embora, no vigor da puberdade, eu estourasse de saúde por todos os poros, nos versos que então escrevi só falava de doença e envelhecimento.” (PAES, 1996, p.28)
Sobre o poema o ‘corvo’ de Edgar Allan Poe, Paes (1996, p. 27) escreveu “apressei-me a ler o poema. E me encantei com a figura fatídica do corvo a repetir o seu ‘nunca mais! ’, cada vez com um novo significado, para marcar o desconsolo pela perda da mulher amada, a desolação da viuvez e a irreparabilidade da morte”. Foi por essa época que José Paulo Paes produziu um poema intitulado ‘A Edgar Allan Poe’ em que presta uma homenagem ao poeta estadunidense referendando o famoso poema ‘O Corvo’.
Fecha-se um homem no quarto
[...] as reflexões, entre amargas e cínicas, entremeadas à desacidentada narrativa do D. Casmurro e das Memórias póstumas de Brás Cubas iriam mostrar-me que um romance não precisa estar recheado de situações de perigo nem ter necessariamente personagens de estatura heróica para prender a atenção do leitor.
Tempos mais tarde, com uma leitura mais madura das obras de Machado de Assis o poeta José Paulo Paes escreveu dois ensaios chamados Gregos e baianos ambos publicados no ano de 1985.
1.3 Sobre o café belas-artes
Quando se muda para Curitiba José Paulo Paes trava contato com um grupo de intelectuais que tinha como objetivo renovar a poesia e levar as inovações modernistas para o Paraná. Esse grupo de intelectuais formado em sua maioria por jornalistas, escritores, artistas plásticos, músicos, comunistas e pequenos corretores tinha como ponto de encontro o café belas-artes que se situava na rua quinze.
José Paulo Paes eterniza o café belas-artes, fechado logo após a sua partida de Curitiba, em um poema chamado “balada das belas-artes” publicado no livro “Prosas seguidas de Odes mínimas” ele presta homenagem ao lugar onde se reunia com amigos para discutir literatura.
Sobre o mármore das mesas
A carta que Carlos Drummond de Andrade Enviara a José Paulo Paes se tornou um divisor de águas em sua produção literária, tanto que após muitos anos quando já era um escritor consagrado ele afirmava que a carta de Drummond o tirara das nuvens e o colocará no chão que é o lugar onde todo escritor deve estar. Entre outras coisas a carta dizia:
“V. tem um sentimento poético indubitável, maneja o verso livre com bastante segurança rítmica, nunca resvala no mal-gosto – mas v. ainda não me parece v., que terá de se encontrar. [...] Para fugir aos modelos nacionais, leia os estrangeiros; é contrapeso excelente, e imitação por imitação, a dos últimos nos faz ir mais longe e nos universaliza mais, isto é, traz consigo mesma a possibilidade de libertação.” (PAES, 1996, p.38).
Depois da carta de Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes passa a buscar em sua poesia a realização de uma escrita que tenha mais a ver com a sua perspectiva e com o seu olhar do que com algo que lembre as vozes de outros poetas, em particular os da geração de 22 é por esse período que se sobressai em sua literatura o poema piada, o poema de engajamento e na ultima fase de sua produção poética a poesia infantil.
1.5 Sobre Dora
José Paulo Paes foi casado com a bailarina Dora, que foi o seu grande amor. Para Dora José Paulo Paes dedicou diversos poemas. Sobre a convivência com Dora José Paulo Paes (1996. P. 63) escreve: “Desde que nos casáramos, ela nunca havia deixado de trabalhar; seus ganhos se somavam aos meus para fazer frente às despesas da casa. Conosco não havia o meu e o teu; havia o nosso. E o nosso trem de vida era e continua a ser modesto”. Entre os poemas dedicados à Dora destacam-se “madrigal” em que ainda predomina a forte influência do poema piada herdado da geração de 22 e “De mãos unidas” de caráter confessional.
MADRIGAL
1.6 Sobre Glaura
Glaura foi à filha de José Paulo Paes que morreu ainda recém-nascida. Depois de Glaura ele não teve outros filhos, mas a rápida passagem de Glaura deixouem José Paulo Paes um profundo sentimento de saudade que se notabilizou em sua poesia. Para Glaura José Paulo Paes escreveu um poema intitulado “nana para Glaura” onde faz uma relação entre o sono de uma criança e a morte da filha.
1.7 Sobre as pernas
José Paulo Paes sofria de um sério problema na perna direita, se tratava de uma gangrena que da qual se curou, mas tempos depois ela voltou atacando agora a perna esquerda que teve de ser amputada. Para a sua perna amputada José Paulo Paes escreveu um poema intitulado “ode a minha perna esquerda”.
Ao todo José Paulo Paes soma quase trinta obras publicadas que são geralmente divididas em poemas para adultos e poemas infantis, apesar de o próprio José Paulo Paes não simpatizar muito com essa divisão. As obras para o publico adulto e que representam primeira fase do escritor são, a saber: O aluno, 1947; Cúmplices, 1951; Poemas reunidos, 1961; Anatomias, 1967; Meia palavra, 1973; Resíduo, 1980; Um por todos, 1986; A poesia está morta, mas juro que não fui eu, 1988; Prosas seguidas de odes mínimas, 1992; A meu esmo, 1995 e De ontem para hoje, 1996.
Padre açúcar
José Paulo Paes foi um poeta que transitou entre os mais diversos rumos da literatura, foi tradutor, ensaísta, crítico literário e acima de tudo foi um poeta que mostrou em sua poesia as mais diversas influências desde a poesia engajada de caráter contestador até a poesia infantil que tinha como intenção maior o divertimento.
“Achei um relógio”
Quanta besteira, pensava eu comigo. Quem seria descuidado a ponto de perder um relógio de bolso com corrente e tudo? Eu, se achasse algum, ficava era de boca fechada. Não ia me pôr a gritar feito imbecil “Que belo! Que belo!”, exclamação de mariquinhas, não de menino que se prezava. (PAES, 1996. p.16)
José Paulo Paes tem seu lugar garantido entre os grandes nomes da literatura brasileira, sobretudo porque soube usar todo o seu potencial criador para desenvolver uma poesia totalmente diferenciada.
José Paulo Paes morreu, mas a sua obra permanece cada vez mais viva e conhecida em todo mundo provando que a sua poesia superou o tempo de sua criação e alcançou outras gerações, confirmando o talento de seu autor e a beleza de sua obra.
Apesar de ter sido reconhecido como grande poeta ainda em vida, José Paulo Paes entendia que não estava à altura de Manuel Bandeira, por exemplo, e se auto denominava um poeta como outro qualquer. Para PAES (1996, p.78) “De minha parte, ufano do título de um poeta como outro qualquer, [...] pretendo me consagrar à poesia até o penúltimo poema. Porque não chegarei, a saber, que era o último.”.
O objetivo deste trabalho é fornecer dados sobre a produção poética de José Paulo Paes, partindo de uma análise que acompanha a sua biografia e não de uma perspectiva da escola literária ao qual ele está inserido, o que seria mais usual. A proposta é fazer um levantamento da sua poesia desde os seus primórdios até o momento em que o poeta alcança a consagração enquanto escritor da literatura nacional. O encantamento de José Paulo Paes com a poesia pré-modernista de Augusto dos Anjos, o contato com a produção literária de Machado de Assis, bem como com o trabalho de Edgar Allan Poe são fatores relevantes para a construção poética do autor em questão, assim como são relevantes também a sua amizade com os modernistas Mário de Andrade, Drummond de Andrade e outros. É dentro desse quadro que se estabelece a produção poética de José Paulo Paes e é dentro desse enfoque que este trabalho o busca analisar.
Palavras-chave: literatura. Poesia. Ludicidade. Produção.
Résumé
L'objectif de ce document est de fournir des données sur la poésie de Paulo José Paes, à partir d'une analyse biographique et non dans la perspective de l'école littéraire à laquelle elle est insérée, ce qui serait plus habituelle. La proposition est de faire une enquête sur sa poésie de ses débuts à l'instant où le poète atteint la consécration en tant qu'écrivain dans notre littérature. L'enchantement de Paes PauloJosé avec la poésie pré-moderniste d'Augusto dos Anjos, le contact avec l'œuvre littéraire de Machado de Assis, et le travail d'Edgar Allan Poe sont des facteurs pertinents à la construction poétique de l'auteur en question, ainsi que est également pertinent pour son amitié avec moderniste de Mário de Andrade,Drummond de Andrade et d'autres. C'est dans ce cadre qui définit la poésie de Paulo José Paes et c'est dans cette perspective que le présent document vise à analyser
Mots-clés: Littérature. Poésie. Enjouement. production
INTRODUÇÃO
Apesar de sua literatura ser ainda desconhecida do grande público, algo que se justifica pela aversão de uma parte da critica literária por poesias infantis, José Paulo Paes começa a ganhar espaço entre os grandes poetas brasileiros. Este trabalho tenciona fazer um apanhado da produção poética deste autor a partir de suas vivências, suas influências, sua biografia.
A decisão de se falar da produção poética de José Paulo Paes de acordo com as suas experiências biográficas tem a ver principalmente com o fato de que este poeta era avesso a qualquer forma de convenção, ele entendia que apesar de pertencer cronologicamente à geração modernista de 45 tinha mais características em comum com os primeiros modernistas, a geração de 20, como Mário de Andrade, Drummond de Andrade, Oswald de Andrade e outros escritores de sua época.
Além das influências literárias José Paulo Paes foi fortemente marcado pelos intelectuais com quem conviveu e pelos lugares que freqüentou como o circulo do café belas-artes, um lugar que reunia escritores, jornalistas e toda sorte de pessoas interessadas nas artes.
Desde a sua tenra idade até os seus últimos dias de vida, o escritor José Paulo Paes não cessou de receber influências e de ser ele próprio a influência para vários outros escritores que se iniciavam nos rumos da literatura, sobretudo a literatura infantil a que foi mais expressivo. Com toda versatilidade de um poeta modernista e fruto de uma geração de escritores que bebeu de todas as fontes José Paulo Paes só poderia ter uma poesia que encanta adulto e criança.
1 SOBRE JOSÉ PAULO PAES
Nascido
1.1 Amava a literatura e a química
José Paulo Paes era um leitor voraz e amante incondicional da literatura que aprendeu a gostar quando ainda morava na casa de seus avôs, mas apesar de seu amor ás letras o escritor paulista tinha apenas uma formação técnica no curso de química que era também uma de suas paixões, sobre a sua escolha pelo ramo da química, José Paulo Paes esclarece:
Um curso universitário exigira mais oito anos de estudo. Era de mais para quem queria se livrar o quanto antes da dependência financeira para com o pai e cuidar da própria vida. Ainda que atraído pela literatura, nem de longe me passou pela cabeça cursar letras, de onde eu sairia professor de português [...] não gostava de escola. Achei então que um curso de técnico de química seria uma boa opção. (PAES, 1996, P.29)
Outra razão que contribuiu para que José Paulo Paes optasse pelo curso de química foi o fato dele ter sido fortemente afetado pelos quadrinhos que traziam as aventuras de Flash Gordon e posteriormente pelo seriado de televisão do mesmo super-herói.
Penso que as histórias de Flash Gordon deve ser creditado o meu precoce interesse pelas ciências, em particular pela química. Num quartinho de madeira feito especialmente por meu pai nos fundos do quintal, montei meu laboratório. Para equipá-lo além de vidro de remédios vazios [...] provetas, copos graduados, tubos de ensaio e varetas de vidro, daquelas que se podem modelar no fogo.(PAES, 1996, P. 17)
José Paulo Paes trabalhou por vários anos na indústria química até se decidir pela literatura, atitude que teve total apoio de sua esposa Dora para quem ele dedicaria todas as suas poesias. Dora além de esposa era a principal incentivadora da produção de José Paulo Paes.
.2 Sobre o ginásio
Quando José Paulo Paes sai de Taquaritinga e vai morar em Araçatuba, onde cursa o ensino ginasial, ele entra em contato com uma produção literária que até então lhe era desconhecida, entre as obras com as quais toma contato nesse período destacam-se ‘o Corvo’ de Edgar Allan Poe, ‘Dom Casmurro’ e ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ de Machado de Assis e ‘Eu e outras poesias’ de Augusto dos Anjos. Sobre a influência de Augusto dos Anjos em sua produção poética José Paulo Paes afirma:
“‘Eu’ me pus a imitar desavergonhosamente os poemas cemiteriais do Eu e outras poesias. Embora, no vigor da puberdade, eu estourasse de saúde por todos os poros, nos versos que então escrevi só falava de doença e envelhecimento.” (PAES, 1996, p.28)
Sobre o poema o ‘corvo’ de Edgar Allan Poe, Paes (1996, p. 27) escreveu “apressei-me a ler o poema. E me encantei com a figura fatídica do corvo a repetir o seu ‘nunca mais! ’, cada vez com um novo significado, para marcar o desconsolo pela perda da mulher amada, a desolação da viuvez e a irreparabilidade da morte”. Foi por essa época que José Paulo Paes produziu um poema intitulado ‘A Edgar Allan Poe’ em que presta uma homenagem ao poeta estadunidense referendando o famoso poema ‘O Corvo’.
Fecha-se um homem no quarto
E esquece a janela aberta.
Pela janela entra um corvo.
O homem se desconcerta.
Desconcertado, invectiva-o
De anjo, demônio, adivinho.
Pede-lhe mágicas, mapas,
Soluções, chaves, caminhos.
Mas, ave de curto vôo,
O corvo sorri de pena.
Murmura vagas palavras.
Não absolve, não condena.
Cala-se o homem, frustrado,
(o egocentrismo desgosta)
E, a contragosto, percebe
Que o eco não é resposta. (PAES, 1998, p.105)
Anos mais tarde José Paulo Paes publica o poema intitulado “a casa”, em que revela o tom sombrio e fantasmagórico oriundos da forte influência de Edgar Allan Poe em sua poesia. Conta o poeta que este poema fora criado a partir de um sonho e que neste sonho ela era um menino voador que era levado por um pássaro até a antiga casa de seu avô em Taquaritinga.
Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.
Na livraria, há um avô que faz cartões de boas festas com corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e programas de circo.
Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim dos tempos.
No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha.
Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o seu próprio caixão.
Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas da família.
Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias do outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu na guerra do Paraguai rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que espia a todos eles; só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos.
Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vedam-na depressa.
Antes que ele acorde e se descubra também morto. (PAES, 1998, p.182)
Nesse período ele também se encanta com os romances machadianos em que percebe a predominância do tempo psicológico, característica que diferia das suas leituras de infância. A esse respeito José Paulo Paes (1996, p. 27) afirma:
[...] as reflexões, entre amargas e cínicas, entremeadas à desacidentada narrativa do D. Casmurro e das Memórias póstumas de Brás Cubas iriam mostrar-me que um romance não precisa estar recheado de situações de perigo nem ter necessariamente personagens de estatura heróica para prender a atenção do leitor.
Tempos mais tarde, com uma leitura mais madura das obras de Machado de Assis o poeta José Paulo Paes escreveu dois ensaios chamados Gregos e baianos ambos publicados no ano de 1985.
1.3 Sobre o café belas-artes
Quando se muda para Curitiba José Paulo Paes trava contato com um grupo de intelectuais que tinha como objetivo renovar a poesia e levar as inovações modernistas para o Paraná. Esse grupo de intelectuais formado em sua maioria por jornalistas, escritores, artistas plásticos, músicos, comunistas e pequenos corretores tinha como ponto de encontro o café belas-artes que se situava na rua quinze.
José Paulo Paes eterniza o café belas-artes, fechado logo após a sua partida de Curitiba, em um poema chamado “balada das belas-artes” publicado no livro “Prosas seguidas de Odes mínimas” ele presta homenagem ao lugar onde se reunia com amigos para discutir literatura.
Sobre o mármore das mesas
do Café Belas-Artes
os problemas se resolviam
como em passe de mágica.
[...]
O verso vinha fácil
o conto tinha graça
a música se compunha
o quadro se pintava.
Doía muito menos
a dor-de-cotovelo,
nem chegava a incomodar
a falta de dinheiro.
Para o sedento havia
um copo de água fresca,
média pão e manteiga
consolavam o faminto.
Não se desfazia nunca
a roda de amigos;
o tempo congelara-se
no seu melhor minuto.
[....] (PAES, 1996, p .36)
1.4 A carta de Drummond
A carta que Carlos Drummond de Andrade Enviara a José Paulo Paes se tornou um divisor de águas em sua produção literária, tanto que após muitos anos quando já era um escritor consagrado ele afirmava que a carta de Drummond o tirara das nuvens e o colocará no chão que é o lugar onde todo escritor deve estar. Entre outras coisas a carta dizia:
“V. tem um sentimento poético indubitável, maneja o verso livre com bastante segurança rítmica, nunca resvala no mal-gosto – mas v. ainda não me parece v., que terá de se encontrar. [...] Para fugir aos modelos nacionais, leia os estrangeiros; é contrapeso excelente, e imitação por imitação, a dos últimos nos faz ir mais longe e nos universaliza mais, isto é, traz consigo mesma a possibilidade de libertação.” (PAES, 1996, p.38).
Depois da carta de Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes passa a buscar em sua poesia a realização de uma escrita que tenha mais a ver com a sua perspectiva e com o seu olhar do que com algo que lembre as vozes de outros poetas, em particular os da geração de 22 é por esse período que se sobressai em sua literatura o poema piada, o poema de engajamento e na ultima fase de sua produção poética a poesia infantil.
1.5 Sobre Dora
José Paulo Paes foi casado com a bailarina Dora, que foi o seu grande amor. Para Dora José Paulo Paes dedicou diversos poemas. Sobre a convivência com Dora José Paulo Paes (1996. P. 63) escreve: “Desde que nos casáramos, ela nunca havia deixado de trabalhar; seus ganhos se somavam aos meus para fazer frente às despesas da casa. Conosco não havia o meu e o teu; havia o nosso. E o nosso trem de vida era e continua a ser modesto”. Entre os poemas dedicados à Dora destacam-se “madrigal” em que ainda predomina a forte influência do poema piada herdado da geração de 22 e “De mãos unidas” de caráter confessional.
MADRIGAL
Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.
Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão. (PAES, 1998, p.69)
DE MÃOS UNIDAS
Nossa vida
Construímos
A cada passo,
A cada minuto,
A cada esquina
De mãos unidas. (PAES, 1996, p.49)
1.6 Sobre Glaura
Glaura foi à filha de José Paulo Paes que morreu ainda recém-nascida. Depois de Glaura ele não teve outros filhos, mas a rápida passagem de Glaura deixou
Dorme como quem
Porque nunca nascida
Dormisse no hiato
Entre a morte e a vida.
Dorme como quem
Nem os olhos abrisse
Por saber desde sempre
Quanto o mundo é triste.
Dorme como quem
Cedo achasse abrigo
Que nos meus desabrigos
Dormirei contigo. (PAES, 1996, p.50)
1.7 Sobre as pernas
José Paulo Paes sofria de um sério problema na perna direita, se tratava de uma gangrena que da qual se curou, mas tempos depois ela voltou atacando agora a perna esquerda que teve de ser amputada. Para a sua perna amputada José Paulo Paes escreveu um poema intitulado “ode a minha perna esquerda”.
Chegou a hora
de nos despedirmos
um do outro, minha cara
data vermibus
perna esquerda.
A las doce en punto
de la tarde
vão-nos separar
ad eternitatem.
Pudicamente envolta
num trapo de pano
vão te levar
da sala de cirurgia
para algum outro (cemitério
ou lata de lixo
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
do restante de nós
[...]
Longe
do corpo
terás doravante
de caminhar sozinha
até o dia do juízo.
Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar
Na pior das hipóteses
se chegares
antes de nós
diante do juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.
Os maus passos
Quem os deu na vida
Foi a arrogância
Da cabeça
A afoiteza
Das glândulas
A incurável cegueira
Do coração.
Os tropeços
Deu-os a alma
Ignorante dos buracos
Da estrada
Das armadilhas
Do mundo.
Mas não te preocupes
Que no instante final
Estaremos juntos
Prontos para a sentença
Seja ela qual for
Contra nós
Lavrada:
As perplexidades
De ainda outro lugar
Ou a inconcebível
Paz Do Nada. (PAES, 1996. P.68-69)
1.8 Sobre a produção poética de José Paulo Paes
Ao todo José Paulo Paes soma quase trinta obras publicadas que são geralmente divididas em poemas para adultos e poemas infantis, apesar de o próprio José Paulo Paes não simpatizar muito com essa divisão. As obras para o publico adulto e que representam primeira fase do escritor são, a saber: O aluno, 1947; Cúmplices, 1951; Poemas reunidos, 1961; Anatomias, 1967; Meia palavra, 1973; Resíduo, 1980; Um por todos, 1986; A poesia está morta, mas juro que não fui eu, 1988; Prosas seguidas de odes mínimas, 1992; A meu esmo, 1995 e De ontem para hoje, 1996.
A primeira fase de sua poesia em que se verifica a forte influência da geração de 22 é marcado por uma forte uma produção engajada com certa influência do movimento concretista é desse período o poema “cristandade” em que nota-se o tom irônico e denunciativo na sua poesia.
Padre açúcar
Que estás no céu
Da monocultura,
Santificado
Seja o nosso lucro,
Venha nós o vosso reino
De lúbricas mulatas
E lídimas patacas,
Seja feita
A vossa vontade
Assim na casa grande
Como na senzala.
O ouro nosso
De cada dia
Nos dai hoje
E perdoai nossas dívidas
Assim como perdoamos
O escravo faltoso
Depois de puni-lo.
Não nos deixeis cair em tentação
De liberalismo,
Mas livrai-nos de todo
remorso, amém. (PAES, 1996, p.50)
1.9 Sobre a produção infantil de José Paulo Paes
José Paulo Paes foi um poeta que transitou entre os mais diversos rumos da literatura, foi tradutor, ensaísta, crítico literário e acima de tudo foi um poeta que mostrou em sua poesia as mais diversas influências desde a poesia engajada de caráter contestador até a poesia infantil que tinha como intenção maior o divertimento.
Das poesias infantis José Paulo Paes escreveu É isso ali, 1984; Olha o bicho, 1989; Poemas para brincar, 1990; O menino de olho d’Água, 1991; Uma letra puxa a outra, 1992; Um número depois do outro, 1993; Lé com Cré, 1993;Um passarinho me contou, 1996.
Fato curioso na história de José Paulo Paes no que diz respeito à literatura infantil é que ele sempre sentiu grande aversão pelas poesias infantis encontradas nos manuais do ensino ginasial. Para José Paulo Paes aquelas poesias não chamavam a atenção das crianças por não possuírem graça e não representarem à realidade de uma criança. Ele faz a analise de um antigo poema encontrado nesses manuais.
“Achei um relógio”
Gritava Janjão,
Pulando contente
Com ele na mão.
“Achei um relógio
Com uma corrente.
Que belo! Que belo!
Agora sou gente!”
Quanta besteira, pensava eu comigo. Quem seria descuidado a ponto de perder um relógio de bolso com corrente e tudo? Eu, se achasse algum, ficava era de boca fechada. Não ia me pôr a gritar feito imbecil “Que belo! Que belo!”, exclamação de mariquinhas, não de menino que se prezava. (PAES, 1996. p.16)
A poesia de José Paulo Paes diferencia-se das demais poesias infantis, justamente por trazer o riso, a alegria e o lúdico de uma maneira muita criativa em que se sobressai os jogos de palavras e as rimas com histórias muito bem elaboradas que prendem a atenção tanto de adultos quanto de crianças. Prova disso é o poema “cemitério” em que o poeta faz uso das rimas e do jogo de palavras.
1
Aqui jaz um leão
Chamado augusto
Deu um urro tão forte
Mas um urro tão forte
Que morreu de susto
2
Aqui jaz uma pulga
Chamada Cida,
Desgostosa da vida
Tomou inseticida
Era uma pulga suiCida.
3
Aqui jaz um morcego
Que morreu de amor
Por outro morcego.
Desse amor arrenego:
Amor cego, o de morcego!
4
Neste túmulo vazio
Jaz um bicho sem nome.
Bicho mais impróprio!
Tinha tanta fome
Que comeu-se a si próprio. (PAES, 1996. P.16)
CONSIDERAÇOES FINAIS
José Paulo Paes tem seu lugar garantido entre os grandes nomes da literatura brasileira, sobretudo porque soube usar todo o seu potencial criador para desenvolver uma poesia totalmente diferenciada.
O aprimoramento de sua poesia infantil foi resultado de muito labor literário e ao contrário das poesias infantis insossas e pedagogizantes que ele encontrara em seus manuais José Paulo Paes acreditava que era (PAES, 1996. P.16) "É pelo trampolim do riso, não pela lição de moral, que se chega ao coração das crianças. Até lá procuraria eu chegar com as brincadeiras de palavras de meus poemas infantis".
José Paulo Paes morreu, mas a sua obra permanece cada vez mais viva e conhecida em todo mundo provando que a sua poesia superou o tempo de sua criação e alcançou outras gerações, confirmando o talento de seu autor e a beleza de sua obra.
Apesar de ter sido reconhecido como grande poeta ainda em vida, José Paulo Paes entendia que não estava à altura de Manuel Bandeira, por exemplo, e se auto denominava um poeta como outro qualquer. Para PAES (1996, p.78) “De minha parte, ufano do título de um poeta como outro qualquer, [...] pretendo me consagrar à poesia até o penúltimo poema. Porque não chegarei, a saber, que era o último.”.
REFERÊNCIAS
PAES, José Paulo. Quem, eu? Um poeta como outro qualquer. 4. ed. São Paulo: Atual, 1996.
PAES, José Paulo. Melhores poemas. Seleção de Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Global, 1998.
PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Áti
PAES, José Paulo. Lé com Cré. São Paulo: Ática, 1994. ca, 1994.
Revista Cult. Entrevista: A aventura Literária de José Paulo Paes. Número 22. maio de 1999. São Paulo: Lemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário